O crédito outorgado de ICMS paulista para o etanol e os reflexos fiscais federais

Fábio Pallaretti Calcini

Em 27 de julho do corrente ano de 2022, o Confaz editou o Convênio ICMS 116, o qual autoriza, segundo cláusula primeira, os estados e DF a “conceder crédito outorgado do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviço de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação — ICMS — aos produtores ou distribuidores de etanol hidratado combustível, conforme limites, parâmetros e condições estabelecidos pela legislação estadual e distrital”.

Daí por que, houve a edição pelo Governo do estado de São Paulo do Decreto nº 67.121, de 26 de setembro de 2022 (DOE 27/09), que enuncia:

“Artigo 1° – Fica concedido crédito outorgado do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, no montante total de R$ 1.917.974.800,78 (um bilhão, novecentos e dezessete milhões, novecentos e setenta e quatro mil e oitocentos reais e setenta e oito centavos), a produtores ou distribuidores de etanol hidratado combustível localizados em território paulista, nas operações internas por eles promovidas.

§ 1º – Para fins do disposto neste decreto, considera-se etanol hidratado combustível o produto classificado no código 2207.10.90 da Nomenclatura Comum do Mercosul — NCM.
§ 2º – O crédito outorgado, no montante total previsto no ‘caput’ deste artigo, será concedido no período de 1º de agosto de 2022 a 31 de dezembro de 2022, devendo ser lançado na escrituração fiscal dessas referências mensais.
§ 3º – Por ato da Secretaria da Fazenda e Planejamento, serão divulgados o valor mensal do crédito outorgado a ser concedido e o percentual a ser aplicado, pelos contribuintes beneficiados, ao valor adicionado de suas operações internas de etanol hidratado combustível promovidas no período de 1º de agosto de 2021 a 31 de julho de 2022, para efeito de apuração do crédito outorgado.
§ 4º – O valor adicionado a que se refere o § 3º deste artigo:
1. para o produtor, corresponde ao valor das vendas internas de etanol hidratado combustível, em suas operações próprias, identificado nos documentos fiscais por ele emitidos;
2. para o distribuidor, será apurado como VA = VS – VF, onde:
a) VA é o Valor Adicionado do distribuidor;
b) VS é o valor das saídas internas de etanol hidratado combustível, em suas operações próprias, identificado nos documentos fiscais por ele emitidos;
c) VF é o valor das entradas de etanol hidratado combustível identificado nos documentos fiscais emitidos por fornecedores do distribuidor, localizados em território paulista ou em outras unidades da Federação, ou pelo próprio distribuidor, relativamente às importações por ele promovidas.
§ 5º – O valor das operações de etanol hidratado combustível consideradas para efeito do disposto no § 4º deste artigo deverá ser ajustado de forma a não compreender eventuais devoluções amparadas por documentos fiscais.
§ 6º – A Secretaria da Fazenda e Planejamento definirá o percentual mencionado no § 3º deste artigo de forma que o conjunto dos contribuintes beneficiados escriture o valor mensal do crédito outorgado divulgado.
§ 7º – O somatório dos valores mensais do crédito outorgado, no período de agosto a dezembro de 2022, corresponderá ao montante total de R$ 1.917.974.800,78 (um bilhão, novecentos e dezessete milhões, novecentos e setenta e quatro mil e oitocentos reais e setenta e oito centavos).
§ 8º – A fruição do crédito outorgado do ICMS previsto neste decreto fica condicionada ao recebimento, pelo Estado de São Paulo, do auxílio financeiro a ser pago pela União nos termos do inciso V do artigo 5° da Emenda Constitucional n° 123, de 14 de julho de 2022, observados os procedimentos e normas dispostos no § 5° do artigo 5° da referida emenda.
Artigo 2º – Este decreto entra em vigor na data de sua publicação, produzindo efeitos de 1º de agosto de 2022 a 31 de dezembro de 2022.”

