Créditos de PIS/Cofins, industrialização por encomenda e o take or pay

Fábio Pallaretti Calcini, Breno Bernardes

Tributário
Em face da escassez de recursos e das oscilações dos preços, as empresas aperfeiçoam feixes contratuais de execução continuada ou diferida com a finalidade de estabilizar a atividade produtiva e reduzir os custos de transação [1].

Um exemplo recorrente no agronegócio para minguar as despesas é o contrato de industrialização por encomenda, estipulado por razões de demanda, logística e especialidade [2].

Dentre as vantagens competitivas desse tipo contratual há a desnecessidade de um alto investimento inicial em máquinas fabris e a oportunidade de gerar uma estratégia fiscal e contábil previsível, afastando o cenário de uma elevada produção que ficará estocada devido à diminuição da procura pelo ativo.

No que tange aos efeitos fiscais relacionados ao PIS e a Cofins, há posicionamento da Receita Federal no sentido de que os valores despendidos a título de industrialização por encomenda são insumos na produção de bens e, por isso, geram créditos ao contribuinte, tal como se observa na Solução de Consulta Cosit nº 631/2017:

“EMENTA: CRÉDITO. INSUMO. INDUSTRIALIZAÇÃO POR ENCOMENDA. A pessoa jurídica encomendante pode descontar crédito da Contribuição para o PIS/Pasep em relação aos valores pagos a título de serviços de industrialização por encomenda, pois esses são considerados insumos na produção/fabricação de bens ou produtos destinados à venda. DISPOSITIVOS LEGAIS: Lei nº 10.637, de 2002, com alterações, art. 3º, II. ASSUNTO: CONTRIBUIÇÃO PARA O FINANCIAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL – COFINS EMENTA: CRÉDITO. INSUMO. INDUSTRIALIZAÇÃO POR ENCOMENDA. A pessoa jurídica encomendante pode descontar crédito da Cofins em relação aos valores pagos a título de serviços de industrialização por encomenda, pois esses são considerados insumos na produção/fabricação de bens ou produtos destinados à venda. DISPOSITIVOS LEGAIS: Lei nº 10.833, de 2003, com alterações, art. 3º, II.”

Cláusula de take or pay

Todavia, a análise tributária do creditamento é mais complexa em um cenário de contrato de industrialização por encomenda com cláusula de take or pay, a qual é utilizada com frequência nos mercados de fornecimento de insumos [3] e de serviços essenciais em algumas cadeias de produção, tal como na industrialização de fertilizantes.

A princípio [4], a cláusula de take or pay estabelece um cenário no qual o comprador terá que pagar (“pay”) pelo bem ou serviço independentemente de utilizá-lo (“take”).

Consiste em uma cláusula tipicamente social de ambientes de alto investimento inicial, como construção de oleodutos, rodovias, usinas de energia elétrica e estrutura logística para fornecimento de insumos.

Promove-se uma assunção dos riscos, visto que de um lado o fornecedor terá um fluxo de caixa estável que amortizará o alto investimento inicial e resguardará uma previsibilidade futura [5] e, de outro, o comprador terá garantido o seu bem ou serviço por um valor pré-fixado, não sujeito às oscilações dos preços conforme aumentos sazonais da demanda.

Como é típica de ambientes de alto investimento inicial, o fluxo de caixa estável normalmente é requerido pelos credores no momento de realização de empréstimos para consecução da obra.

De modo exemplificativo, podemos imaginar uma empresa de logística que estabelece um contrato de take or pay com tradings companies que realizam a exportação de grãos.

De um lado, a transportadora necessita realizar um alto investimento inicial para criar uma rede ferroviária para viabilizar o translado dos grãos.

Do outro, as tradings companies dificilmente conseguem prever qual a quantidade de grãos que serão exportados.

Isso ocorre porque, como sabemos, o mercado de exportação de grãos é extremamente volátil devido à dependência do clima, dos preços dos insumos utilizados no cultivo e outros fatores como previsão da safra em outros países e estabilidade da geopolítica.

Nesse contexto, o aperfeiçoamento de um contrato de take or pay promove uma assunção dos riscos nas operações de ambas as partes.

A transportadora terá um fluxo de caixa estável diante do comprometimento do pagamento fixo das tradings companies independente do uso do transporte.

Com esse fluxo de caixa estabilizado, possivelmente a transportadora de grãos conseguirá linhas de crédito mais atrativas para consecução das suas obras com elevado investimento inicial.

Já as tradings, por sua vez, terão um espaço assegurado nos vagões a um preço pré-estabelecido, ou seja, o valor do transporte não estará sujeito às oscilações sazonais da demanda.

