Nem emenda constitucional salva o decreto 9.101/17 que dispôs sobre o aumento da alíquota do PIS e COFINS sobre receitas de venda de combustíveis

Edmar Oliveira Andrade Filho

Por intermédio do Decreto n. 9.101, publicado em 21 de julho e 2017, a União pretendeu aumentar as alíquotas das contribuições devidas ao PIS e COFINS sobre a receita obtida com a venda de alguns combustíveis e o fez com base no art. 23, caput, e § 5º, da Lei n. 10.865/04, e no art. 5º, § 8º, da Lei n. 9.718/98. Contra esse ato normativo foram ajuizadas diversas ações judiciais perante juízes de primeira instância e uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF) que ali recebeu o número 5.748 e está sendo relatada pela eminente Ministra ROSA WEBER.

Em despacho datado de 27 de julho de 2017, a Ministra CÁRMEN LÚCIA faz um resumo dos temas que embasam o pedido constante da petição inicial do autor da referida ADI que diz que o citado Decreto é inconstitucional em razão: (a) da vulneração do princípio da anterioridade de noventa dias previsto no art. 150, III; (b) da violação ao princípio da legalidade, previsto no art. 150, I; e, (c) da ofensa ao princípio da separação de poderes previsto no art. 2º. A União se defende dizendo que o Decreto é valido por ter sido editado nos estritos limites das leis 10.865/04 e 9.718/98.

Neste estudo não tratarei da questão da anterioridade de noventa dias e concentro meus esforços nas questões pertinentes á legalidade e separação de poderes.

Começo por fazer uma distinção que tem importantes repercussões no campo do direito processual e que são úteis para o deslinde das questões emergentes da publicação de um decreto que atende aos parâmetros das leis que autorizaram a sua edição e cuja constitucionalidade (das leis) não está sendo debatida na referida ADI. Com Hans Kelsen aprendemos que “a norma que representa o fundamento de validade de outra norma é, em face desta, uma norma superior”; ora, a norma superior, no caso, está alojada em cada uma das duas leis ordinárias que são, portanto, em princípio, as únicas fontes de controle da validade do indigitado Decreto. Sob essa perspectiva, o Decreto 9.101 é considerado válido porque editado com base em leis vigentes e eficazes na data em que foi publicado. Ora, se existe uma lei que outorga parcela do poder de tributar ao Poder Executivo, parece razoável supor que o decreto que vier a ser editado dentro dos parâmetros das leis vale enquanto elas estiverem vigor já que gozam de “presunção de constitucionalidade” enquanto não forem expulsas do ordenamento jurídico por decisão judicial que declare serem elas contrárias à Constituição. Se essa tese for aceitável, estamos diante de matéria estranha à esfera de competência do STF e a ADI deve ser indeferida já que, pelo princípio processual da congruência, a decisão deve ser compatível com o pedido e este visa a anular (por inconstitucionalidade) o Decreto. A ofensa à Constituição, neste caso, é apenas reflexa.

É possível considerar, todavia, que o indigitado Decreto ofende a Constituição se foi concebido com base em lei inconstitucional, e, portanto, com violação do devido processo legal formal e substantivo.

Em minha opinião as dúvidas acerca da inconstitucionalidade têm como fonte as leis ordinárias, pois foram elas que concederam poderes ao chefe do Poder Executivo para alterar as alíquotas das contribuições ao PIS e COFINS. Assim, para se cumpram as regras e princípios pertinentes ao devido processo legal na edição do Decreto 9.101, é indispensável que as referidas leis encontrem um fundamento de validade na Constituição; ou seja, tais leis serão válidas e compatível com a Constituição será a outorga se, e somente se, existir uma norma constitucional específica que preveja a possibilidade de edição de lei que autorize o Poder Executivo a alterar alíquotas das contribuições sociais ao PIS e COFINS.

As normas constitucionais sobre o poder de tributar outorgam à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, poderes para edição de leis que disponham sobre a criação, aumento, redução e extinção dos tributos nela discriminados ou por ela autorizados. Esse poder é exercido, em caráter primário, pelas casas legislativas dos referidos entes com o concurso dos poderes executivos respectivos que têm poderes de iniciativa, sanção ou veto, enquanto que o poder judiciário detém poderes para corrigir eventuais desvios ocorridos no processo legislativo ou no conteúdo das leis em face da Constituição. Esse arranjo é uma consequência natural do princípio que consagra a separação de poderes e visa a prestigiar o princípio da representação, que é uma conquista do Estado de Direito. Em adição, essas normas reafirmam a alta carga valorativa do princípio da legalidade que constitui uma garantida de que a exigência de tributos só pode ser consentida de acordo com o devido processo legal formal e substantivo.

O art. 150, I da Constituição Federal é claro ao dispor que, sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado aos entes da federação exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça. O princípio geral, portanto, é de que aumento de tributo tem, obrigatoriamente, de ser veiculado por lei aprovada pelo parlamento ou por ato normativo com força de lei sujeito ao escrutínio do poder legislativo, como ocorre nos casos de leis delegadas e medidas provisórias. A própria Constituição, no entanto, abre exceções a esse mandamento geral para permitir que o poder executivo da União venha editar ato normativo de caráter geral e abstrato para aumentar e diminuir alíquotas de certos impostos, como é o caso da regra do § 1º do art. 153.

De acordo com esse preceito, é facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos seguintes impostos: (a) imposto de importação; (b) imposto e exportação, (c) imposto sobre produtos industrializados, e, (d) imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários.

