Liberação liminar de caminhão ou ônibus apreendido pela Receita Federal mediante caução razoável

Diogo Bianchi Fazolo

1. Introdução

 

A legislação aduaneira confere um tratamento diferenciado aos veículos de transporte de carga ou passageiros apreendidos em função da prática de uma infração fiscal. Ao apreender um ônibus ou caminhão pelo transporte de mercadorias irregularmente introduzidas em território nacional a Receita Federal do Brasil pode aplicar as penas de multa ou de perdimento.

 

 É pacífico o entendimento de que a multa (art. 75 da Lei nº 10.833/2003) é uma infração subjetiva de caráter culposo e que a pena de perdimento (art. 688 do Regulamento Aduaneiro) é uma infração subjetiva de caráter doloso.

 

Mas em ambos os casos é possível que o Poder Judiciário intervenha e determine a liberação liminar mediante caução em valor razoável. Antes de tecer mais comentários sobre a caução é necessário diferenciar as duas penalidades.

 

 2. A pena de multa

 

 A aplicação da multa decorre da omissão de diligências exigíveis do transportador, no tocante à identificação das bagagens pertencentes aos passageiros e ao controle do ingresso de volumes, que por suas características ou quantidade denotem se tratar de mercadoria ilícita. São duas as hipóteses de aplicação desta norma: 1º quando não identificado o proprietário da mercadoria e 2º quando as características ou a quantidade dos volumes transportados evidenciarem tratar-se de mercadoria sujeita a perdimento, mesmo que identificado o seu proprietário.

 

No entanto, o cumprimento da legislação e a adoção das cautelas necessárias caracteriza a boa-fé, impedindo a aplicação da multa prevista no art. 75 da Lei n. 10.833/2003. Este também é o posicionamento do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:


"TRIBUTÁRIO. ADUANEIRO. MANDADO DE SEGURANÇA. RETENÇÃO DE VEÍCULO. ÔNIBUS DE TURISMO. APLICAÇÃO DE MULTA. ART. 75 DA LEI 10.833/2003. INAPLICABILIDADE. BOA-FÉ DO TRANSPORTADOR. 1. A aplicação da multa requer a demonstração de conivência do transportador ou negligência no tocante à identificação das bagagens pertencentes aos passageiros e ao controle do ingresso de volumes, que por suas características ou quantidade denotem se tratar de mercadoria ilícita. Se o transportador não verificar a destinação dada ao veículo, identificando as bagagens e seus respectivos proprietários ou possuidores, ou adotando qualquer outra cautela necessária ao correto transporte de carga ou de passageiros, incidente a referida penalidade. 2. A responsabilidade do transportador, quando este não é o dono da mercadoria, demonstra-se através do conhecimento da utilização de seu veículo na pratica do ilícito e de indícios que afastem a presunção de boa-fé. 3. Caso em que a impetrante tomou as devidas cautelas no transporte de passageiros, caracterizando-se a boa-fé". (TRF4, APELREEX 2006.70.02.010893-3, Primeira Turma, Relatora Maria de Fátima Freitas Labarrère, D.E. 04/05/2010).

 

Logo, a multa prevista no art. 75 da Lei n. 10.833/2003 apenas incidirá se descaracterizada a boa-fé, o que não ocorrerá se a legislação aduaneira for cumprida e as devidas cautelas forem adotadas, como a elaboração da relação dos passageiros fechada, carimbada e assinada pelo representante legal da empresa, identificando-os pelo nome completo, número de documento e órgão expedidor; a identificação das bagagens pelo nome do passageiro e número de poltrona (art. 74, § 3 da Lei n° 10833/03 e arts. 9 e 11 da Resolução 1432/2006 da ANTT); a apresentação da Declaração de Bagagem Acompanhada (DBA) à autoridade fiscal; a não permissão do embarque de passageiros com mais de 3 volumes e peso superior a 30 kg (art. 6º, §2º, da Instrução Normativa n. 366/2003).

 

Mencione-se ainda que é aconselhável a inspeção detalhada do veículo em busca de mercadorias soltas em seu interior (embaixo dos bancos, dentro do porta-luvas…).

3. Pena de perdimento

 

De acordo com o Regulamento Aduaneiro (Decreto n° 6579/2009) aplica-se a pena de perdimento ao veículo que estiver  conduzindo mercadoria sujeita a perdimento[i].

 

 Esta norma também se aplica aos ônibus e caminhões de empresas de transporte de passageiros ou de carga. Prospera perante os TRF-4 o entendimento de que o perdimento apenas se justifica se demonstrado concomitantemente a prova de que o proprietário do veículo apreendido concorreu de alguma forma para o ilícito fiscal (Inteligência da Súmula nº 138 do TFR) e a relação de proporcionalidade entre o valor do veículo e o da mercadoria apreendida.

