O crédito presumido de PIS/Cofins e a industrialização por encomenda
Fábio Pallaretti Calcini
Dentro do agronegócio é comum, por razões de demanda, logística ou mesmo especialidade, a utilização da denominada “industrialização por encomenda”.
Podemos identificar diversas formas deste tipo de operação, porém, para nossa coluna ficaremos restritos à hipótese onde uma agroindústria adquire insumos (matéria-prima, embalagem, entre outros itens) e remete a uma terceira pessoa jurídica que fica incumbida de realizar este serviço em favor da encomendante.
Neste caso, seria possível à agroindústria ou mesmo uma indústria encomendante tomar crédito presumido quanto ao PIS e Cofins, no regime não cumulativo, do setor do agronegócio das matérias-primas que adquiriu para esta operação, como, por exemplo, milho, entre outras?
O crédito presumido para o PIS e Cofins tem por pressuposto o fato de que, dentro da cadeia do agronegócio, existem inúmeros custos e despesas com incidência de tais contribuições que se agregam ao produto agropecuário, que, em geral, denominamos de “resíduos tributários”. De tal sorte, para se dar efetivo cumprimento a não cumulatividade expressamente reconhecida no texto constitucional no artigo 195, § 12, tornou-se fundamental a criação por meio de lei do crédito presumido.[1]
Quanto ao serviço prestado pela pessoa jurídica terceirizada, por força desta mesma não cumulatividade de patamar constitucional, juntamente com a noção de insumo prevista no artigo 3º, II, das Leis 10.833/2003 e 10.637/2002[2], não há dúvida de que, se a operação se der quanto ao processo produtivo da encomendante, ele será essencial e relevante, de tal sorte que há direito ao crédito básico ou ordinário, no percentual total de 9,25%. Aliás, da mesma forma, o Carf também já reconheceu até mesmo o direito ao crédito básico do transporte quanto à remessa de matéria-prima para o prestador de serviço.[3]
Com relação ao crédito presumido, a principal legislação a respeito do tema para PIS e Cofins é a Lei 10.925/2004, que, na redação atual, em seu artigo 8º, enuncia:
“Art. 8º As pessoas jurídicas, inclusive cooperativas, que produzam mercadorias de origem animal ou vegetal, classificadas nos capítulos 2, 3, exceto os produtos vivos desse capítulo, e 4, 8 a 12, 15, 16 e 23, e nos códigos 03.02, 03.03, 03.04, 03.05, 0504.00, 0701.90.00, 0702.00.00, 0706.10.00, 07.08, 0709.90, 07.10, 07.12 a 07.14, exceto os códigos 0713.33.19, 0713.33.29 e 0713.33.99, 1701.11.00, 1701.99.00, 1702.90.00, 18.01, 18.03, 1804.00.00, 1805.00.00, 20.09, 2101.11.10 e 2209.00.00, todos da NCM, destinadas à alimentação humana ou animal, poderão deduzir da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins, devidas em cada período de apuração, crédito presumido, calculado sobre o valor dos bens referidos no inciso II do caput do art. 3º das Leis 10.637, de 30 de dezembro de 2002, e 10.833, de 29 de dezembro de 2003, adquiridos de pessoa física ou recebidos de cooperado pessoa física”.
Logo, podemos sustentar que o direito ao crédito presumido seria possível quando uma pessoa jurídica adquire certos insumos de origem agropecuária para produzir, mediante industrialização por encomenda, os produtos de origem vegetal ou animal destinado à alimentação humana ou animal, conforme artigo 8º?
Entendemos pela viabilidade jurídica do direito.
Não se nega que o tema é polêmico, podendo-se citar em sentido contrário, embora com ressalvas, Solução de Consulta da Receita Federal do Brasil[4] e decisão do Carf[5].
