Microempreendedor Individual nas contratações públicas – algumas peculiaridades

Adriano Biancolini

A Lei Complementar nº 128/2008, que alterou a LC nº 123/06 (Estatuto da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte), criou a figura do Microempreendedor Individual – MEI. Segundo esse normativo, considera-se MEI o empresário individual a que se refere o art. 966 do Código Civil Brasileiro “que tenha auferido receita bruta, no ano-calendário anterior, de até R$ 36.000,00 (trinta e seis mil reais), optante pelo Simples Nacional e que não esteja impedido de optar pela sistemática prevista” no art. 18-A da LC nº 123/06.

Em complemento, de acordo com a Resolução nº 16/2009 do Comitê para Gestão da Rede Nacional para Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios – CGSIM será enquadrado como MEI o empresário referido no art. 966 do CC e que atenda cumulativamente as seguintes condições:

“I – tenha auferido receita bruta conforme estabelecido nos §§ 1º ou 2º do art. 18-A da Lei Complementar nº 123, de 2006;

II – seja optante pelo Simples Nacional;

III – exerça tão somente atividades permitidas para o Microempreendedor Individual conforme Resolução do Comitê Gestor do Simples Nacional;

IV – não possua mais de um estabelecimento;

V – não participe de outra empresa como titular, sócio ou administrador;

VI – possua até um empregado que receba exclusivamente um salário mínimo ou o piso salarial da categoria profissional.”

Definido o enquadramento legal conferido ao Microempresário Individual, cabe avaliar a sua participação nas contratações públicas.

Cabe destacar que a princípio, para fins de licitação o MEI equipara-se à figura do empresário individual. O empresário individual, em regra, no procedimento licitatório, se apresenta diante da Administração como pessoa física, a qual deverá estar inscrita no Registro Comercial (art. 28, II, da Lei nº 8.666/93), expedido em conformidade com os artigos 967 e 968 do Código Civil, visando demonstrar a regularidade da atividade empresarial exercida por ele (empresário individual).

Dessa forma, a Administração deverá exigir do MEI, para fins de habilitação em processo de contratação pública os documentos previstos entre os artigos 28 a 31 da Lei de Licitações no que couber, ou seja, os documentos que são normalmente exigidos das pessoas físicas que participam de licitação.

No que tange à habilitação jurídica, a Lei de Licitações, art. 28, II, determina que será exigida do empresário individual comprovação do registro comercial. Logo, sendo o MEI equiparado a essa figura jurídica, tal obrigação a ele se estende.

No entanto, a Administração deve estar ciente às atualizações tecnológicas e normativas infra-legais que, na maioria das vezes, não é acompanhada pela Lei nº 8.666/93.[1]

Dentro desse contexto é necessário atenção acerca da habilitação jurídica dos Microempreendedores Individuais.

Atualmente, a formalização do MEI não exige a entrega de qualquer documento físico às juntas comerciais. Em atenção à Lei nº 11.598/2007[2] e Resolução nº 16/2009 do CGSIM, a formalização desses empresários passou a ser disponibilizada integralmente em ambiente virtual, por meio do sítio www.portaldoempreendedor.gov.br, de forma gratuita. Após a realização desse cadastro, o CNPJ, a inscrição na junta comercial e no INSS, e o alvará provisório de funcionamento são obtidos imediatamente, gerando um documento único, que é o Certificado da Condição de Microempreendedor Individual (CCMEI), conforme informações contidas na seção de Perguntas e Respostas no próprio portal do empreendedor.

Tal procedimento está devidamente normatizado no art. 3º da Resolução nº 16/2009 do CGSM, transcrito a seguir:

“Art. 3º O processo de registro e legalização de Microempreendedor Individual observará as disposições da Lei nº 11.598, de 2007, da Lei Complementar nº 123, de 2006, alterada pela Lei Complementar nº 128, de 2008, assim como as seguintes diretrizes específicas:

I – constituir-se a implementação da formalização do Microempreendedor Individual na primeira etapa de implantação da Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios – Redesim;

II – incorporar automação intensiva, alta interatividade e integração dos processos e procedimentos dos órgãos e entidades envolvidos;

III – integrar, de imediato, ao Portal do Empreendedor, processos, procedimentos e instrumentos referentes à inscrição do Microempreendedor Individual na Secretaria da Receita Federal do Brasil – RFB e nas Juntas Comerciais;

IV – integrar, gradualmente, ao Portal do Empreendedor, processos, procedimentos e instrumentos referentes à inscrição do Microempreendedor Individual no Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, e à obtenção de inscrição, alvarás e licenças para funcionamento nos órgãos e entidades estaduais e municipais responsáveis pela sua emissão;

V – deverá ser simples e rápido, de forma a que o Microempreendedor possa se registrar e legalizar em curtíssimo prazo e, quando o processo estiver totalmente informatizado e racionalizado, mediante um único atendimento por parte dos agentes de apoio à realização dos procedimentos necessários;

