O veto à Emenda 3 e a arrecadação tributária

Walter Carlos C. Henrique – Errar para mais nas perspectivas arrecadatórias é algo já cotidiano. Muito embora os regimes democráticos estejam em pleno vigor, sendo aceita a perspectiva de que a tributação decorre de representação e aprovação prévias, no Brasil o colorido é diferente: insiste-se no conceito vinculado a ato de império, obrigando-se a pagamentos dissociados de efetivo consentimento. O veto à chamada Emenda 3, durante a promulgação do texto que fusionou os órgãos de arrecadação do Tesouro e da Previdência, embora ineficiente, reforçou a percepção de que, por aqui, os interesses tributários não guardam qualquer correlação com o espírito público. Vale dizer, as razões de sua emanação não se assentam nos interesses mais elevados de toda a sociedade (a menos que o único interesse desta seja pagar impostos).


Entre nós, as verdades normativas vinculam toda a identificação dos sentidos legislados. A Constituição Federal assegura que (1) os particulares poderão reger suas condutas segundo suas próprias vontades, encontrando apenas limitações objetivas em prévios textos de lei, conforme o artigo 5º, inciso II; (2) a ordem econômica está fundada no trabalho (que é diferente de emprego) e na livre iniciativa, como dispõe o artigo 170; (3) a capacidade contributiva encontrará como um de seus parâmetros a identificação das atividades econômicas dos contribuintes; e (4) é da Justiça do Trabalho a competência para dirimir conflitos trabalhistas. Encontramos aqui considerações de ordem pétrea que não podem ser afastadas nem por uma emenda constitucional.

Neste cenário, a Lei nº 11.196, de 2005, assegurou expressamente aquilo que não precisava, ou seja, que os cidadãos poderiam constituir pequenas sociedades para a persecução de suas atividades econômicas, desenvolvendo seus trabalhos e sua livre iniciativa. Contudo, mesmo diante da identificação sistemática e positiva deste conteúdo normativo, autoridades fazendárias vieram a desconsiderar esta possibilidade, autuando e exigindo valores sabidamente indevidos. Em outras palavras, no Brasil de hoje, fez se necessário a expedição de uma norma formalizando algo sabidamente possível, e mesmo assim isso não foi suficiente.

Se para o mais humilde não se admite o desconhecimento da lei, nenhum sopro poderá atenuar a gravidade das condutas fazendárias. O afastamento padronizado do princípio da inocência, da boa-fé e da livre associação, sem um devido processo legal antecedente e contra disposições expressas de um recente texto de lei, não apenas aproximam todos aqueles que se sentirem prejudicados do direito a uma indenização e responsabilização objetiva do Estado, mas também pode fazer resvalar em seus agentes de contato os efeitos do tipo denominado excesso de exação. Mesmo a anunciada trégua fiscal, em função de negociações no Congresso Nacional, não anula estas considerações. Primeiro porque não se deveria cogitar de pretensões dessa índole. E, depois, porque abusos ou fraudes podem ser combatidos através dos ferramentais adequados. Uma coisa é a identificação de abusos individualizados. Nestes casos, cabe punição. Outra, inaceitável, é a inversão de padrões, subvertendo a presunção de inocência sobre toda e qualquer perspectiva.

As justificativas estão vinculadas não ao ímpeto arrecadatório, mas à possibilidade de o fisco limitar atividades

Se o veto já seria algo sem sentido, a revogação de seus efeitos pelo Congresso Nacional, diante da forma com que vêm atuando as autoridades fiscais, é algo que se impõe. A primeira negociação defendida pelo governo federal vinculava-se à regulamentação do artigo 116 do Código Tributário Nacional (CTN), permitindo que fossem desconstituídos atos ou negócios jurídicos que pudessem, de alguma forma, reduzir, evitar ou postergar pagamentos tributários sem, para tanto, fixar critérios e estabelecer padrões mínimos de interpretação, jogando por terra a garantia da reserva absoluta que impõe a identificação não apenas da lei escrita, mas de uma “lex stricta” (artigo 150, inciso I da Constituição Federal).

A segunda proposta que surge, aparentemente vinculada a uma cobrança adicional de contribuição previdenciária da ordem de 10%, com o aceno de que as autuações ilegais anteriormente desferidas seriam canceladas, apenas reforça a posição do Congresso Nacional. Primeiro, porque ratifica e chancela o nível de arbitrariedades cometido pelo fisco. E, depois, porque se fossem legítimas essas autuações, não poderia a autoridade fiscal ter cogitado, em público, dos respectivos cancelamentos em função da natureza dos interesses envolvidos.

O justificado empenho das entidades representativas do setor de serviços não pode continuar isolado. Deve ganhar o apoio das demais entidades patronais, porque se o primeiro substitutivo oferecido pelo governo, na forma do Projeto de Lei nº 536, de 2007, alcançava todas as categorias de contribuintes, nada impede que novos artifícios arrecadatórios venham a ser apresentados. Com o agravante de que, se nada for feito, este projeto pode ter vindo para ficar. Se há alguma incerteza e insegurança, esta corre, como sempre, contra o contribuinte.

Se já é difícil justificar juridicamente as razões do veto, insustentável é a forma com que se pretende defender a possibilidade dos fiscais estarem a desconsiderar pessoas jurídicas, legitimadas pela Constituição Federal e pela legislação. Em jogo não está somente o respeito a importantes dispositivos constitucionais e legais, mas à própria estrutura de pesos e contrafreios que caracteriza o espírito do Estado democrático, através do qual as funções estatais limitam-se a si próprias, evitando que ambições desmedidas possam ferir o interesse individual e, portanto, mais fraco dos componentes da sociedade civil. A perspectiva do fiscal desconsiderar e autuar é similar à possibilidade do policial prender e julgar, porque, em ambos os casos, estar-se-ia diante da concentração de poderes que, desde Aristóteles, já considerava perigoso e injusto: o retrocesso social é indiscutível.

Já se comenta da revogação do artigo 129 da MP do Bem, mobilizando discursos em defesa da relação de emprego que nunca esteve em risco, porque quem assegura isso é a Constituição Federal e não o fisco. Se isso acontecer, ninguém poderá saber o que virá depois. O que era localizado não se tornou apenas amplo e irrestrito, mas absolutamente grave, porque as justificativas vinculam-se não ao ímpeto arrecadatório, mas à possibilidade de o fisco limitar possibilidades e atividades. O que virá depois? E contra quem?

Walter Carlos Cardoso Henrique é advogado e presidente da comissão especial de assuntos tributários da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP)

Fonte: Valor Online

Data da Notícia: 18/05/2007 00:00:00

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