Portanto, em razão do que até aqui foi exposto, resulta claro que as leis ordinárias que autorizaram a outorga de poderes com base nos quais foi editado do Decreto 9.101, não encontram guarida no texto § 1º do art. 153 e também não encontram fundamento de validade na norma da alínea “b” do item I do § 4º do art. 177 da Constituição que permite que o Poder Executivo altere, nos limites da lei, as alíquotas da denominada “CIDE-Combustíveis”. Essa constatação não nos impede de continuar a discussão a partir de pelo menos duas abordagens.

Em primeiro lugar, é possível, ao menos à primeira vista, cogitar que a Constituição não repele a outorga de poderes, e, por isso, não constitui absurdo perquirir se é compatível com o texto constitucional uma lei que venha a outorgar a transferência de poderes – do Legislativo para o Executivo – nos casos em que estejam presentes as mesmas razões que justificam a existência das normas constitucionais postas pelo poder constituinte originário e constante do § 1º do art. 153. Essa tese se justifica se admitirmos ser razoável considerar que toda norma (e isso inclui a norma constitucional) está sujeita a uma cláusula rebus sic stantibus que a torna suscetível a sofrer as consequências de um processo de mutação do seu campo de incidência para contemplar expansões e reduções se houver mudanças no código de valores vigentes na comunidade ou se houver modificação significativa no plano dos fatos, com o surgimento de novas situações que não existiam quando da sua edição. Toda norma – como diz Karl Larenz – está, como fato histórico, em relação atuante com o seu tempo e o tempo não está em quietude; por isso, mutações podem ser justificadas para acolher fatos que sequer foram imaginados pelo legislador no momento da edição da norma. Por essa vereda, a lei concessiva de poderes de alteração das alíquotas das contribuições ao PIS e COFINS seria justificável com base na ideia do ubi eadem ratio ibi idem jus (onde houver o mesmo fundamento haverá o mesmo direito), tendo em vista que a própria Constituição “abriu a porta”, e, portanto, não repele uma eventual relativização dos princípios da separação de poderes e da legalidade sempre que isto for necessário para eliminar lacunas e prover o mesmo direito para fatos idênticos.

Todavia, considerando que essa abertura ocorreu em caráter excepcional, parece claro essa espécie de analogia só seria viável e aceitável em situações especiais, ou seja, onde existam razões ao menos similares às que justificam as normas constitucionais postas pelo poder constituinte originário. Pois bem, as regras do § 1º do art. 153 da Constituição tratam de impostos que têm caráter regulatório cujas alíquotas podem ser alteradas de modo célere e sem intervenção do Poder Legislativo por razões de ordem econômica, sempre que a conjuntura exigir providências para regular o mercado em razão de desiquilíbrios momentâneos ou duradouros. É difícil enxergar as contribuições ao PIS e COFINS como tributos regulatórios a menos que se considere que eles substituem o IPI sobre combustíveis.
Em segundo lugar, é possível cogitar que a Constituição Federal não permite que a lei estabeleça a outorga de poderes fora das situações nela previstas, ou seja, o aumento de tributo constitui matéria reservada à lei editada pelo Parlamento, exceto nos casos nela previstos. Enfim, nessa matéria, não basta existir a norma posta; é indispensável que tenha sido editada pelo órgão competente – no caso, o Congresso Nacional. Esse órgão tem o poder de editar leis e o dever de não renunciar a eles, conforme a lição de João Barbalho quando comentou o tema sob a égide da Constituição Federal de 1891.

Essa assertiva tem grande peso porque se apoia no princípio da separação de poderes, que é um princípio magno da ordem constitucional e que molda o princípio da legalidade tributária, e que, por isso, não admite relativização além das hipóteses cogitadas pelo poder constituinte originário. Esse argumento ganha um importante reforço quando lembramos que a ordem constitucional prevê a adoção da medida provisória para enfrentar demandas por receitas em caráter inadiável. Por essa vereda, é forçoso concluir que são contrárias à Constituição as leis que concedem poderes ao Poder Executivo para alteração das alíquotas das contribuições antes mencionadas.

Rigorosamente, se essa tese triunfar, será necessário dizer que a outorga de poderes não é admissível nem mesmo por emenda constitucional em razão das cláusulas pétreas da Constituição. Com efeito, o § 4º do art. 60 da Carta Magna diz que não o será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (i) a forma federativa de Estado; (ii) o voto direto, secreto, universal e periódico; (iii) a separação dos Poderes; e, (iv) os direitos e garantias individuais. Abolir, nesse contexto, não significa só aniquilar – varrer do mapa -: há abolição parcial sempre que houver diminuição do campo de incidência das normas tratam dessas matérias e o poder de tributar tem elevada importância para a sociedade na medida em toca em valores fundamentais como a liberdade e a propriedade, já que os contribuintes se despojam de parcela de seus bens independentemente da vontade. Em suma, a outorga de poderes feita pela Lei ofende duas cláusulas pétreas: ela afronta o princípio da separação dos poderes e amesquinha o princípio da legalidade, que é uma garantia do contribuinte nos exatos do caput do art. 150 da Constituição Federal. Concluo dizendo: nem mesmo uma emenda à constituição salva o Decreto 9.101.

Edmar Oliveira Andrade Filho

Advogado em São Paulo. Doutor em Direito pela PUC-SP. Membro benemérito e professor dos cursos da APET – Associação Paulista de Estudos Tributários

Gostou do artigo? Compartilhe em suas redes sociais

dafabet

iplwin

iplwin login

iplwin app

ipl win

depo 25 bonus

slot deposit pulsa

1win login

indibet login

bc game download

10cric login

fun88 login

rummy joy app

rummy mate app

yono rummy app

rummy star app

rummy best app

iplwin login

iplwin login

dafabet app

https://rs7ludo.com/

dafabet

dafabet

crazy time A

crazy time A