Todavia, existem diversas razões para se reconhecer o direito ao crédito presumido de PIS e Cofins no regime não cumulativo, conforme Lei 10.925/2004. Isto porque:
(i) – a interpretação a ser dada a este dispositivo deve ser finalística e, por conseguinte, visando concretizar a não cumulatividade estabelecida no texto constitucional;
(ii) – em uma industrialização por encomenda, se há efetiva operação industrial em uma das modalidades do artigo 4º, do RIPI, o produto de origem animal ou vegetal destinado à alimentação humana foi elaborado (produzido);
(iii) – nesta operação a pessoa jurídica encomendante é a industrial e titular do produto elaborado, ao passo que o terceiro é um mero prestador de serviço, razão pela qual não há nesta contratação incidência de IPI, mas, eventualmente, ISSQN;
(iv) – não estamos aplicando analogia para se conceder o crédito, pois, a base para tal direito esta no próprio “caput” do artigo 8º, da Lei 10.925/2004;
(v) – o legislador concedeu o crédito para a pessoa jurídica que possa produzir referido produto, não dispondo se própria ou por meio de terceiros, de tal sorte que não cabe ao interprete distinguir o que o legislador não fez;
(v) – não há qualquer vedação ao crédito presumido por meio de referida operação;
(vi) – na hipótese de industrialização por encomenda, a legislação fiscal em geral não trata a comercialização do produto pelo encomendante como mera revenda;
(vii) – tais insumos não permitem o crédito no regime não cumulativo da pessoa jurídica terceira, executora da encomenda, razão pela qual somente caberia à encomendante;
(viii) – se a industrialização por encomenda se der para que a encomendante utilize no seu processo produtivo, daí será mais evidente o seu direito[6].
Mais do que as breves razões que apontamos, convém esclarecer que, como reforço de argumento, temos o crédito presumido disposto na Lei 9.363/96 quanto ao IPI, o qual o Superior Tribunal de Justiça em iterativa jurisprudência reconhece o direito do contribuinte:
“RECURSO INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DO CPC/2015. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO Nº 3. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. PRESENÇA DE OMISSÃO. IPI. CRÉDITO PRESUMIDO. ARTS. 1º E 2º, DA LEI N. 9.363/96. BASE DE CÁLCULO. INDUSTRIALIZAÇÃO POR ENCOMENDA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS COM EFEITOS INFRINGENTES.
(…)
3. Ao analisar o artigo 1º da Lei 9.363/96, ambas as Turmas de Direito Tributário deste STJ consideraram que o benefício fiscal consistente no crédito presumido do IPI é calculado com base nos custos decorrentes da aquisição dos insumos utilizados no processo de produção da mercadoria final destinada à exportação, não havendo restrição à concessão do crédito pelo fato de o beneficiamento do insumo ter sido efetuado por terceira empresa, por meio de encomenda. Precedentes: AgRg no REsp 1314891 / RS, Primeira Turma, Rel. Min .Benedito Gonçalves, julgado em 08.05.2014; REsp 752.888 / RS, Primeira Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 15.09.2009.
4. Contudo, é essencial à aplicação da jurisprudência do STJ que o creditamento esteja restrito ao valor total das aquisições de matérias-primas, produtos intermediários e material de embalagem (art. 2º da Lei 9.363/96) e que esse valor tenha sido suportado pela empresa produtora/exportadora (art. 1º da Lei 9.363/96).
5. Situação em que a empresa produtora/exportadora (encomendante) pretende o creditamento por todo o valor que suportou referente à prestação de serviços da empresa que realizou a industrialização (encomendada), ultrapassando os limites do art. 2º da Lei 9.363/96 (aquisições de matérias-primas, produtos intermediários e material de embalagem)”.[7].
A interpretação dada, especialmente, pelo Superior Tribunal de Justiça quanto ao crédito presumido de IPI do artigo 1º, da Lei 9.363/93, é de total pertinência com aquele da Lei 10.925/2004, e tem como pressuposto uma avaliação que leva em consideração o “processo de produção” ou de industrialização. Ora, o serviço prestado por terceiro não deixa de integrar o processo de industrialização da pessoa jurídica encomendante, continuando esta a ser a produtora e detentora do produto elaborado de origem vegetal ou animal destinado à alimentação humana ou de animais.
Em tais condições, apesar da polêmica existente, entendemos que há total fundamento constitucional e legal para o crédito presumido previsto no artigo 8º, da Lei 10.925/2004, quanto aos insumos adquiridos e destinados à terceira pessoa jurídica para fins de industrialização por encomenda de produto de origem animal ou vegetal para alimentação humana ou animal.
Lembramos, ainda, que merece reflexão à luz do disposto a operação com outros produtos que possuem legislação especifica como o caso da Lei 12.058/2009 (bovinos / ovinos), Lei 12.794/2013 (Laranja), Lei 12.865/2013 (Soja),entre outras.
[1] A respeito do crédito presumido e seu histórico legislativo inicial para PIS e COFINS no regime não cumulativo: CALCINI, Fábio Pallaretti. PIS e COFINS. Suspensão e credito presumido no agronegócio. PIS e COFINS à luz da jurisprudência do CARF. PEIXOTO, Marcelo Magalhães. MOREIRA JUNIOR, Gilberto de Castro. São Paulo: MP/APET, 2011, p. 143 e ss.
