Tema 69 do STF e o cabimento das ações rescisórias ajuizadas pela União

Vitor Veríssimo Borges

Não é novidade que a União, por meio da Procuradoria da Fazenda Nacional, intenta desconstituir uma série de decisões transitadas em julgado no interregno que compreende o entendimento do Supremo Tribunal Federal perfilhado no Tema nº 69 da Repercussão Geral (15/3/2017) e a modulação dos seus efeitos (13/5/2021).

Feito o recorte temporal, de modo que a tese fixada passou a valer a partir da data em que realizado o julgamento de mérito, foram ajuizadas diversas ações rescisórias com vistas às compensações e às restituições que, em virtude do período decadencial, retroagiram a momento anterior ao fixado na modulação.

Logo, resta saber se é cabível a ação rescisória para, especificamente quanto à coisa julgada formada no período indicado acima — ressalvada, então, a que se cristalizou após o julgamento dos Embargos de Declaração em que se discutiu a modulação dos efeitos —, a União reaver o montante compensado pelos contribuintes ou restituído aos seus caixas em decorrência de pagamento de PIS e de Cofins com a inclusão do ICMS em suas bases de cálculo.

Para legitimar o cabimento da ação rescisória, a União escora-se no artigo 535, §5º, do Código de Processo Civil — inserido em capítulo que cuida do cumprimento de sentença —, consoante o qual é também inexigível

“a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal, em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso.”

Não se desconhece que as decisões prolatadas em ações individuais que visam ao reconhecimento do indébito tributário constituam obrigação de pagar quantia certa pela Fazenda Pública, mas cabe ao contribuinte escolher a forma como pretende receber o que pagou indevidamente, se por precatório, se por compensação.

Conforme a Súmula nº 461 do Superior Tribunal de Justiça, “o contribuinte pode optar por receber, por meio de precatório ou por compensação, o indébito tributário certificado por sentença declaratória transitada em julgado.”

Quis, a maioria dos contribuintes, que o indébito tributário fosse recebido por meio de compensação, operacionalizada na via administrativa, preterindo-se, com isso, o cumprimento de sentença de que trata o artigo 535 e seguintes do Código de Processo Civil.

Por essa razão, ou seja, pela absoluta falta de subsunção do comando normativo à hipótese ventilada no dispositivo legal, incabível o ajuizamento de ação rescisória para desconstituir título executivo judicial transitado em julgado.

Outrossim, porventura tendo sido eleito como instrumento processual o mandado de segurança, vale gizar que, em relação aos indébitos posteriores ao seu ajuizamento, é opção do contribuinte o recebimento por meio de compensação, na via administrativa, ou por precatório, na via judicial, mediante instauração do cumprimento de sentença; em relação aos indébitos relativos aos cinco anos anteriores ao ajuizamento do writ, é opção do contribuinte o recebimento por compensação ou por demanda judicial própria, excluída, portanto, a possibilidade de execução do julgado [1].

Descompasso
Noutro giro, as decisões transitadas em julgado não se baseiam em norma tida pelo Supremo Tribunal Federal como inconstitucional, muito menos em aplicação ou interpretação incompatível com a Constituição da República. Ao revés, pronunciamentos dessa natureza, como a decisão de mérito proferida no Tema nº 69 da Repercussão Geral, salientam que “o ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da Cofins.”

A regra processual preocupa-se com as situações em que há descompasso entre o que restou decidido pelo Supremo Tribunal Federal e o que restou decidido na decisão transitada em julgado, ou seja, com as situações em que uma segue o caminho da constitucionalidade e a outra, o da inconstitucionalidade, e vice-versa. Contudo, ambas são pela inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins.

Spacca
Poder-se-ia dizer que as decisões não são totalmente congruentes, uma vez que a Suprema Corte modulou os efeitos do julgado para que passasse a valer somente a partir de 15/3/2017, data em que realizado o julgamento do mérito da demanda.

Não se pode olvidar, porém, que a modulação dos efeitos, por não alterar o mérito do julgado, não cria a incongruência apta a tornar inexequível o título executivo judicial, que é, justamente, o cerne do dispositivo mencionado acima.

Ademais, o artigo 535, §6º, do Código de Processo Civil dispõe que “no caso do §5º, os efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal poderão ser modulados no tempo, de modo a favorecer a segurança jurídica.” Da leitura, colhe-se que a modulação dos efeitos da decisão pelo Supremo Tribunal Federal está condicionada à observância da segurança jurídica.

Contrassenso
Nesse contexto, a conclusão a que se chega é que o marco temporal adotado pela Suprema Corte (15/03/2017) visa a atingir as ações ajuizadas depois do julgamento de mérito do Tema nº 69 da Repercussão Geral e que não tenham transitado em julgado. A modulação, de forma alguma, teve como intuito permitir ou viabilizar a rescisão de decisões já transitadas em julgado, porquanto, fosse o caso, ela iria de encontro à regra da segurança jurídica.

