Novo contorno da tributação sobre variação cambial para investimentos no exterior

Guilherme Alves de Lima

A promulgação da Lei 14.754/23 marca um ponto de inflexão na tributação brasileira de investimentos no exterior por residentes no Brasil. Embora tenha havido uma simplificação da forma de declaração, a questão da variação cambial causa preocupação e merece atenção.

A sistemática anteriormente vigente para a tributação de rendimentos auferidos no exterior, que exigia a apuração mensal tanto para o ganho de capital, aplicável aos juros, quanto para o carnê-leão, aplicável aos dividendos, foi alterada. A

gora, adota-se uma modalidade de apuração anual, a ser realizada na declaração de ajuste anual do exercício subsequente, sob uma alíquota unificada de 15%. Essa mudança resulta na supressão das isenções previamente aplicáveis, que eram de até R$ 35 mil por mês para o ganho de capital e de até R$ 2.112 por mês para o carnê-leão. Essa alteração simplificou tanto o processo de apuração quanto o de recolhimento desses tributos.

No que toca ao tema da variação cambial, que era regulado pelo artigo 24 da Medida Provisória MP 2.158-35/01, não era tributada a variação cambial decorrente de aplicações financeiras no exterior adquiridos com rendimentos originalmente auferidos em moeda estrangeira, um regime que favorecia a neutralidade fiscal das flutuações cambiais sob determinadas condições.

Contudo, a Lei 14.754/23 acabou com a distinção entre ativos adquiridos no exterior com rendimentos auferidos originalmente em reais e ativos com rendimentos auferidos originalmente em moeda estrangeira. Institui-se, assim, uma tributação sobre ganhos de capital originados de variação cambial de investimentos no exterior, independentemente da origem dos recursos utilizados para a aquisição desses ativos.

Pelo novo regramento, as alíquotas incidentes sobre os ganhos de capital, derivados de qualquer forma de variação cambial, seguem a regra geral de tributação de 15%, se acima do limite anual equivalente a US$ 5 mil.

Essa alteração legislativa não somente aumenta a carga tributária sobre investidores brasileiros com ativos fora do país, mas também instaura uma série de questionamentos jurídicos e práticos.

Princípios constitucionais de necessária observação na análise do tema
Diante disso, se faz essencial analisar o tema à luz da irretroatividade, da neutralidade fiscal, e da capacidade contributiva.

Quanto a irretroatividade tributária, princípio fundamental no ordenamento jurídico brasileiro, consubstancia-se na vedação à aplicação de leis tributárias a fatos geradores ocorridos antes de sua vigência. Este princípio está intrinsecamente relacionado à segurança jurídica e à previsibilidade. A irretroatividade é expressamente assegurada pelo artigo 150, III, a, da CRFB/88, que proíbe a cobrança de tributos “antes da vigência da lei que os instituiu ou aumentou”.

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Por sua vez, a neutralidade fiscal representa uma diretriz no desenho das políticas tributárias, segundo o qual a carga tributária não deve influenciar as decisões econômicas dos agentes, preservando a eficiência e a livre concorrência no mercado. Esse princípio busca evitar distorções nas escolhas de consumo, investimento ou produção, provocadas por tratamentos fiscais diferenciados. Em teoria, a neutralidade fiscal promove a alocação ótima de recursos, maximizando o bem-estar econômico sem favorecer ou prejudicar setores específicos, mantendo a competitividade das empresas e a equidade entre os contribuintes, contribuindo para um ambiente econômico mais estável e previsível.

Ainda, a capacidade contributiva é um princípio constitucional tributário que assegura que os impostos devem ser cobrados de acordo com as possibilidades econômicas do contribuinte, visando uma distribuição equitativa da carga tributária. Fundamenta-se na ideia de justiça fiscal, estabelecendo que quem possui maior riqueza deve contribuir proporcionalmente mais para as despesas públicas.

Este princípio, expresso nos artigos 145, § 1º, e 150, II, da CRFB/88, orienta a criação de tributos progressivos, garantindo que a tributação respeite a heterogeneidade das condições socioeconômicas dos contribuintes, reduzindo desigualdades e promovendo a equidade fiscal.

