Mudar legislação minerária por meio de medida provisória é decisão equivocada

Talden Farias e Pedro Ataíde

Por Talden Farias e Pedro Ataíde

No dia de 26 de julho, foram publicadas no Diário Oficial da União as MPs 789, 790 e 791, alterando parte da legislação minerária. A primeira diz respeito à CFEM (Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais); a segunda, aos regimes jurídicos minerários; e a terceira, à transformação do DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral) em agência reguladora. Essa matéria estava sendo discutida desde 2011 no âmbito do Projeto de Lei 37, apresentado na Câmara dos Deputados, que tratava do Novo Código de Mineração. Em 2013 foi apresentado o PL 5.807, que também pretendia instituir o novo marco regulatório, tendo sido apensado ao primeiro.

Cumpre lembrar que em 2013 a então presidente, Dilma Rousseff, foi tachada de autoritária por tentar fazer votar a matéria sem uma discussão mais ampla[1]. Por isso, mais do que propriamente com o conteúdo, os atores do setor foram surpreendidos com a forma como o processo se deu até a edição dessas MPs. Foram modificados pelo menos 27 dispositivos, sendo todos de grande relevância para quem trabalha na área — o que equivale a uma quase revolução, uma vez que se trata de um universo legislativo bastante enxuto.

Nessa ordem de ideias, o presente artigo pretende analisar tanto a maneira como essa reforma minerária ocorreu quanto o seu conteúdo em si.

Primeiramente, é possível identificar de plano a inexistência dos requisitos para a edição de MPs previstos no artigo 62, da Constituição Federal, uma vez que a urgência claramente não se faz presente, bem como a própria existência da relevância é questionável em inúmeros aspectos. Se é obvio que qualquer norma deve ser sempre atualizada tendo em vista a melhor consecução de seu papel social, não se pode ignorar que a legislação minerária tinha, sim, falhas e omissões. Entretanto, há décadas esse conjunto normativo vinha sendo aplicado sem gerar óbices às partes interessadas, tendo o segmento alcançado uma expressão cada vez maior, sempre ao sabor da economia nacional e internacional. Isso implica dizer que a modalidade normativa escolhida parece mesmo ter sido um equívoco.

Acontece que não se cuida de um erro formal apenas, pois a opção jurídica tomada desconsidera as inúmeras incertezas intrínsecas à atividade minerária, notadamente no âmbito econômico. Com efeito, são poucos os empreendimentos em fase de pesquisa que alcançarão a fase de lavra, etapa em que realmente ocorrerá a extração do minério e a consequente aferição de lucros. Além do mais, o tempo de maturação de um empreendimento minerário costuma levar muitos anos, dada a complexidade da operação, que envolve questões ambientais, geológicas, logísticas, mercadológicas etc. Daí o planejamento de médio e longo prazo fazer parte do ofício. Em razão das peculiaridades, nenhuma atividade requer tanta estabilidade regulatória e segurança jurídica quanto a minerária.

Em vista disso, afora a inconstitucionalidade, restou evidente a falta de conveniência e de oportunidade da alteração do respectivo sistema regulatório por meio de normas com vigência de 60 dias, prorrogáveis por igual período. É que, como se sabe, ao longo desse período as MPs podem ser rejeitadas ou aprovadas, e, nesse caso, sem ou com emendas, podendo ao final ser aprovado um texto bastante diferente daquele baixado pelo Poder Executivo caso haja emendas em maior número ou extensão. Os empreendimentos que muitas vezes demoram uma década ou mais para a devida maturação não podem ficar sujeitos a uma espécie normativa que poderá durar no máximo 120 dias. Portanto, esse quadro de instabilidade político-legislativa é deveras prejudicial ao setor, cuja insatisfação com o governo é notória, haja vista a precipitação da iniciativa[2].