[2] – A respeito da noção de insumo: ALCINI, Fábio Pallaretti. PIS e COFINS. Algumas ponderações acerca da não cumulatividade. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, v. 176. p. 62.; CALCINI, Fábio Pallaretti Calcini. PIS/COFINS, não cumulatividade e insumo. Aspectos constitucionais e legais. Grandes questões atuais do direito tributário. ROCHA, Valdir de Oliveira ((coord). São Paulo: Dialética, 2015. P. 30-59. 19 v.
[3] – “CRÉDITOS. FRETE. INDUSTRIALIZAÇÃO POR ENCOMENDA As despesas com o transporte para a remessa para industrialização por encomenda devem integrar a base de cálculo dos créditos da PIS por integrarem o custo de produção, na forma do art. 3º, II, da Lei n.º 10.637/2002.” (CARF, 3ª Seção, Ac. 3402-003.521, j. 01/12/2016).
[4] “ASSUNTO: CONTRIBUIÇÃO PARA O PIS/PASEP. EMENTA: AGROINDÚSTRIA. CRÉDITO PRESUMIDO. INDUSTRIALIZAÇÃO POR ENCOMENDA. CAFÉ. Até 31 de dezembro de 2011, enquanto aplicadas as disposições do art. 8º da Lei nº 10.925, de 2004, aos produtos da posição 09.01 da NCM, a remessa de café in natura para terceiros, a fim de que estes realizassem as atividades previstas no seu § 6º, não dava direito à apuração do crédito presumido tratado no caput do mesmo artigo, haja vista descumprir o requisito de que a pessoa jurídica adquirente do insumo agrícola fosse a produtora da mercadoria destinada à venda. DISPOSITIVOS LEGAIS: CRFB/88, art. 149, § 2º, I; art. 150, II; Lei 5.172, de 1966 (CTN), art. 108, I; Lei nº 10.925, de 2004, art. 8º, caput, e § 6º; IN SRF nº 660, de 2006, art. 5º, I, “d”, e art. 6º, II. ASSUNTO: CONTRIBUIÇÃO PARA O FINANCIAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL – COFINS EMENTA: AGROINDÚSTRIA. CRÉDITO PRESUMIDO. INDUSTRIALIZAÇÃO POR ENCOMENDA. CAFÉ. Até 31 de dezembro de 2011, enquanto aplicadas as disposições do artigo 8º da Lei nº 10.925, de 2004, aos produtos da posição 09.01 da NCM, a remessa de café in natura para terceiros, a fim de que estes realizassem as atividades previstas no seu § 6º, não dava direito à apuração do crédito presumido tratado no caput do mesmo artigo, haja vista descumprir o requisito de que a pessoa jurídica adquirente do insumo agrícola fosse a produtora da mercadoria destinada à venda. DISPOSITIVOS LEGAIS: CRFB/88, art. 149, § 2º, I; art. 150, II; Lei 5.172, de 1966 (CTN), art. 108, I; Lei nº 10.925, de 2004, art. 8º, caput, e § 6º; IN SRF nº 660, de 2006, art. 5º, I, “d”, e art. 6º, II.” (SOLUÇÃO DE CONSULTA n. SOLUÇÃO DE CONSULTA COSIT Nº 330, DE 21 DE JUNHO DE 2017).
[5] – CRÉDITO PRESUMIDO. INDUSTRIALIZAÇÃO EFETUADA POR TERCEIROS.Regra que trata de benefício fiscal deve ser interpretada de forma estrita. Assim, o benefício fiscal do registro de crédito presumido não deve ser estendido aos casos de compra de leite in natura, cuja industrialização foi efetuada por terceiros.” (CARF, 3ª Seção, Ac. 3301-002.999, j. 21/06/2016).
[6] – “Período de apuração: 01/10/2002 a 31/12/2002. CRÉDITO PRESUMIDO DE IPI. BASE DE CÁLCULO. INDUSTRIALIZAÇÃO POR ENCOMENDA.A industrialização efetuada por terceiros visando aperfeiçoar para o uso ao qual se destina a matéria-prima, produto intermediário ou material de embalagem utilizados nos produtos finais a serem exportados pelo encomendante agrega-se ao seu custo de aquisição para efeito de gozo e fruição do crédito presumido do IPI relativo ao PIS e à COFINS previstos nos arts. 1º e 2º, ambos da Lei 9.363/96.” (CARF, CSRF, AC. 9303-005.425).
[7] – STJ, EDcl no REsp 1474353/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/03/2017, DJe 13/03/2017.
Fábio Pallaretti Calcini
Advogado tributarista, sócio do Brasil Salomão e Matthes Advocacia. É doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP, pós-doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra (Portugal) e ex–membro do Carf.