 

É importante colacionar algumas decisões recentes do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:

 

"A pena de perdimento de veículo, utilizado para transportar mercadoria estrangeira sujeita à pena de perdimento, somente se justifica se demonstrada, em procedimento administrativo próprio, a responsabilidade de seu proprietário no ilícito praticado pelo adquirente das mercadorias apreendidas (Súmula 138 do extinto TFR), prova essa cujo ônus é da União. 2. A jurisprudência desta Corte, e do STJ, entende que a pena de perdimento só deve ser aplicada ao veículo transportador quando, além de provada a concorrência do seu proprietário para o ilícito fiscal, houver relação de proporcionalidade entre o valor do veículo e o das mercadorias transportadas[ii]". (TRF4, AC 5000153-22.2012.404.7002, Segunda Turma, Relator p/ Acórdão Otávio Roberto Pamplona, D.E. 29/11/2012).

 

"A pena de perdimento de veículo é incabível, ainda que demonstrada a responsabilidade de seu proprietário, quando há desproporção entre o valor do veículo e o valor das mercadorias apreendidas e inexistam elementos que indiquem a reiteração da conduta". (TRF4, AC 5006188-95.2012.404.7002, Segunda Turma, Relator p/ Acórdão Rômulo Pizzolatti, D.E. 05/12/2012).

 

Assim, sendo evidente a desproporção entre o valor das mercadorias transportadas e o do veículo transportador é de rigor a não aplicação da pena de perdimento do veículo. O princípio da proporcionalidade representa as barreiras entre as quais está limitada a Receita Federal, vedando-se o excesso no exercício de suas funções, o arbítrio em suas decisões, por força do disposto no art. 2º, parágrafo único e incisos da Lei n° 9.784/99.

 

4. Liberação – a exigência de caução razoável para a concessão de liminar no mandado de segurança

 

De acordo com o artigo 7°, III, da Lei n° 12.016/09, o juiz poderá exigir do impetrante caução para suspender o ato que deu motivo ao pedido. O grande problema era a exigência de caução em dinheiro e em montante correspondente ao valor da avaliação do veículo constante do Auto de Apreensão.

 

Muito embora esta exigência tenha causado acalorados debates doutrinários, parece que tal problema encontrou uma solução, ao menos nos casos de apreensão de veículos pela Receita Federal do Brasil em razão do transporte de mercadorias irregularmente introduzidas em território nacional.

 

Praticamente todo contribuinte deseja garantir o juízo e reaver seu veículo rapidamente, desde que tal garantia seja viável, pois a apreensão de um veículo (seja um carro, caminhão ou ônibus) normalmente acarreta considerável abalo econômico, impedindo o caucionamento em valor integral ao da avaliação do bólido.

 

Vejam-se as decisões do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRIBUTÁRIO. PERDIMENTO DE VEÍCULO. LIBERAÇÃO MEDIANTE CAUÇÃO. 1. Se existe certa verossimilhança nas alegações da parte autora, é possível autorizar a liberação do veículo (ônibus), mediante caução de valor inferior ao do próprio bem apreendido, a fim de possibilitar a realização do depósito. Ao mesmo tempo evita-se que o ônibus (veículo de grande envergadura), permaneça parado no pátio da Receita Federal, ocupando espaço e sujeito à deterioração natural pela ação do tempo. 2. Agravo parcialmente provido. (TRF4, AG 5002035-39.2013.404.0000, Segunda Turma, Relator p/ Acórdão Otávio Roberto Pamplona, D.E. 10/04/2013)

 

"(…) Sem adentrar no mérito da questão e circunstâncias em que ocorreu a apreensão, revejo posicionamento anterior sobre o valor da caução a ser fixado para liberação do veículo apreendido. Vale destacar que a proporcionalidade, no que tange ao perdimento de bens, tendo em vista a situação concreta de cada processo, implica na análise de vários fatores, tais como: habitualidade, intuito mercantil, valor das mercadorias e dos tributos iludidos e utilização de artifícios para burlar a fiscalização. A decisão judicial deve sopesar o conjunto dessas circunstâncias fáticas, não podendo se limitar a um único aspecto. No caso dos autos, embora se possa presumir o intuito mercantil das mercadorias apreendidas (4.368 latas de energéticos de procedência estrangeira), não verifico habitualidade na prática perpetrada pelo condutor do veículo. Os autos carecem de informações sobre o registro de passagens anteriores do veículo pela região de fronteira e, além disso, o próprio condutor admitiu ter transportado tais mercadorias apenas duas vezes. Assim, considerando que a fixação de caução no valor total do veículo (R$ 372.000,00) praticamente inviabiliza o caucionamento pela parte, aplico, por analogia, o valor da multa prevista no artigo 75 da Lei nº 10.833 (R$15.000,00) para liberação mediante termo de fiel depositário. Presente ainda o requisito da urgência da medida, já que a indisponibilidade do bem apreendido e recolhido ao depósito da Receita Federal gera custos e deterioração que não interessa a nenhuma das partes. Assim, presentes os requisitos ensejadores da liminar, defiro o efeito suspensivo postulado, para possibilitar a liberação do veículo apreendido, mediante a prestação de caução no valor equivalente a multa de que trata o art. 75 da Lei nº 10.833 (R$ 15.000,00). Comunique-se ao juízo de origem. Intime-se o recorrido para, querendo, oferecer resposta". (TRF4, AG 5004821-56.2013.404.0000, Primeira Turma, Relatora Maria de Fátima Freitas Labarrère, D.E. 21/03/2013).