E essa finalidade de retorno mínimo resguardada pelo fluxo de caixa estável é normalmente requerida pelos credores de um Project Finance [6] e já foi observada pelo Poder Judiciário:

“A cláusula de take or pay, assim como a cláusula ship or pay e a cláusula make-up gas, é comum ao mercado de compra e venda de gás natural, o qual, por envolver atividade negocial de grande risco, exige que seja assegurado um retorno mínimo de investimento aos fornecedores de gás” [7].

Ademais, do ponto de vista legal, o artigo 1º, §4º, da Lei 10.312/2001 [8] positiva que:

“Entende-se por cláusula take or pay a disposição contratual segundo a qual a pessoa jurídica vendedora compromete-se a fornecer, e o comprador compromete-se a adquirir, uma quantidade determinada de gás natural canalizado, sendo este obrigado a pagar pela quantidade de gás que se compromete a adquirir, mesmo que não a utilize”.

Take or pay no agro
Sendo assim, a cláusula de take or pay está presente de modo significativo no setor do agronegócio e, apesar de ser um contrato atípico, já possui algumas positivações legais.

Do ponto de vista fiscal, como visto, a Receita Federal autoriza o contribuinte a apurar créditos de PIS/Cofins em relação às receitas derivadas de contratos de industrialização por encomenda.

Spacca
Surge a dúvida então se ocorreria a manutenção desse posicionamento nas hipóteses que a fabricação por encomenda é regida por meio de uma cláusula de take or pay.

Isso porque para um bem ou serviço utilizado como insumo, o crédito no regime não-cumulativo se consubstancia no momento de sua aquisição, isto é, quando consumada a transferência de titularidade.

Precedentes
Nesse sentido, há diversos precedentes das instâncias ordinárias do Carf, tais como os proferidos nos acórdãos

“CONTRIBUIÇÃO PARA O FINANCIAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL (COFINS) Período de apuração: 01/10/2011 a 31/12/2011 INSUMOS. AQUISIÇÕES PARA ENTREGA FUTURA. CRÉDITOS. IMPOSSIBILIDADE. Os custos incorridos com aquisições de insumos para entrega futura não geram créditos da contribuição na data de emissão da nota fiscal de simples faturamento e sim no mês da emissão da nota fiscal da efetiva entrega dos produtos no estabelecimento do contribuinte, quando, de fato, ocorre o fato gerador da contribuição” [9]

“MOMENTO DO CREDITAMENTO. O cálculo do crédito de PIS e de COFINS deverá levar em conta as aquisições de bens, serviços e insumos ocorridas no mês, sendo que o termo “aquisição” exige o recebimento e contabilização do bem pelo destinatário. crédito não aproveitado em determinado mês poderá sê-lo nos meses subseqüentes” [10].

Na mesma linha, a CSRF se posicionou no Acórdãos 9303-012.971 (16/3/2022) e 9303-­007.630 (20/11/2018) no sentido de que o crédito a ser descontado se efetiva quando da entrega da matéria prima no momento em que há a transferência da propriedade e, consequentemente, a efetiva aquisição da mercadoria.

Nas razões de decidir de ambos os acórdãos, justificaram esse posicionamento à luz do art. 1.267 do Código Civil de 2002, o qual dispõe que a transferência da propriedade da mercadoria adquirida se efetiva no momento da tradição, isto é, quando a mercadoria é entregue ao adquirente.

Dessa forma, na hipótese da fabricante produzir toda a encomenda prevista contratualmente e transferir para a sua cliente, deve-se manter a possibilidade de creditamento em relação à industrialização por encomenda, haja vista que a presença da cláusula nada altera a relevância e essencialidade da industrialização por encomenda e, ainda, o próprio fisco reconheceu a natureza de receita da operação regida pelo take or pay:

“Solução de Consulta nº 311 – Cosit Data 4 de novembro de 2014 ASSUNTO: CONTRIBUIÇÃO PARA O FINANCIAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL – COFINS NÃO CUMULATIVIDADE. INCIDÊNCIA. VENDA. GÁS NATURAL. CLÁUSULA TAKE OR PAY. Os ganhos registrados em favor de distribuidora de gás natural, em um dado período de apuração da Cofins, decorrentes de vendas efetuadas em cumprimento da cláusula Take or Pay, sem a correspondente entrega do produto ao comprador, no transcurso do aludido período de apuração, devem ser reconhecidos como receitas abrangidas no âmbito de incidência dessa contribuição: (a) no momento em que se der a entrega posterior do produto (na hipótese em que o gás não demandado pelo comprador configura crédito em seu favor, a ser utilizado em momento futuro); ou (b) no momento em que registrado o ganho, independentemente do implemento de condição futura (na hipótese em que o gás não demandado pelo comprador não configura crédito em seu favor, para utilização futura). Dispositivos Legais: Lei nº 10.833, de 2003, art. 1º.” (grifou-se).

