Nova IN da Receita para compensação tributária tem ilegalidades

Daniel Serra Lima, Donovan Mazza Lessa e Luis Eduardo Maneira

A compensação do indébito tributário no âmbito federal ganhou grande importância com o advento da Lei 10.637/02 (decorrente da conversão em lei da Medida Provisória 66/2002), que concedeu inúmeras facilidades aos contribuintes no aproveitamento de seus créditos decorrentes do indébito tributário.

Enquanto no regime anterior a compensação deveria ser precedida de um pedido de compensação encaminhado à autoridade fiscal, que, após confirmar o crédito, autorizava previamente o encontro de contas, com a Lei 10.637/02 o contribuinte passou a realizar a compensação por sua conta e risco, extinguindo imediatamente o crédito tributário (ainda que sob condição resolutória de ulterior homologação).

Em razão da notória complexidade do sistema tributário brasileiro, bem como das inúmeras obrigações acessórias impostas aos contribuintes com objetivo de informar ao Fisco os mínimos detalhas de sua apuração — alçando o Brasil ao nada honroso primeiro lugar em tempo despendido com a burocracia tributária[1] —, é evidente que inconsistências podem ser verificadas.

Com efeito, ao verificar que pagou determinado tributo a maior, o contribuinte apresenta uma declaração de compensação pelo sistema PER/DCOMP utilizando o indébito como crédito. Nestes casos, não é raro que o contribuinte olvide a retificação da DCTF, DIPJ, DACON (estas últimas já extintas), ou, mais recentemente, do ECF (escrituração contábil fiscal), refletindo a apuração contábil, e o EFD (escrituração fiscal digital), para refletir o pagamento a maior.

Isto jamais foi visto como um problema insolúvel, até mesmo em obediência ao Princípio da Verdade Material. Verificadas divergências entre o PER/DCOMP e as declarações fiscais, a consequência era apenas a transferência ao contribuinte do ônus de comprovar a existência do indébito compensado (o que poderia ser feito por outras declarações fiscais, demonstrativos contábeis, etc.).

O artigo 165 do CTN é categórico em reconhecer o direito de restituição ao contribuinte que tenha pagado tributo a maior ou indevidamente. De fato, é intuitivo que aquele que pagou tributo indevido ou a maior deve ter o direito de reaver a quantia paga. Não fosse assim, estar-se-ia diante de enriquecimento ilícito por parte do Estado, a auferir receita não prevista em lei.

Em outras palavras, mesmo diante de equívocos no preenchimento de declarações fiscais, deve prevalecer a boa-fé da empresa e o princípio da verdade material, quando restar adequadamente demonstrada a existência de crédito suficiente para a quitação integral do débito. Nesse sentido, são muitos os acórdãos lavrados pelo Carf[2], pelas DRJs[3] de todo o país, e, inclusive, de um Parecer exarado pela COSIT[4].

Contudo, recentemente foi publicada a Instrução Normativa RFB 1765/2017[5], impondo aos contribuintes os deveres de apresentar o ECF (para saldos negativos de IRPJ e CSLL) e de retificar a EFD (para créditos de IPI e PIS/COFINS) antes de transmitir PER/DCOMPs, sob pena de os mesmos não serem “recepcionados” pela Receita Federal.

A primeira dúvida que se coloca é se, na vigência da IN RFB 1765/2017 o contribuinte simplesmente não vai conseguir transmitir o PER/DCOMP antes de retificar o ECF ou o EFD, ou se a compensação será transmitida, porém, desconsiderada.

No primeiro caso haverá nítida ilegalidade. Com efeito, a pretensão da IN RFB 1765/2017 vai muito além da mera regulamentação[6] do exercício do direito à compensação do indébito tributário garantido pelo artigo 74 da Lei 9.430/1996. Trata-se, na verdade, de um novo requisito criado sem qualquer base legal, o que é absolutamente inaceitável tendo em vista que, nos termos do artigo 5º, inciso II, da CF/88 “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.”