Dessa maneira, seria um contrassenso permitir o ajuizamento de ação rescisória para favorecer a segurança jurídica. A procedência desse tipo de ação tem o condão de atacar a imutabilidade do julgado, razão pela qual o seu cabimento requer uma análise casuística bastante acurada.

Aliás, para o Supremo Tribunal Federal, “a rescisória deve ser reservada a situações excepcionalíssimas, ante a natureza de cláusula pétrea conferida pelo constituinte ao instituto da coisa julgada. Disso decorre a necessária interpretação e aplicação estrita dos casos previstos no artigo 485 do Código de Processo Civil [hoje, art. 966], incluído o constante no inciso V.” (RE n. 590.809, Plenário, rel. Marco Aurélio, DJe de 22/10/2014).

De modo geral, a segurança jurídica, como norma-princípio, assegura aos cidadãos, com vistas ao passado, a estabilidade, a durabilidade e a irretroatividade do ordenamento jurídico e, com vistas ao futuro, a possibilidade de antever os desdobramentos de fatos ocorridos ou prestes a ocorrerem.

Realizado o julgamento de mérito do Tema nº 69 em 15/3/2017, o ajuizamento de ações já se deu em um cenário bastante favorável aos contribuintes, afinal, o Supremo Tribunal Federal decidiu, em regime de repercussão geral, pela exclusão do ICMS destacado da base de cálculo do PIS e da Cofins.

Era, portanto, legítima a expectativa das empresas de que o novo regramento não se alteraria, mesmo cientes da oposição de embargos de declaração pela União, que, sabidamente, visava apenas à modulação dos efeitos da decisão.

Soma-se a isso o fato de as decisões tratadas neste artigo terem transitado antes de ser realizado o julgamento dos embargos de declaração, o que confere a essas ações uma característica que as distingue das que foram ajuizadas posteriormente ao julgamento de mérito do Tema nº 69.

Ora, se, à época da propositura das demandas, era possível antever eventual modulação que viesse a ser feita pela Suprema Corte, a sua materialização deixou de ser preocupação para a ré quando sobreveio o referido trânsito em julgado.

Solução diversa adviria se o trânsito em julgado fosse inconstitucional, é dizer, se fosse posterior e contrário ao que decidido pelo Supremo Tribunal Federal, ou se, mesmo anterior, destoasse da tese fixada quando do julgamento do mérito.

Súmula nº 343 do STF
Outro óbice ao ingresso de ações rescisórias é representado pela Súmula nº 343 do STF (“não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais”).

Em primeiro lugar, forçoso perquirir se a Súmula tem aplicação quando em discussão texto de matriz constitucional. A resposta vem de Humberto Theodoro Júnior [2] — no que é seguido pela jurisprudência do STF — para quem “a súmula 343 não deixa de se aplicar, invariavelmente, às ações rescisórias, cujo objeto envolva matéria constitucional.”

No RE nº 590.809, o ministro relator Marco Aurélio, escorado na doutrina da saudosa professora Ada Pellegrini Grinover, assim anota:

“Como afirmado pela mestre Ada Pellegrini Grinover, eventual afastamento do Verbete n. 343, por envolvimento de matéria constitucional, não pode ter razão genérica, e sim específica para as situações em que, no ato rescindendo, determinada lei foi proclamada constitucional, vindo, posteriormente, o Supremo a concluir pela inconstitucionalidade, com efeitos abrangentes, a repercutirem fora das balizas subjetivas do processo.”

Novamente, é necessário esclarecer que, na modulação dos efeitos, não se discute o mérito da questão acerca da constitucionalidade, mas, em vez disso, os efeitos da decisão. De acordo com Humberto Ávila [3], “é indispensável que a questão da modulação dos efeitos seja objeto de um debate distinto do da questão de mérito”.

Sob todos os olhares, por conseguinte, não se configura o descompasso de que fala Ada Pellegrini Grinover, o qual é reproduzido pelo artigo 535, §5º, do Código de Processo Civil, de maneira a não existir suporte ao afastamento da Súmula nº 343 do STF.

Nesse diapasão, concluiu o ministro Marco Aurélio, em voto vencedor, que “os novos precedentes implicaram, sem dúvida, superação do entendimento sufragado anteriormente, de modo a impor-se a observância do Verbete n. 343 da Súmula (…) a verdade é que, diante do quadro decisório revelado até então, o acórdão rescindendo não pode ser visto como a violar a lei, mas como a resultar da interpretação possível segundo manifestações do próprio Plenário do Supremo Tribunal Federal”.