No que tange ao conteúdo, cabe agora fazer a análise específica dos principais pontos de cada uma delas, a começar pela MP 789/2017, que trata da CFEM ou royalty minerário, que constitui a receita originária auferida pelo estado em virtude da extração dos recursos minerais, que são bens da União segundo o inciso IX do artigo 20 da Lei Fundamental.

Pois bem. O artigo 6º, caput, da Lei 7.990/1989 determinava que a obrigação seria calculada após a última etapa do beneficiamento e antes da transformação industrial, tendo como base de cálculo o faturamento líquido, entendendo-se por este o total de receitas de venda, com exclusão dos tributos sobre comercialização, bem como das despesas de transporte e das de seguros. A partir da MP 789/2017, a base de cálculo da CFEM dependerá do modo de aquisição do bem mineral. Na hipótese de venda do minério, a base de cálculo será a receita auferida da alienação, deduzidos apenas os tributos sobre a comercialização (ou seja, as despesas de transporte e de seguros não poderão ser deduzidas). Quando a aquisição ocorrer em hasta pública, a base de cálculo será o valor da arrematação. Na hipótese de o minério advir do regime de permissão de lavra garimpeira, a base de cálculo será o valor da primeira aquisição do bem. No consumo[3], a base de cálculo será o preço corrente do minério ou o valor definido pelo órgão regulador.

Por sua vez, a MP 789 também modificou a alíquota da CFEM de algumas substâncias minerais: o ouro (extraído por regime diverso que o de permissão de lavra garimpeira) passou de 1% para 2%; as substâncias de emprego imediato na construção civil passaram de 2% para 1,5%; e a alíquota do ferro irá variar (de 2% a 4%) em função da cotação internacional do minério, aferida em dólar. As mudanças na alíquota e na CFEM procuram, na maior parte das disposições, aumentar a receita obtida pelos entes federativos em virtude dos royalties da mineração. De certa forma, o argumento parece razoável porque a extração de recursos minerais implica na exaustão da jazida, ou seja, uma vez feita a lavra mineral, os minérios deixarão de existir na jazida. Veja-se que a situação é diferente, por exemplo, das receitas originárias que obtidas pelo aluguel de um imóvel pertencente à administração, em que o bem continuará preservado. No caso dos recursos minerais, a atividade de lavra acarretará sua extinção, motivo pelo qual o poder público deveria ficar com um percentual maior do que os previstos. Ainda com as mudanças da MP 789, os entes federativos ficam com percentual ínfimo da utilização do patrimônio público, que variam entre 0,2% e 4%.

Por outro lado, existe o argumento do setor produtivo de que os empreendimentos minerários são caracterizados pelo alto risco do empreendimento, o que traz a exigência de elevadas taxas de retorno, para que haja interesse dos empreendedores na pesquisa e extração mineral. Nesse diapasão, a cobrança de royalties máximos de 4% não desnatura o elevado proveito econômico na mineração, pois a parte significativa do faturamento ainda ficará com o particular.

A criação de alíquotas progressivas para o minério de ferro é importante porque essa substância possui ampla variação mercadológica. Segundo o DNPM (informe mineral de julho-dezembro/2015), o preço médio da tonelada de ferro apresentou queda de 44,5% entre o segundo semestre de 2014 e o segundo semestre de 2015. Como os custos de extração são praticamente os mesmos, o lucro auferido pelo minerador será diretamente proporcional ao valor do minério no mercado, tornando-se justo calcular os royalties em função do preço médio da tonelada do minério.

Quanto à MP 790/2017, as mudanças ocorreram nos regimes de aproveitamento das substâncias minerais, que constituem o processo administrativo pelo qual o poder público permite — ou veda — a pesquisa ou extração de recursos minerais. No regime de licenciamento mineral, não é mais exigida a licença do município em que estiver localizada a jazida, tampouco a autorização expressa do proprietário do imóvel ou o assentimento da pessoa jurídica de direito público (quando o imóvel for de domínio público). A mudança não foi razoável, pois o regime de licenciamento é mais simplificado do que os regimes comuns (como autorização e concessão), por isso eram exigidos outros requisitos. Antes, o minerador optava pelos regimes comuns quando era difícil obter licença municipal e/ou autorização do proprietário do imóvel; agora, qual será a diferença (de requisitos) entre o licenciamento e os demais regimes?

