Taxas sobre apostas de quota fixa têm caráter meramente arrecadatório

João Pedro de Paula Santos Guimarães, Aimberê Almeida Mansur

No início do ano, o governo federal publicou o Decreto nº 11.907/2024, que criou a Secretaria de Apostas e Prêmios, como decorrência da entrada em vigor, no final do ano passado, da Lei nº 14.790/2023, que disciplinou as denominadas “apostas de quota fixa”, nas quais o apostador possui conhecimento prévio da taxa de retorno, em momento anterior à publicação do resultado do evento esportivo ou jogos online que sejam objeto da aposta.

A Lei nº 14.790/2023 alterou as Leis nº 5.768/1971 e nº 13.756/2018, a Medida Provisória nº 2.158-35/2001 e revogou alguns dispositivos do Decreto-Lei nº 204/1967, trazendo uma nova regulamentação da atividade no Brasil, que se tornou necessária e urgente em razão do surgimento massivo de diversas empresas que atuam nesse ramo nos últimos anos, as denominadas “bets”, e da total ausência de uma normatização e fiscalização específica para o setor.

A nova secretaria será responsável pela regulação e fiscalização das “bets”. Já a definição das políticas e fiscalização de manipulações e fraudes ficarão a cargo do Ministério do Esporte.

Com a nova regulamentação do setor, a previsão de arrecadação do governo federal, segundo os cálculos realizados pelo Ministério da Fazenda, será de, pelo menos, R$ 10 bilhões ao ano. Em linhas gerais, a Lei nº 14.790/2023 prevê as seguintes incidências e repasses:

Outorga para exploração da atividade, no valor máximo de R$ 30 milhões;
Taxa de Fiscalização mensal, que varia entre R$ 54,4 mil e R$ 1,9 milhão;
Taxa de Autorização, que varia entre R$ 27 e R$ 66,6 mil;
Alíquota de 15% de IRPF, calculada sobre os valores recebidos pelos apostadores;
12% para repasse para educação, esportes, turismo, saúde, contribuição para a seguridade social e fundos diversos, sobre a receita obtida com as apostas efetuadas, subtraídos os prêmios pagos aos apostadores (gross gaming revenue, ou GGR, na sigla em inglês);
Taxa de fiscalização

No que interessa ao presente artigo, o artigo 32, § 1º da Lei nº 13.756/2018, alterado pela Lei nº 14.790/2023, instituiu a Taxa de Fiscalização devida pela exploração comercial de apostas de quota fixa, que incide mensalmente sobre o produto de arrecadação das “bets”, após a dedução dos valores destinados ao pagamento (1) do prêmio ao apostador; (2) da contribuição para a seguridade social; e (3) do imposto de renda incidente sobre a premiação e “que tem como fato gerador o exercício regular do poder de polícia de que trata o § 2º do art. 29”.

Trata-se, portanto, de uma taxa instituída para custear o poder de polícia exercido pelos entes públicos, com suporte constitucional no artigo 145, II da CF e regulada nos artigos 77 e 78 do Código Tributário Nacional, sendo um tributo vinculado, cuja base de cálculo não representa uma atuação específica do contribuinte, mas sim do Estado.

Dessa forma, a referida taxa somente poderá ser instituída para fazer frente às despesas incorridas pelo ente público em decorrência de ações direcionadas a um particular específico, e deve traduzir, ainda que de forma aproximada, o custo com tal fiscalização, já que as taxas não podem ser fonte de receita, como os impostos.

Portanto, resta verificar se o valor cobrado pela referida taxa se mostra razoável e proporcional; do contrário, se estará diante de um imposto disfarçado de taxa, o que é vedado tanto pela Constituição Federal quanto pelo Código Tributário Nacional.

Valores para cobrança da taxa e fiscalização das empresas
O Anexo II da Lei nº 13.756/2018, alterado pela Lei nº 14.790/2023, estipulou os seguintes valores para cobrança da taxa:

Faixa de Valor Valor da Taxa de Fiscalização mensal
Até R$ 30.837.749,76 R$ 54.419,56
De R$ 30.837.749,77 a R$ 51.396.249,60 R$ 90.699,26
De R$ 51.396.249,61 a R$ 85.660.416,00 R$ 151.165,44
De R$ 85.660.416,01 a R$ 142.767.360,00 R$ 251.942,40
De R$ 142.767.360,01 a R$ 237.945.600,00 R$ 419.904,00
De R$ 237.945.600,01 a R$ 396.576.000,00 R$ 699.840,00
De R$ 396.576.000,01 a R$ 660.960.000,00 R$ 1.166.400,00
Acima de R$ 660.960.000,01 R$ 1.944.000,00

Já o Capitulo IX da Lei nº 14.790/2023 inaugurou as disposições relacionadas ao procedimento de fiscalização das empresas que exploram a atividade. O artigo 33 dispõe que o agente operador deverá utilizar sistemas auditáveis, aos quais deverá ser disponibilizado acesso irrestrito, contínuo e em tempo real ao Ministério da Fazenda, sempre que for requisitado.