Por sua vez, editou ainda a Portaria SRE 76, de 28 de setembro de 2022 (DOE 29/09), a fim de disciplinar “o cálculo do valor adicionado e os procedimentos a serem adotados pelos produtores e distribuidores de etanol hidratado combustível para fins de lançamento do crédito outorgado do ICMS previsto no Decreto 67.121, de 26 de setembro de 2022”.

Tem-se, assim, mediante autorização de convênio, a concessão de um incentivo fiscal de ICMS, consubstanciado na concessão de crédito outorgado para produtores e distribuidores de etanol hidratado (NCM código 2207.10.90) nas operações internas entre o período de 1º de agosto a 31 de dezembro de 2022.

O enfoque em nosso artigo não diz respeito ao próprio ICMS, mas, em verdade, os reflexos fiscais da concessão de referido incentivo fiscal na modalidade de crédito outorgado na apuração de IRPJ e CSLL, bem como PIS e Cofins.

Apesar da concessão de referido incentivo ser novo, a discussão a respeito de tais reflexos não são [1].

Em virtude de referido incentivo ser reconhecido no resultado e poder ser considerado renda, lucro ou mesmo receita bruta, tem-se a indagação acerca de sua tributação.

Nos parece completamente aplicável o posicionamento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao reconhecer a impossibilidade de tributação de incentivos de ICMS, na hipótese da concessão de crédito presumido ou outorgado, para fins de IRPJ e CSLL, por não configurar renda ou lucro e, sobretudo, por estabelecer um indevido conflito sob a perspectivo federalista, uma vez que não há razão jurídica razoável para a União cobrar tributo sobre o incentivo dado pelo Estado-Membro, podendo tornar aquele até mesmo ineficaz.

Neste sentido é o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça em recente decisão:

“PROCESSO CIVIL. TRIBUTÁRIO. CRÉDITO PRESUMIDO DE ICMS. BASE DE CÁLCULO. IRPJ E CSLL. EXCLUSÃO. LC nº 160/2017. ART. 30 DA LEI n.12.793/2014. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA QUE NÃO ALTERA ENTENDIMENTO PELA EXCLUSÃO. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO. AGRAVO INTERNO. DECISÃO MANTIDA. (…)

III – O Superior Tribunal de Justiça, alterando seu posicionamento anterior, possibilitou a exclusão do crédito presumido do ICMS da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, tendo em vista que a inclusão do referido crédito significaria a mitigação do incentivo fiscal outorgado pelo Estado-membro no exercício de sua competência tributária. Nesse sentido, confiram-se: EREsp n. 1.517.492/PR, relator ministro Og Fernandes, relatora p/ acórdão ministra Regina Helena Costa, Primeira Seção, julgado em 8/11/2017, DJe 1º/2/2018; AgInt no REsp n. 1.708.901/RS, relator ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 24/4/2018, DJe 2/5/2018; AgInt no REsp n. 1.222.846/RS, relator ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 17/4/2018, DJe 5/6/2018.

IV – Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça solidificou o posicionamento de que tanto a entrada em vigor da Lei Complementar n. 160/2017, quanto o julgamento dos Embargos de Divergência n. 1.210.941/RS não possuem o condão de alterar o entendimento de que é indevida a inclusão do crédito presumido de ICMS na base de cálculo do IRPJ e da CSLL, seja pela impossibilidade de invocação de legislação superveniente no âmbito do recurso especial, seja pelo próprio fato de que a superveniência da mencionada lei, que determina a qualificação do incentivo fiscal estadual como subvenção de investimentos, não tem aptidão para modificar a conclusão de que a tributação federal do crédito presumido de ICMS representa violação ao princípio federativo. Nesse sentido, confiram-se os precedentes: REsp n. 1.605.245/RS, relator ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 25/6/2019, DJe 28/6/2019; AgInt nos EREsp n. 1.571.249/RS, relator ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 18/6/2019, DJe 21/6/2019; AgInt nos EAREsp n. 623.967/PR, relatora ministra Assusete Magalhães, Primeira Seção, julgado em 12/6/2019, DJe 19/6/2019.