Além disso, as substâncias minerais que podem ser objeto do regime de licenciamento normalmente são encontradas na superfície terrestre. Dessa forma, há interesse do município, pois a atividade diz respeito ao uso e a ocupação do solo, sendo mais adequada a legislação anterior, porque exigia licença da edilidade. Ademais, afeta-se diretamente a propriedade superficial, despertando o interesse do proprietário do solo. Se esses requisitos (licença municipal e autorização do proprietário) não são mais exigidos, qual a razão de existir regime simplificado?

Por sua vez, o regime de registro de extração antes era utilizado apenas quando a lavra de agregados da construção civil fosse dirigida ao uso exclusivo de obras públicas executadas diretamente pelos entes federativos ou pelas respectivas autarquias. A partir da MP 790/2017, esse regime também poderá ser escolhido quando as obras foram contratadas pela administração direta e autárquica. Vê-se que o acréscimo dessa possibilidade é importante porque diversas obras públicas não são executadas diretamente pela administração, motivo pelo qual ficavam mais custosas por não poder usufruir do regime de registro de extração.

Quanto à autorização de pesquisa, a MP 790/2017 determina que seja outorgada em prazo não inferior a dois anos nem superior a quatro anos, permitindo-se uma única prorrogação. Anteriormente, o prazo era de um a três anos, admitindo-se prorrogação. Além disso, foi prevista a possibilidade de que, mesmo após o término da pesquisa, o titular e o seu sucessor poderão, desde que façam prévia comunicação, continuar os trabalhos de pesquisa para fins de “conversão dos recursos medidos ou indicados em reservas provadas e prováveis, a serem futuramente consideradas no plano de aproveitamento econômico, bem como para o planejamento adequado do empreendimento”. Ou seja, será possível a continuidade dos trabalhos de pesquisa, mesmo após a conclusão dessa fase, para o fim específico de subsidiar a elaboração do plano de aproveitamento econômico (que é um dos documentos que deverão subsidiar o requerimento de concessão de lavra), no qual constarão o método de mineração, as condições de trabalho na mina, o transporte e o beneficiamento, dentre outros aspectos relativos ao planejamento do empreendimento. A MP também ressalvou que os dados obtidos por esses trabalhos contínuos não poderão ser utilizados para retificar ou complementar o relatório final de pesquisa já apresentado, devendo servir apenas para subsidiar o plano de aproveitamento econômico quando do requerimento de concessão de lavra.

Quanto ao regime de concessão de lavra, o artigo 47, III e parágrafo 2º, do Código de Mineração previa que só poderiam ser extraídas as substâncias minerais indicadas no título minerário. A MP 790/2017 alterou esse dispositivo e passou a permitir a extração de substâncias minerais associadas ao minério concedido, as quais serão disciplinadas pelo ministro de Minas e Energia. Perceba-se que essa faculdade só poderá ser utilizada após a edição do referido ato normativo.

Ademais, o título de lavra permanece sem prazo determinado. A Constituição Federal não estabeleceu expressamente a obrigatoriedade de prazo determinado para a concessão de lavra, mas determinou que as jazidas são bens da União, garantindo ao concessionário a propriedade do produto da lavra. Ocorre que a “concessão perpétua” é próxima da alienação imprópria[4], já que o particular tem o direito de explotar a jazida até o seu exaurimento. Em outras palavras, é como se a União tivesse alienado as jazidas, pois o partícula tem resguardado o direito perpétuo de explotá-las. Lamentavelmente, essa distorção regulatória não foi resolvida pela MP 790/2017. Vale ressaltar que o projeto de Novo Código de Mineração (PL 5.807/2013) prevê que o regime de concessão irá abranger as fases de pesquisa e de lavra, além de ser formalizado por contrato de 40 anos, prorrogável por períodos sucessivos de 20 anos.