A tese do RE nº 590.809
Encerra a questão acerca do cabimento da ação rescisória a tese definida no julgamento do RE n. 590.809, analisado neste tópico, segundo a qual “não cabe ação rescisória quando o julgado estiver em harmonia com o entendimento firmado pelo Plenário à época da formalização do acórdão rescindendo, ainda que ocorra posterior superação do precedente (Tema n. 136 da Repercussão Geral)”.

Se, até mesmo em situações nas quais há superação do precedente inadmite-se o ajuizamento de ação rescisória quando, à época, o trânsito em julgado estava em linha com o entendimento do Plenário, com maior razão o verbete n. 343 da Súmula aplica-se aqui, porquanto o mérito da decisão adotada pelo Supremo Tribunal Federal manteve-se incólume mesmo depois do julgamento dos Embargos de Declaração, que apenas restringiu, no tempo (15/03/2017), os seus efeitos.

Traz-se à balha, também, a ementa do que restou decidido no julgamento do acórdão paradigma analisado neste trabalho. No que interessa à discussão, apontou-se que “o verbete n. 343 da Súmula do Supremo deve ser observado em situação jurídica na qual (…) haja entendimentos diversos sobre o alcance da norma, mormente quando o Supremo tenha sinalizado, num primeiro passo, óptica coincidente com a revelada na decisão rescindenda.”

Cumpre registrar que, não obstante o julgamento em sede de repetitivo pelo Superior Tribunal de Justiça contrário ao que veio a ser adotado pelo Supremo Tribunal Federal em 15/3/2017, o Pretório Excelso já havia sinalizado, muito antes do precedente vinculante, a jurisprudência que firmaria no Tema nº 69. No julgamento do RE n. 240.785, iniciado em 1999 e finalizado em 2014, embora sem o pressuposto da repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal já tinha maioria formada para excluir o ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins.

Essa solução jurídica foi compartilhada no julgamento da Medida Cautelar da ADC 18, em agosto de 2008, que concluiu, em juízo sumário, pela inviabilidade da incidência do PIS/Cofins sobre o ICMS.

Entendimento de Fux
Recentemente, em 28/02/2024, o ministro Luiz Fux, no Recurso Extraordinário nº 1.468.946/RS, manifestou-se pela impossibilidade do manejo de ação rescisória na situação analisada neste escrito, tendo em vista, precipuamente, o Tema nº 136 da Repercussão Geral, in verbis:

“In casu, o acórdão rescindendo assegurou ao contribuinte o direito de excluir o ICMS da base de cálculo da Contribuição ao PIS e da Cofins sem ressalvas temporais em ação ajuizada após 15/3/2017, o que permitiria, a princípio, sua rescisão parcial para a aplicação da modulação de efeitos acima referida.

Ocorre que o acórdão rescindendo transitou em julgado em 25/2/2021, antes, portanto, do julgamento dos embargos de declaração no RE 574.059, que fixou a modulação temporal de efeitos relativa à aplicação da tese do Tema 69 da Repercussão Geral. É dizer, o acórdão rescindendo, à época de sua formalização, estava em harmonia com o entendimento do Plenário desta Corte relativo ao referido tema de repercussão geral, o que inviabiliza sua rescisão.

Deveras, o Plenário desta Corte, no julgamento do RE 590.809, rel. min. Marco Aurélio, DJe de 24/11/2014, Tema 136, fixou a seguinte tese de repercussão geral: ‘não cabe ação rescisória quando o julgado estiver em harmonia com o entendimento firmado pelo Plenário do Supremo à época da formalização do acórdão rescindendo, ainda que ocorra posterior superação do precedente.

(…)

Ex positis, PROVEJO o recurso extraordinário, com fundamento no disposto no artigo 932, V, do Código de Processo Civil/2015, para não conhecer da ação rescisória.”

Conclusão
Em síntese, eis os argumentos para o não cabimento da ação rescisória:

(1) a inexistência de cumprimento de sentença e de incongruência entre a decisão transitada em julgada na demanda individual e a decisão do Supremo Tribunal Federal no Tema nº 69;

(2) a modulação dos efeitos está condicionada à observância da segurança jurídica; (3) o óbice representado pelo Tema nº 136 e pela Súmula nº 343 do Supremo Tribunal Federal.

[1] Súmula n. 271 do Supremo Tribunal Federal: “A concessão de mandado de segurança não produz efeitos patrimoniais em relação a período pretérito, os quais devem ser reclamados administrativamente ou pela via judicial própria.”

[2] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. vol. III. 5. ed. São Paulo: Editora Forense, 2020. p. 864.

[3] ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica: entre a permanência, mudança e realização no direito tributário. São Paulo: Editora Malheiros, 2011. p. 574.

Vitor Veríssimo Borges

tributarista em Henares Advogados.

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