Ademais, considerando que o prazo de entrega do ECF é em julho de cada ano (artigo 3º da IN RFB 1.422/2013 [7]), o que se constata é que o Poder Executivo está virtualmente impedindo os contribuintes de compensarem os saldos negativos de IRPJ e CSLL apurados nos primeiros sete meses do ano, aumentando assim a arrecadação.

Tal conduta, além de imoral, é duplamente ilegal. Além de não ter previsão legal, condicionar a compensação dos saldos negativos à apresentação do ECF, contraria todo o sistema legal de antecipação do IRPJ e da CSLL.

Com efeito, a despeito de o fato gerador ser verificado anualmente (ou trimestralmente), o longo do exercício o contribuinte deve apurar recolher mensalmente o IRPJ e a CSLL em bases estimadas, e também realiza pagamentos antecipados por retenção na fonte, para que o Erário não reste sem recursos ao longo do ano inteiro. Ao final do ano, é extremamente comum que o contribuinte verifique ter recolhido IRPJ e CSLL em montante superior ao devido (saldo negativo). Tais valores devem ser imediata e preferencialmente restituído (artigo 6º, §1º, da Lei 9.430/1996 [8]), pois, como visto, o contribuinte já foi prejudicado por antecipar o pagamento de tributo sobre lucro inexistente.

Entretanto, ao atrasar a devolução do montante que foi pago a maior, não por erro do contribuinte, mas por uma sistemática de antecipações adotada pela própria lei, o Governo está prejudicando o fluxo de caixa das empresas, que terão de arcar com as antecipações mensais nos sete primeiros meses do ano, quando já sabem de antemão que dispõem de indébito a ser restituído.

Mas não é só isso. Caso os sistemas da RFB não impossibilitem a transmissão do PER/DCOMP antes da entrega da ECF ou retificação do EFD, mas as compensações sejam simplesmente desconsiderados como forma de extinção do crédito tributário, a consequência será a imediata exigibilidade dos débitos compensados. Isto porque, nos termos da Súmula 436 do STJ[9], não se exige o lançamento para débitos declarados pelo contribuinte (inclusive em DCTF) e não pagos.

Em outras palavras, a IN RFB 1765 estará criando nova hipótese de compensação não declarada: a falta de retificação do EFD refletindo a existência do indébito compensado. À toda evidência, esta pretensão é francamente ilegal, não podendo ser admitida simplesmente por não estar prevista no rol taxativo que consta dos §§ 3º e 12 do artigo 74 da Lei 9.430/1996.

A taxatividade das hipóteses de compensação “não declarada” decorre justamente pelas gravosas consequências que acarretam ao contribuinte, como a negativa do contraditório (já que é vedada a possibilidade de apresentar recurso com efeito suspensivo), e a imediata inscrição do débito em dívida ativa. Como não poderia deixar de ser, a jurisprudência dos TRFs vem afastando qualquer interpretação ampliativa do rol de hipóteses de compensação não declarada.[10]

Não é preciso muito esforço para perceber que, afastar a taxatividade das hipóteses de compensação não declarada acarretaria enorme insegurança jurídica, na medida em que a autoridade fiscal poderia estabelecer ao seu bel prazer novas hipóteses para as compensações declaradas pelos contribuintes, impedindo o direito de defesa na esfera administrativa (exatamente como feito pela IN RFB 1765/2017).