Spacca
O procedimento para prestação das informações solicitadas pela fiscalização do Ministério da Fazenda está disposto no artigo 34, que já indica o modo que as empresas serão fiscalizadas: “envio ou disponibilização, pelos agentes operadores, de esclarecimentos, de informações técnicas, operacionais, econômico-financeiras e contábeis, de dados, de documentos, de certificações, de certidões e de relatórios que sejam considerados necessários para a fiscalização das atividades desenvolvidas pelos operadores de apostas”.

Inicialmente, já chama atenção o fato de que toda a documentação necessária para o procedimento de fiscalização será fornecida pela pessoa jurídica e, posteriormente, analisada pelo fiscal responsável através de um sistema auditável, mantido à disposição do Ministério da Fazenda ou mediante solicitação, reduzindo, em muito, o trabalho de fiscalização.

No entanto, o exercício do poder de polícia, traduzido na fiscalização mensal, terá como base de cobrança os valores recebidos pela empresa após a dedução do prêmio, da contribuição social e do imposto de renda. A contraprestação, em verdade, não guarda qualquer relação com o trabalho desempenhado pelo fiscal, já que não há qualquer diferença entre fiscalizar uma empresa que paga prêmios que somam até R$ 30,8 milhões ou as empresas cujos prêmios somados ultrapassam a faixa de R$ 660,9 milhões.

Taxas desproporcionais
A fiscalização, mediante a análise da documentação fornecida por um sistema auditável não parece demandar mais ou menos trabalho a depender do prêmio pago e não representa o real custo da atividade, ou, ainda, outro valor que corresponda ao custo efetivo do poder de polícia exercido, o que caracterizaria a desproporcionalidade e irrazoabilidade dos valores da taxa definidos pela Lei 14.790/2023.

Segundo estudo desenvolvido pela Hand e publicado na Folha de S.Paulo, atualmente existem 500 empresas que exploram as apostas de quota fixa no Brasil. Considerando que todas elas façam o pagamento da Taxa de Fiscalização Mensal, o valor mínimo arrecadado mensalmente é de R$ 27,2 milhões, e o valor máximo mensal é de R$ 972 milhões.

Fôlego das empresas e arrecadação federal
O mencionado estudo prevê que apenas 15% das “bets” terão fôlego financeiro para se manter em atividade após a regulamentação do setor. Caso a previsão se confirme, tais valores mensais caem para R$ 4,08 milhões e R$ 145,8 milhões respectivamente. Anualmente, os valores perfazem os montantes de R$ 48,9 milhões e R$ 1,7 bilhão.

Ocorre que a recém-criada Secretaria de Apostas e Prêmios pelo Decreto nº 11.907/2024, contará inicialmente com 38 servidores, alguns remanejados e outros que irão ingressar por meio de concurso público. A despeito da inexistência de dotação orçamentária publicada até o momento, existem informações quanto aos cargos e salários que serão ocupados na secretaria.

A Secretaria de Apostas e Prêmios foi subdividida em três subsecretarias: Subsecretaria de Autorização, Subsecretaria de Monitoramento e Fiscalização e a Subsecretaria de Ação Sancionadora.

Para o que interessa ao presente artigo, será analisada a Subsecretaria de Monitoramento e Fiscalização, que, conforme disposto no Decreto nº 11.907/2024, terá nove atribuições, mas apenas três delas será de efetiva fiscalização.

O salário de todos servidores lotados na subsecretaria, somados, perfaz o montante de R$ 85,3 mil, mensais, totalizando R$ 1,1 milhão por ano. Portanto, caso a previsão do estudo publicado na Folha de S.Paulo se confirme e cerca de 75 empresas permaneçam explorando a atividade e, ainda, considerando o valor mínimo a ser pago mensalmente por essas empresas, teríamos uma arrecadação anual de R$ 48,9 milhões para um custo de R$ 1,1 milhão com a fiscalização, ou seja, quase 50 vezes maior. E isso considerando todas as atribuições da subsecretaria, que como definido em lei, não está restrita ao exercício de poder de polícia.