Ademais, a MP 790/2017 dispõe que os emolumentos a serem pagos pelo titular da autorização de pesquisa serão estabelecidos por ato do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). Tal norma é inconstitucional, pois os emolumentos são tributos da espécie taxa[5], devendo ser fixados por lei.

Por fim, a MP 791/2017 transformou o DNPM em agência reguladora, que recebeu a denominação de Agência Nacional de Mineração (ANM). Na prática, trata-se da transformação de autarquia comum em autarquia em regime especial, que representa uma tentativa de diminuir a interferência política do Poder Executivo Federal na entidade, mediante a estabilidade dos dirigentes. Contudo, as modificações regulatórias mais esperadas não foram efetuadas. É que a etapa prévia de pesquisa está sujeita à autorização da autarquia, enquanto a fase de lavra continua inserta na competência do Ministério de Minas e Energia, por meio de concessão. Tal situação enfraquece bastante o sistema regulatório, pois não é plausível que as duas etapas da mineração estejam sujeitas à outorga de órgãos diversos. Deveria existir decerto um único poder concedente. Já que a outorga e a extinção do título de lavra permanecem entre as atribuições do Ministério de Minas e Energia, este continuará a interferir no exercício da autarquia. A fase de lavra é a que ocorre a extração mineral propriamente dita e a consequente comercialização do minério, sendo, pois, a etapa mais importante da mineração, que ainda permanecerá sujeita à ingerência do Poder Executivo (no caso, o Ministério de Minas e Energia). Se houvesse realmente a intenção de diminuir tais interferências, privilegiando-se o critério técnico em detrimento do político-partidário, a agência reguladora iria concentrar as atribuições de outorga de todos os títulos minerários, além da competência fiscalizatória precípua.

Interessante destacar que o PL 5.807/2013 propunha a concentração das etapas de pesquisa e de lavra num só regime, de competência da agência reguladora. Ou seja, não seria mais necessário um título para a pesquisa e outro para a lavra. Os empreendimentos minerários estariam sujeitos a um único regime, que contemplaria as duas fases, sendo de competência da ANM.

Portanto, devem ser bastante criticadas as alterações na legislação minerária por meio de MP, pois esse instrumento só é cabível em hipóteses de urgência e relevância. Quanto às modificações em si, deve-se reconhecer que algumas são interessantes, e outras, não. No entanto, mesmo os dispositivos tido como positivos acabam sem surtir o efeito desejado por causa da modalidade legislativa equivocadamente adotada.

[1] No caso, a chefe do Executivo solicitou urgência para a apreciação do PL 5.807/2013, nos termos do parágrafo 1º do artigo 64 da Constituição Federal.
[2] O presidente da Vale S/A, Fábio Schvartsman, declarou à Folha de S.Paulo que “a pior parte é a incerteza e insegurança jurídica que esse movimento vai trazer”. FOLHA DE S.PAULO. “Novo modelo de royalty da mineração é um monstrengo, diz presidente da Vale”. Disponível em: . Acesso 3.ago.2017.
[3] A referida MP conceitua consumo como “a utilização do bem mineral pelo detentor do direito minerário, a qualquer título, em processo que importe na obtenção de nova espécie”.
[4] MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Concessões. Belo Horizonte: Fórum, 2015, p. 285.
[5] No mesmo sentido: RIBEIRO, Carlos Luiz. Tratado de Direito Minerário. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 365-366.

Talden Farias e Pedro Ataíde

Talden Farias é advogado e professor da UFPB, mestre em Ciências Jurídicas (UFPB), doutor em Recursos Naturais (UFCG) e em Direito da Cidade (Uerj). Autor de publicações nas áreas de Direito Ambiental e Minerário.

Pedro Ataíde é advogado, mestre em Ciências Jurídicas (UFPB) e autor de publicações nas áreas de Direito Ambiental e Minerário.

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