1https://g1.globo.com/economia/noticia/empresas-gastam-1958-horas-e-r-60-bilhoes-por-ano-para-vencer-burocracia-tributaria-apontam-pesquisas.ghtml

2 ERRO DE FATO NO PREENCHIMENTO DA DCTF. VALOR CORRETO DECLARADO EM DIPJ. INTIMAÇÃO. OCORRÊNCIA. O descumprimento da obrigação de retificar a DCTF não enseja a perda do direito creditório, desde que o verdadeiro valor devido possa ser confirmado pela fiscalização através de outros meios que estivessem à disposição da Fiscalização e após intimação regular da interessada para realizar retificação de suas declarações. O não-atendimento pelo contribuinte desta intimação, gera a não-homologação da compensação declarada. (Ac. 1301-002.169, Rel. JOSE EDUARDO DORNELAS SOUZA, julgado em 06/10/2016)

3 “DCOMP. EQUÍVOCO NO PREENCHIMENTO DA DCTF. Deve ser reconhecido o direito creditório do contribuinte quando constatado o equívoco no preenchimento da DCTF, se esse erro foi o que deu causa ao despacho de não homologação ou homologação parcial da compensação.” (DRJ/BHE, 1ª Turma, ACÓRDÃO Nº 02-58973 de 11.08.2014)

4 “RETIFICAÇÃO DA DCTF DEPOIS DA TRANSMISSÃO DO PER/DCOMP E CIÊNCIA DO DESPACHO DECISÓRIO. POSSIBILIDADE. IMPRESCINDIBILIDADE DA RETIFICAÇÃO DA DCTF PARA COMPROVAÇÃO DO PAGAMENTO INDEVIDO OU A MAIOR.

As informações declaradas em DCTF – original ou retificadora – que confirmam disponibilidade de direito creditório utilizado em PER/DCOMP, podem tornar o crédito apto a ser objeto de PER/DCOMP desde que não sejam diferentes das informações prestadas à RFB em outras declarações, tais como DIPJ e Dacon, por força do disposto no§ 6º do art. 9º da IN RFB nº 1.110, de 2010, sem prejuízo, no caso concreto, da competência da autoridade fiscal para analisar outras questões ou documentos com o fim de decidir sobre o indébito tributário. Não há impedimento para que a DCTF seja retificada depois de apresentado o PER/DCOMP que utiliza como crédito pagamento inteiramente alocado na DCTF original, ainda que a retificação se dê depois do indeferimento do pedido ou da não homologação da compensação, respeitadas as restrições impostas pela IN RFB nº 1.110, de 2010. (…)” (COSIT, Parecer Normativo nº 02 de 28.08.2015)

5 “Art. 1º A Instrução Normativa RFB nº 1.717, de 17 de julho de 2017, passa a vigorar acrescida dos arts. 161-A, 161-B, 161-C e 161-D:

“Art. 161-A. No caso de saldo negativo de IRPJ ou de CSLL, o pedido de restituição e a declaração de compensação serão recepcionados pela RFB somente depois da confirmação da transmissão da ECF, na qual se encontre demonstrado o direito creditório, de acordo com o período de apuração.

§ 1º O disposto no caput aplica-se, inclusive, aos casos de apuração especial decorrente de extinção, cisão parcial, cisão total, fusão ou incorporação.

§ 2º No caso de saldo negativo de IRPJ ou de CSLL apurado trimestralmente, a restrição de que trata o caput será aplicada somente depois do encerramento do respectivo ano-calendário.”

“Art. 161-B. No caso de crédito do IPI, o pedido de ressarcimento e a declaração de compensação serão recepcionados pela RFB somente depois da confirmação da transmissão da EFD-ICMS/IPI, na qual se encontre demonstrado o direito creditório, de acordo com o período de apuração.

Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica ao caso de crédito presumido do IPI a que se refere o inciso II do § 2º do art. 40 apurado por estabelecimento matriz não contribuinte do IPI.”

“Art. 161-C. No caso de créditos da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins, o pedido de ressarcimento e a declaração de compensação serão recepcionados pela RFB somente depois da confirmação da transmissão da EFD-Contribuições, na qual se encontre demonstrado o direito creditório, de acordo com o período de apuração.

Parágrafo único. Na hipótese a que se refere o art. 57, a restrição de que trata o caput será aplicada somente depois do encerramento do respectivo trimestre-calendário.”

