Revisão do lançamento tributário: o que é e o que não é (parte 1)

Túlio Terceiro Neto Parente Miranda

Este é o primeiro de três textos abordando a revisão de lançamento tributário, a (ir)relevância da distinção do “erro de fato” e “erro de direito” para essa categoria e, por fim, o que é “o fato não conhecido ou não provado por ocasião do lançamento anterior”, previsto no inciso VIII, artigo 149, do Código Tributário Nacional (CTN).

Neste primeiro escrito será examinada a definição do conceito de revisão de lançamento e, sinteticamente, suas hipóteses de aplicação.

A temática merece ser enfrentada, porque, embora seja uma categoria fundamental no Direito Tributário com mais de meio século de existência, até hoje não se sabe exatamente o que é a revisão do lançamento tributário, suas hipóteses de cabimento e quais são seus efeitos.

Passados mais de 60 anos do CTN, a revisão do lançamento não amadureceu bem. A experiência não lhe deu consistência e solidez. Ao contrário: à medida que o tempo passou, na verdade, o instituto veio se desfigurando, o que interfere, atualmente, na compreensão das suas características essenciais.

Essa indefinição em relação ao alcance e sentido da categoria, portanto, não é apenas um capricho teórico, mas é problema que impacta a experiência tributária, considerando que se compromete sua correta aplicação e afeta, consequentemente, o seu controle pelos órgãos julgadores.

Refletindo essa falta de convergência em relação à revisão do lançamento tributário, o Superior Tribunal de Justiça aplica o instituto em diferentes acepções, isto é, (1) como sinônimo de anulação do crédito tributário após a impugnação do sujeito passivo [1]; (2) como a realização de lançamento de ofício para constituir diferenças tributárias, complementando o lançamento por homologação [2]; e (3) como o direito de corrigir o lançamento, para modificar seus elementos [3].

Revisão de lançamento segundo o CTN
Exposto o problemático contexto que envolve o tema, é crucial investigar qual a disciplina dada pelo CTN, para, em seguida, propor a definição do seu conceito.

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Sendo a revisão de lançamento um conceito jurídico-positivo de índole tributária, as suas questões devem ser analisadas e solucionadas com base em preceitos construídos a partir do próprio Direito Tributário.

O CTN, ao estabelecer as diretrizes gerais em matéria tributária, trouxe o instituto da revisão como hipótese de reapreciação do lançamento e disciplinou a sua aplicação, no artigo 145, III; e artigo 149.

A revisão de lançamento tem seu âmbito de aplicação restrito aos incisos VIII e IX do artigo 149 do CTN, que são justamente as hipóteses que preveem a existência de “lançamento anterior”. Os demais incisos do artigo 149 do CTN, por outro lado, estabelecem hipóteses de realização de lançamento de ofício.

Isto é, é cabível revisão do lançamento nos casos de (1) fato novo ou não comprovado no lançamento anterior; (2) fraude ou falta funcional cometida pela autoridade fiscal; e (3) omissão de ato ou formalidade especial.

Dado que somente é cabível nas hipóteses dos incisos VIII e IX, do artigo 149, do CTN, uma vez verificados os comportamentos que se enquadram nas situações lá previstas, a autoridade fiscal tem o poder de revisar o lançamento, para corrigir o seu vício, seja com a sua reforma, seja com a sua substituição.

A parte final do inciso IX, do artigo 149, do CTN, ao prever a revisão de lançamento na hipótese de omissão de formalidade especial, assegura à autoridade fiscal o direito de refazer o lançamento anulado por vício formal, corrigindo o defeito que o atingia. Rubens Gomes de Sousa [4], no relatório dos Trabalhos da Comissão do Projeto do Código Tributário Nacional, ao tratar do enunciado que originou a citada norma, asseverou que o dispositivo foi incluído justamente para permitir “a substituição oficiosa do lançamento eivado de vício formal”.

Observa-se, nesse contexto, que os citados incisos VIII e IX, do artigo 149, do CTN, não veiculam hipóteses de simples anulação do lançamento. São situações específicas que asseguram à autoridade fiscal a prerrogativa de ajustar o defeito contido, permitindo-se, com as devidas adequações, a manutenção da cobrança do crédito tributário constituído ou a substituição do lançamento que foi anulado.

Então, por exemplo, se houver a descoberta, pela administração tributária, de uma situação desconhecida que afetou a correta formalização do crédito tributário, seja porque interferiu na sua motivação, seja porque interferiu na relação tributária, o lançamento deve ser corrigido, para ser complementado ou retificado.