Por outro lado, em uma situação na qual a empresa pagará (“pay”) para a fabricante, mas não necessitará da encomenda (“take”), nota-se que, apesar do adimplemento da obrigação de pagar quantia, não ocorrerá uma transferência da titularidade do bem.

Em outras palavras, nem sempre o pagamento terá conexão com uma efetiva industrialização por encomenda.

Nesse caso, pertinente analisar o artigo 3º, §13 da Lei 10.833/2003, o qual estipula que:

“Deverá ser estornado o crédito da Cofins relativo a bens adquiridos para revenda ou utilizados como insumos na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda, que tenham sido furtados ou roubados, inutilizados ou deteriorados, destruídos em sinistro ou, ainda, empregados em outros produtos que tenham tido a mesma destinação”.

Pretende o legislador, neste parágrafo, destacar a necessidade de utilização do bem ou serviço para o seu enquadramento como insumo. Se o bem foi devidamente adquirido e em tese configura como insumo, mas não foi utilizado, seja devido a roubo, furto e outras hipóteses, torna-se necessário estornar o crédito inicialmente contabilizado e reconhecido.

Considerações finais
Sendo certo que o tema é complexo e não há decisões específicas sobre o objeto em análise, este artigo não possui a finalidade de esgotar a temática.

Sendo assim, não se nega que é possível sustentar, com risco de questionamentos, que a lei não exige expressamente a utilização, bastando a aquisição do bem ou serviço relevante e essencial para que ocorra o creditamento.

Todavia, uma visão mais conservadora seria no sentido de que no caso de não se utilizar da industrialização por encomenda, o pagamento desta pelo mínimo contratual (“take or pay”) não geraria crédito ou levaria ao seu estorno.

[1] SZTAJN, Rachel. Ronald H. Coase e a importância de perguntar. Revista de Direito Empresarial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, pp. 201-209.

[2] CALCINI, Fábio Pallaretti. O crédito presumido de PIS/Cofins e a industrialização por encomenda. São Paulo: Consultor Jurídico, 2018, p.1. Disponível em: . Acesso em: 03/05/2023.

[3] FRANCO, Nancy Gombossy de Melo; JUNIOR, Fernando Medici. A cláusula de take or pay. Disponível em: . Acesso em 03/05/2023.

[4] Pertinente o alerta feito por Vitor Silveira, para o qual “Não há como definir de forma única e geral a cláusula de take or pay, pois não há ‘resposta certa’ para sua delimitação, mas uma multiplicidade de respostas, as quais devem ser cotejadas racionalmente. VIEIRA, Vitor Silveira. A Cláusula de take or pay no Direito Privado Brasileiro: Qualificação, Regime e Aplicação. Vol. 106. Revista de Direito Privado, 2020, p. 2.

[5] Como é típica de ambientes de alto investimento inicial, o fluxo de caixa estável normalmente é requerido pelos credores no momento de realização de empréstimos para consecução da obra.

[6] SESTER, Peter. Take or pay Contracts in Project Finance: Focus on Gas Supply Contracts in Brazil. Chapter 13. International Arbitration in Latin American: Energy and Natural Resources Disputes; Kluwer Law International, 2021, p. 316.

[7] Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Apelação Cível nº 70054145420, 20º Câmara Cível, Relator Desembargador Carlos Cini Marchionatti, j. 27.03.2019.

[8] Esta lei dispõe sobre a incidência das Contribuições para o PIS/PASEP e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social nas operações de venda de gás natural e de carvão mineral. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10312.htm Acesso em 03/05/2023.

[9] CARF, 3ª Seção, Ac. 3302-011.762 – 3ª Seção de Julgamento / 3ª Câmara / 2ª Turma Ordinária, Sessão de 21 de setembro de 2021.

[10] CARF, 3ª Seção, Ac. 3801005.038 – 1ª Turma Especial Sessão de 25 de fevereiro de 2015.

Fábio Pallaretti Calcini, Breno Bernardes

Fábio Pallaretti Calcini
é doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP, ex-membro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), professor da FGV Direito SP e Ibet e sócio tributarista Brasil Salomão e Matthes Advocacia.

Breno Bernardes
é graduado em Direito pela USP, com semestre cursado na Università Degli Studi di Sassari (Itália), e advogado tributarista no Brasil Salomão Advocacia.

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