“Art. 161-D. O disposto nos arts. 161-A a 161-C não se aplica ao crédito relativo a período de apuração anterior a janeiro de 2014.”

Art. 2º Esta Instrução Normativa entra em vigor no dia 1º de janeiro de 2018.

Art. 3º Fica revogado o art. 58 da Instrução Normativa RFB nº 1.717, de 17 julho de 2017.”

6 “Art. 74. (…) § 14. A Secretaria da Receita Federal – SRF disciplinará o disposto neste artigo, inclusive quanto à fixação de critérios de prioridade para apreciação de processos de restituição, de ressarcimento e de compensação.”

7 “Art. 3º A ECF será transmitida anualmente ao Sistema Público de Escrituração Digital (Sped) até o último dia útil do mês de julho do ano seguinte ao ano-calendário a que se refira.”

8 “Art. 6º O imposto devido, apurado na forma do art. 2º, deverá ser pago até o último dia útil do mês subseqüente àquele a que se referir.

§ 1o O saldo do imposto apurado em 31 de dezembro receberá o seguinte tratamento:

I – se positivo, será pago em quota única, até o último dia útil do mês de março do ano subsequente, observado o disposto no § 2o; ou

II – se negativo, poderá ser objeto de restituição ou de compensação nos termos do art. 74.

§ 2º O saldo do imposto a pagar de que trata o inciso I do parágrafo anterior será acrescido de juros calculados à taxa a que se refere o § 3º do art. 5º, a partir de 1º de fevereiro até o último dia do mês anterior ao do pagamento e de um por cento no mês do pagamento.”

9 Súmula 436: “A entrega de declaração pelo contribuinte reconhecendo débito fiscal constitui o crédito tributário, dispensada qualquer outra providência por parte do fisco.”

10 “Na espécie, da simples leitura do rol inserto no artigo 74, § 12, da Lei nº 9.430/96 (que elenca as hipóteses nas quais a compensação deve ser considerada “não declarada”), é fácil constatar que a espécie dos autos – contribuinte não possuir crédito suficiente para quitar, por compensação, todos os débitos – não se encaixa em nenhuma das situações que autorizam considerar a compensação “não declarada”. Assim, à luz do figurino legal, no caso dos autos é indevido o ato da autoridade impetrada que, por “equiparação”, considera a compensação realizada pela apelada como “não declarada”, já que as razões pelas quais isso se deu não se amoldam ao elenco taxativo do § 12 do art. 74. (…)” (TRF3, 6ª Turma, AMS 00239507120084036100, Des. JOHONSOM DI SALVO, publicado em 10/04/2015)

“3. As hipóteses nas quais a compensação deve ser tida como “não declarada” vêm listadas no art. 74, § 12, da Lei nº 9.430/96. Em virtude das consequências mais gravosas advindas da compensação qualificada como “não declarada” – dentre as quais se destaca a não suspensão da exigibilidade do crédito tributário diante da interposição de manifestação de inconformidade ou recurso ao Conselho de Contribuintes – tem-se entendido que essa listagem seria taxativa (numerus clausus). Precedentes do TRF3 e TRF4. 4. O caso versado na presente ação – falta de provas dos créditos usados na compensação – não se encaixa em nenhuma das situações pormenorizadas na lista do preceito normativo. Não se pode, em decorrência, considerar “não declaradas” as compensação efetuadas, à margem de previsão legal. (…)” (TRF3, 6ª Turma, AMS 00235072320084036100, Des. MAIRAN MAIA, publicado em 30/05/2014)

Daniel Serra Lima, Donovan Mazza Lessa e Luis Eduardo Maneira

Daniel Serra Lima é advogado no Rio de Janeiro, mestre em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela USP. Sócio do Maneira Advogados.

Donovan Mazza Lessa é advogado, sócio de Maneira Advogados

Luis Eduardo Maneira é advogado, sócio do Maneira Advogados.

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