De igual modo, na hipótese de vício formal, o lançamento deve ser refeito, substituído por outro sem a inconsistência que gerou a sua anterior anulação. No caso de falta funcional, igualmente, não basta a desconstituição do lançamento, cabendo à autoridade fiscal corrigi-lo, afastando-se a inconsistência gerada pela transgressão da autoridade fiscal, mantendo-se a cobrança do tributo sem o vício que o afetava.

A revisão do lançamento tributário é, portanto, a correção do lançamento efetuado pela autoridade administrativa, por meio da sua reforma ou substituição.

Distinções necessárias
Aqui é importante se fazer a primeira distinção: a revisão do lançamento tributário não é anulação do lançamento no contencioso tributário.

A teoria da revisão do lançamento tributário não se confunde com a teoria da revogação ou anulação dos atos administrativos em geral [5]. É, portanto, um regime específico do lançamento tributário, não dizendo respeito aos demais atos administrativos [6].

A anulação, que tem suporte normativo, no CTN, no artigo 145, inciso I e II, é bem mais ampla que a revisão do lançamento, de modo que, em regra, deve ocorrer sempre que houver vícios e quando se constatar que a infração atribuída ao sujeito passivo não aconteceu. O agente que procederá à revisão do lançamento pode ter o poder de anulá-lo, por ilegitimidade do ato, mas essa anulação, por si só, não corresponde à revisão de lançamento. Exige-se, portanto, um plus, demandando uma correção do ato.

Além disso, a revisão deve ser realizada dentro do prazo decadencial de cinco anos, nos termos do parágrafo único, do artigo 149, do CTN, ao passo que a anulação, enquanto manifestação do controle de legalidade na esfera administrativa e judicial, não está sujeita a esse intervalo de decadência.

Explica-se: é certo que a autoridade lançadora deve constituir o crédito tributário dentro do prazo de cinco anos, mas, uma vez notificado o sujeito passivo e tendo ele apresentado impugnação, a autoridade julgadora pode levar mais de cinco anos para apreciar a controvérsia e anular a cobrança.

No Judiciário, igualmente, poderá o sujeito passivo se insurgir contra o lançamento e, uma vez instaurado o litígio, a anulação pode vir por meio de provimento jurisdicional, expedido muito depois do prazo decadencial de cinco anos para a formalização do tributo.

Outra diferença que merece destaque é que somente a autoridade fiscal pode promover a revisão de lançamento (caput do artigo 149 do CTN), enquanto a anulação, enquanto manifestação do controle de legalidade, pode ser realizada em âmbito administrativo e na esfera judicial.

Demonstrado que a anulação não é a revisão do lançamento tributária, deve ser feita, agora, a segunda distinção: a revisão de lançamento também não é o lançamento de ofício complementar ao lançamento por homologação.

Enquanto um constitui diferenças tributárias, em razão do recolhimento a menor por parte do sujeito passivo (lançamento de ofício), o outro reforma ou substitui o lançamento realizado pela própria autoridade fiscal (revisão de lançamento).

Além disso, as hipóteses de cabimento do chamado “lançamento de ofício de revisão” são diferentes das circunstâncias que autorizam a revisão do lançamento, visto que, enquanto a primeira é cabível nos incisos III, IV, V, VI e VII, do artigo 149, do CTN, a segunda se aplica nos casos dos incisos VIII e IX, do mesmo artigo.

Dessa forma, conclui-se que a revisão do lançamento tributário é a prerrogativa que tem a autoridade fiscal para corrigir o lançamento de ofício ou por declaração, por meio de reforma ou substituição. E, por decorrência lógica, não é revisão do lançamento (a) o controle de legalidade que é feito pela administração pública ou pelo Judiciário, que resulte a anulação do lançamento tributário; e (b) o chamado “lançamento de ofício de revisão”, que seria aquele suplementar ao chamado lançamento por homologação.

[1] Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial nº 1678503/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 02/03/2021, DJe 08/03/2021.

[2] Superior Tribunal de Justiça, Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1238475/MG, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, julgado em 03/09/2013, DJe 10/09/2013.

[3] Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial nº 1905365/RJ, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 23/02/2021, DJe 03/03/2021.

[4] Trabalhos da Comissão Especial do Código Tributário Nacional, Rio de Janeiro, Ministério da Fazenda, 1954, p. 209.

[5] TABOADA, Carlos Palao. La revisión de oficio de los actos administrativo-tributarios. In: Revista de Direito Tributário, São Paulo: RT, n° 06, 1978.

[6] TORRES, Ricardo Lobo. Auto de infração e defesa administrativa fiscal. Revista de Direito Processual Geral, n. 48: Rio de Janeiro, 1995, p. 178.

Túlio Terceiro Neto Parente Miranda

é mestre em Direito Tributário na USP, professor do Ibet, sócio do Rivitti Dias Advogados e autor do livro Revisão do lançamento tributário: hipóteses e limites.

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