Estrutura e despesas do Ministério da Fazenda
Considerando que ainda não há informações das demais despesas e gastos com a Secretaria de Apostas e Prêmios e nem a dotação orçamentária para o ano de 2024, vale uma análise da estrutura do Ministério da Fazenda existente atualmente. As despesas com as Unidades de Vínculo Direto (secretarias submetidas ao Ministério) relacionadas com a atividade de “administração financeira”, “administração de receitas” e “normatização e fiscalização” no ano de 2023 foi de R$ 214.014.354,17.

Ainda considerado o estudo publicado, utilizando um valor médio da possível arrecadação federal com a Taxa de Fiscalização no valor de R$ 999,2 mil/mês por empresa (considerando o valor mínimo e o valor máximo previsto), chega-se ao montante de R$ 899,2 milhão/ano, o que faria com que a receita auferida com a Taxa de Fiscalização seja suficiente para suportar a totalidade das despesas de todo Ministério da Fazenda relacionadas à atividade de “administração financeira”, “administração de receitas”, “normatização e fiscalização” (R$ 214 milhões) e o vencimento de todos os servidores do Ministério da Fazenda (que totaliza R$ 456,5 milhões por mês), desconsiderando todas as outras fontes de custeio da administração pública.

Conclusão
Ainda que se considere apenas a projeção de arrecadação do governo federal, que estima uma elevação em 10 bilhões por ano (considerando também os repasses previstos e a Contribuição Social que somados perfazem o total de 12%), esse montante já demonstra e reafirma a irrazoabilidade e desproporcionalidade, justamente por ultrapassar todas as despesas do ministério.

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento de duas ações diretas de constitucionalidade que questionavam a cobrança de taxas instituídas em decorrência do poder de polícia estadual pelos estados do Rio de Janeiro (ADI 5.489) e do Pará (ADI 5.374), reconheceu a inconstitucionalidade de ambas as leis, tendo sido fixado a seguinte tese: “Viola o princípio da capacidade contributiva, na dimensão do custo/benefício, a instituição de taxa de polícia ambiental cuja base que exceda flagrante e desproporcionalmente os custos da atividade estatal de fiscalização”.

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Mais recentemente, em 18/12/2023, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI 7.400/MT, reafirmou tal posicionamento e fixou a seguinte tese: “O Estado-membro é competente para a instituição de taxa pelo exercício regular do poder de polícia sobre as atividades de pesquisa, lavra, exploração ou aproveitamento de recursos minerários, realizada no Estado. 2. É inconstitucional a instituição de taxa de polícia que exceda flagrante e desproporcionalmente os custos da atividade estatal de fiscalização”.

Conclui-se, portanto, que os valores definidos para a cobrança da Taxa de Fiscalização Mensal das empresas que se dedicam à atividade de exploração de apostas de quota fixa apresentam fortes indícios de desproporcionalidade e irrazoabildiade, em completa afronta ao artigo 150, IV, da Constituição Federal, se tornando verdadeira fonte de arrecadação pelo governo, já que não traduzem o efetivo valor gasto com o exercício do poder de polícia desempenhado pelo Ministério da Fazenda.

Sem dúvidas, a Lei nº 14.790/2023 é um grande avanço à regulamentação do setor e a demonstração de que a atividade de apostas de quota fixa e a criação em massa de “bets” no Brasil estão no radar do governo, que, por um lado, deverá fiscalizar o setor para evitar práticas de sonegação, lavagem de dinheiro e fraudes, e, por outro lado, proteger o apostador a partir de medidas relacionadas ao direito do consumidor e de saúde pública, para que as apostas não tragam malefícios para a sociedade.

No entanto, sob o prisma tributário, ainda haverá muito debate relacionado às Taxas e seus valores, que apresentam fortes indícios de desproporcionalidade e irrazoabilidade com o custo do poder de polícia, além de violarem os princípios da capacidade contributiva, da isonomia e do não confisco, já que assumem um caráter meramente arrecadatório, o que é reservado aos tributos.

Assim, é necessário que o governo, o Congresso e a sociedade civil monitorem as consequências geradas pela regulamentação para que os problemas apontados no presente artigo sejam balizados no curto e médio prazo, para garantir a segurança jurídica e a justiça fiscal, bem como a necessária observância aos princípios constitucionais e tributários presentes no ordenamento jurídico brasileiro.

João Pedro de Paula Santos Guimarães, Aimberê Almeida Mansur

João Pedro de Paula Santos Guimarães
é advogado do Rolim, Goulart e Cardoso Advogados.

Aimberê Almeida Mansur
é sócio do Rolim, Goulart e Cardoso Advogados.

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