VI – não haver custos para o Microempreendedor relativamente à prestação dos serviços de apoio à formalização, assim como referentes às ações dos órgãos e entidades pertinentes à inscrição e legalização necessárias ao início de funcionamento de suas atividades, conforme estabelecido no § 3º do art. 4º da Lei Complementar nº 123, de 2006;

VII – realizar inscrições automatizadas na Junta Comercial e no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica – CNPJ, dispensando-se completamente o uso de formulários em papel e a aposição de assinaturas autógrafas;

VIII – possibilitar o funcionamento do Microempreendedor Individual imediatamente após as inscrições eletrônicas na Junta Comercial e no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ), mediante a sua manifestação, por meio eletrônico, de concordância com o conteúdo do Termo de Ciência e de Responsabilidade com Efeito de Alvará e Licença de Funcionamento Provisório;

IX – disponibilizar ao empreendedor, para impressão, via eletrônica do Certificado da Condição de Microempreendedor Individual, documento hábil para comprovar suas inscrições, alvarás, licenças e sua situação de enquadramento na condição de Microempreendedor Individual perante terceiros, ficando a sua aceitação condicionada à verificação de sua autenticidade na Internet, no endereço http://www.portaldoempreendedor.gov.br.

Importante destacar nesse dispositivo o inciso IX que prevê a disponibilização de documento eletrônico hábil a comprovar perante terceiros a condição de MEI, ficando a sua aceitação condicionada à verificação de sua autenticidade na Internet. Esse é o CCMEI, o mesmo documento gerando quando do cadastro do empresário.

Assim, mediante a apresentação desse documento durante o procedimento licitatório seria cumprida a exigência do art. 28, II, da Lei de Licitações de forma adequada à nova realidade de boa parte dos empresários individuais, anteriormente só previstos no Código Civil.

Observe que o próprio dispositivo condiciona força probatória do documento à verificação de autenticidade na internet.

Com isso, a Administração quando do recebimento do Certificado de condição de Microempreendedor Individual, poderá verificar a autenticidade do documento no site www.portaldoempreendedor.gov.br, bastando digitar o CPF e data de nascimento do empresário nos campos indicados.

Outro aspecto importante diz respeito à qualificação econômico-financeira previstas no inciso I do art. 31 do estatuto de licitações públicas.

Os empresários individuais e MEI estão dispensados de manter contabilidade formal, a exemplo do que se exige, em regra, das sociedades empresárias. Portanto, esses empresários não possuem livro diário ou livro caixa, sendo que a exigência por parte da Administração pela apresentação de “balanço patrimonial e demonstrações contábeis”, forçaria tais indivíduos a suportar ônus que foi dispensado pelos normativos que formam o regime jurídico do Microempreendedor Individual.

Forçoso reconhecer que os MEI estão desobrigados de produzir balanço patrimonial com espeque no próprio Código Civil que em seu § 2º do art. 1.179 dispensa o “pequeno empresário” de tais obrigações. Já o art. 68 da LC nº 123/06 define o pequeno empresário, para efeito de aplicação do disposto nos arts. 970 e 1.179 do referido código, “o empresário individual caracterizado como microempresa na forma desta Lei Complementar que aufira receita bruta anual de até R$ 36.000,00”.

Por sua vez, o art. 18-A, § 1º, da LC nº 123, considera o MEI o empresário individual que tenha auferido receita bruta, no ano-calendário anterior, de até R$ 36.000,00 (trinta e seis mil reais), optante pelo Simples Nacional. Portanto, a definição de MEI se enquadra dentro da definição do “pequeno empresário” e, assim, está dispensado da elaboração do balanço patrimonial.

Assim, qual seria a medida cabível? Exigir que os MEI produzam tais documentos, mesmo que a norma os tenha dispensado de tal obrigação, sob pena de desclassificação da licitação?

Não seria esse o entendimento consoante ao art. 37, XXI, da Constituição da República que determina que as exigências de qualificação técnica e econômica serão as indispensáveis á garantia do cumprimento das obrigações.

Observe que os MEI são em última análise pessoas físicas, as quais só serão obrigadas a fazer ou deixar de fazer qualquer coisa em razão de lei (art. 5º, II, CR).

Portanto, se a lei não obriga os microempreendedores individuais de manter contabilidade formal e à produzir balanço patrimonial, não poderá a Administração impor tal obrigação para fins de participação em licitação, com fundamento na norma genérica contida no art. 31, I, Lei nº 8.666/93.

Notas:

1 – E nem se poderia esperar isso, já que esse estatuto se destina a disciplinar normas gerais de licitação, não devendo descer a minúcias do processo licitatório em si.
 
2 – “Estabelece diretrizes e procedimentos para a simplificação e integração do processo de registro e legalização de empresários e de pessoas jurídicas, cria a Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios – REDESIM”

Adriano Biancolini

Advogado.

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