 

Vale lembrar que a manutenção de um veículo em depósito fatalmente irá causar a degradação do bem, ocasionando prejuízos tanto ao proprietário do veículo quanto à Fazenda Nacional.

 

Sobre a necessidade de controle judicial dos abusos cometidos pelo Fisco, veja-se o seguinte ensinamento doutrinário:

 

A falta de limites ao poder discricionário do Fisco ocasionada pela péssima redação de algumas normas de direito aduaneiro exige um controle efetivo pelos representantes do Poder Judiciário, que precisam de sensibilidade para balizar a função arrecadatória do Fisco com a capacidade contributiva dos cidadãos, além de comprometimento em evitar penas desmesuradas ao cidadão. (FAZOLO, Diogo Bianchi. Perdimento de veículos. Clube de Autores, 2012[iii]).

 

Portanto, a fixação de caução no valor integral do veículo apreendido apenas serve para tornar o pagamento proibitivo. Além disso, a manutenção de um veículo de grande envergadura no pátio da Receita Federal do Brasil não traz qualquer benefício à Fazenda Nacional, pois esta tem que arcar com os custos de armazenagem (aluguel de terrenos, contratação de segurança privada, contratação de guinchos).

 

Não pretendemos esgotar o tema, o qual merece uma reflexão acadêmica mais aprofundada, mas apenas apontar para uma solução razoável a um problema que afeta tanto a Fazenda Nacional (que se vê obrigada a manter um veículo apreendido por meses) quanto o contribuinte (que fica privado de seu bem).

 

5. Conclusão

 

Toda apreensão de veículo pela Receita Federal do Brasil que for abusiva merece a atenção do Poder Judiciário. É cada vez mais comum que ônibus e caminhões fiquem meses retidos aguardando um posicionamento do Fisco, causando a degradação do bem e ocasionando prejuízos tanto ao proprietário do veículo quanto à Fazenda Nacional. É economicamente inviável que se continue mantendo veículos de grande porte apreendidos enquanto aguardam o trânsito em julgado de uma ação judicial.

 

Cada dia que um ônibus ou caminhão de uma empresa de transporte de passageiros ou carga fica retido significa uma viagem a menos que será feita e muitas vezes um contrato previamente assinado que será descumprido. Retenções abusivas estão sendo praticadas diariamente em nome de uma maior arrecadação, especialmente pelo uso indiscriminado da pena de multa, pois o Fisco sabe o custo que um veículo parado tem para uma empresa. Uma breve pesquisa jurisprudencial dos tribunais federais revelará o óbvio: estes casos não chegam ao Poder Judiciário.

 

Assim sendo, a liberação liminar mediante caução razoável serviria para impedir apreensões abusivas. Vale mencionar que é comum em algumas delegacias da Receita Federal do Brasil a demora de mais de 60 dias[iv] para a lavratura do auto infração, o que não apenas causa grandes prejuízos econômicos ao contribuinte mas também o impede de ter acesso ao Poder Judiciário.

 

Por isso, estas decisões recentes do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que determinaram a liberação de veículos mediante a fixação de caução em valor razoável apontam um caminho que merece ser seguido.

 

 

 



[i] Art. 688. Aplica-se a pena de perdimento do veículo nas seguintes hipóteses, por configurarem dano ao Erário:

V – quando o veículo conduzir mercadoria sujeita a perdimento, se pertencente ao responsável por infração punível com essa penalidade.

 

[ii] No mesmo sentido: TRF4, AC 5008976-19.2011.404.7002, Segunda Turma, Relator p/ Acórdão Otávio Roberto Pamplona, D.E. 05/10/2012; TRF4, AC 5000535-15.2012.404.7002, Segunda Turma, Relator Romulo Pizzolatti, D.E. 11/12.2012.

 

[iv] De acordo com o art. 7º, II e §2º combinado com o art. 9ª, ambos do Decreto 70.235/72, o Fisco tem 60 dias para lavrar o auto de infração, contados da data da apreensão.

Diogo Bianchi Fazolo

Advogado do escritório DBF Advocacia, em Foz do Iguaçu (PR).
www.dbfadvocacia.com

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