Todos esses três princípios devem ser filtros pelos quais se analisam as regras de tributação.

O tema da tributação da variação cambial de investimentos no exterior por residentes no Brasil, sob a égide da Lei 14.754/23, abre um vasto campo de análise tanto no âmbito da técnica tributária quanto no dos princípios constitucionais que regem a matéria.

Esta análise perpassa, além de pelos princípios acima citados, pela conceituação de renda sob a ótica tributária, confrontando-a com a variação cambial enquanto possível manifestação de acréscimo patrimonial.

Sob a ótica do Direito Tributário, renda é conceituada como um acréscimo patrimonial, uma riqueza nova que se agrega ao patrimônio do contribuinte. Este conceito implica uma mutação positiva do patrimônio, refletindo a diferença entre o que é auferido e o que é dispendido num determinado período​​. Essa mutação patrimonial, caracterizada pela entrada líquida de recursos, é o que tradicionalmente se espera para configurar o fato gerador de impostos sobre a renda.

O que se sustenta nesse artigo é que a variação cambial, sobretudo a variação cambial decorrente de aplicações financeiras no exterior adquiridos com rendimentos originalmente auferidos em moeda estrangeira não é renda.

A Lei 14.754/23 determina a tributação sobre a variação cambial de investimentos realizados no exterior por residentes no Brasil, considerando-a como um acréscimo patrimonial tributável. Esta decisão legislativa reacende o debate sobre se a variação cambial, por si só, constitui uma riqueza nova, suscetível de tributação, ou se apenas reflete ajustes de valores já existentes no patrimônio do contribuinte, especialmente em cenários onde a aquisição do investimento foi realizada com recursos já detidos em moeda estrangeira.

Nesse ponto, se impõe a análise à luz da irretroatividade da lei tributária. A CRFB/88, em seu artigo 150, III, a, veda expressamente a cobrança de tributos de forma retroativa.

A aplicação da Lei 14.754/23 a ganhos de capital derivados de variação cambial acumulada antes de sua vigência colide frontalmente com esse princípio constitucional. A análise da retroatividade, relacionada aos investimentos já realizados, suscita questionamentos quanto à sua constitucionalidade.

Além disso, parece que as novas previsões legais afrontam a neutralidade fiscal, que como demonstrado é essencial para evitar distorções nas escolhas dos contribuintes.

E, por fim, as novas disposições legais suscitam dúvida quanto ao respeito a capacidade contributiva. A variação cambial não caracteriza demonstração de renda capaz de gerar tributação, uma vez que, se trata de situação não definitiva.

Reflexão
A partir dessa perspectiva, aconselha-se aos contribuintes afetados pela Lei 14.754/23 uma cuidadosa análise de seus investimentos no exterior, bem como das implicações tributárias decorrentes da variação cambial. É imprescindível considerar estratégias de planejamento tributário e, se necessário, buscar a via judicial para contestar a aplicação retroativa da lei ou sua aplicação em casos nos quais não se verifica efetivo acréscimo patrimonial.

Em conclusão, a tributação da variação cambial sobre investimentos no exterior introduzida pela Lei 14.754/23 traz consigo uma série de desafios interpretativos e práticos. O tema toca em pontos sensíveis do Direito Tributário, como o conceito de renda, neutralidade fiscal e o princípio da irretroatividade da lei e da capacidade contributiva, demandando dos contribuintes e operadores do direito um exame detalhado de suas disposições e potenciais efeitos sobre os investimentos no exterior.

Assim, torna-se crucial um debate aprofundado sobre sua conformidade com os princípios constitucionais tributários e a busca por soluções que harmonizem os objetivos fiscais do Estado com os direitos e garantias dos contribuintes.

Guilherme Alves de Lima

advogado graduado pela UFRJ, pós-graduado pela Emerj, mestrando em Tributação pela Uerj e pós-graduando no MBA em Gestão Tributário da USP/Esalq.

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