V – Deve-se ressaltar, por fim, que, para a jurisprudência desta Corte Superior, é irrelevante a data do fato gerador, se posterior ou anterior ao advento da Lei Complementar n. 160/2017, já que o crédito presumido de ICMS em questão não constitui Receita Bruta Operacional. Confira-se: AgInt no AREsp n. 1.781.009/PR, relator ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 19/10/2021, DJe 25/10/2021.

VI – Por fim, cumpre registrar que o mandado de segurança originário foi impetrado em setembro de 2017, antes, portanto, da entrada em vigor das alterações ocorridas no art. 9º da Lei Complementar n. 160/2017, o que apenas ocorreu em 22/11/2017. Nesse contexto, mesmo em se tratando de empresas tributadas pelo lucro real, esta Corte Superior tem afastado a aplicação da modificação do art. 30, § 5º, da Lei 12.973/2014, promovida pela Lei Complementar n. 160/2017, em casos de ações ajuizadas antes da referida modificação legislativa.

Nesse sentido: AgInt no AREsp n. 1.898.563/RS, relator ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 13/12/2021, DJe 17/12/2021; AgInt no AREsp n. 1.781.009/PR, relator ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 19/10/2021, DJe 25/10/2021.

VII – Agravo interno improvido. (AgInt no AREsp nº 2.020.374/RS, relator ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 29/8/2022, DJe de 31/8/2022)”

Reconhece, deste modo, o Superior Tribunal de Justiça que o crédito presumido, que possui situação semelhante ao outorgado, não constitui receita bruta operacional da pessoa jurídica impedindo, pura e simplesmente, a tributação a título de IRPJ e CSLL.

Em nossa visão, da mesma forma se impede a tributação do PIS e da Cofins, uma vez que não configura juridicamente receita bruta.

Ademais, mesmo que não se entenda pela simples pura não incidência, no mínimo, este novo incentivo de ICMS, autorizado expressamente pelo Convênio Confaz 116/2022, configuraria subvenção para investimento, nos termos do artigos 9º e 10, da Lei Complementar nº 160/2017 [2], o que também impediria a tributação no tocante aos tributos acima descritos.

Em tais condições, o novo crédito outorgado de ICMS concedido para as operações de etanol, como enuncia pelo Decreto paulista nº 67.121, não sofre tributação a título de IRPJ, CSLL, PIS e Cofins, seja pelo posicionamento do Superior Tribunal de Justiça ou mesmo em razão de sua natureza de subvenção para investimento.

[1] Sobre esta temática já falávamos do tema nesta coluna da ConJur no começo de 2018: https://www.conjur.com.br/2018-mar-09/irpjcsll-incentivos-fiscais-icms-impactos-agronegocio

[2] – “Art. 9º O art. 30 da Lei no 12.973, de 13 de maio de 2014, passa a vigorar acrescido dos seguintes §§ 4º e 5º: ‘Art. 30. (…) § 4o Os incentivos e os benefícios fiscais ou financeiro-fiscais relativos ao imposto previsto no inciso II do caput do art. 155 da Constituição Federal, concedidos pelos Estados e pelo Distrito Federal, são considerados subvenções para investimento, vedada a exigência de outros requisitos ou condições não previstos neste artigo. § 5º O disposto no § 4º deste artigo aplica-se inclusive aos processos administrativos e judiciais ainda não definitivamente julgados.’ Art. 10. O disposto nos §§ 4º e 5º do art. 30 da Lei no 12.973, de 13 de maio de 2014, aplica-se inclusive aos incentivos e aos benefícios fiscais ou financeiro-fiscais de ICMS instituídos em desacordo com o disposto na alínea ‘g’ do inciso XII do § 2º do art. 155 da Constituição Federal por legislação estadual publicada até a data de início de produção de efeitos desta Lei Complementar, desde que atendidas as respectivas exigências de registro e depósito, nos termos do art. 3º desta Lei Complementar.”

Fábio Pallaretti Calcini

doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP, pós-doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra (Portugal), ex-membro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), professor da FGV-Direito SP e Ibet e sócio tributarista da Brasil Salomão e Matthes Advocacia.

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