Não configura crime contra a ordem tributária o não recolhimento de ICMS próprio declarado

Luciano Daniel da Veiga

Muito tem se constatado nos processos que envolvem Crimes Contra a Ordem Tributária que tramitam junto ao Poder Judiciário do Estado de Santa Catarina, e inclusive em outros Estados, as diversas denúncias oferecidas pelos representantes do Ministério Público Estadual em desfavor dos administradores das empresas que, embora tenham declarado o ICMS PRÓPRIO, supostamente, não recolhem os valores aos cofres públicos, imputando aos mesmos a conduta tipificada no artigo 2º, inciso II, da Lei nº 8.137/90.

Citada previsão legal estabelece que constitui crime, quando “o sujeito passivo da obrigação tributária deixar de recolher aos cofres públicos, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado”, cuja pena é de detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Insta destacar, de plano, na esteira do entendimento adotado pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que não se confundem inadimplência fiscal e Sonegação Fiscal. A Sonegação Fiscal evidencia o fim deliberado de suprimir ou reduzir tributo ou contribuição social, mediante artifício fraudulento, ao passo que, na inadimplência fiscal, consubstancia mero atraso ou descumprimento da obrigação própria de recolher tributo que já foi regularmente declarado pelo contribuinte, configurando apenas ilícito administrativo passível de execução fiscal e inscrição na dívida ativa.

Ao revés, se esta inadimplência fiscal se refere a ICMS devido por terceiros na qualidade de responsável tributário, e previamente descontado ou cobrado pelo sujeito passivo da obrigação tributária, haverá a incidência do tipo penal previsto no artigo 2º, inciso II, da Lei 8.137/90.

Oportuno consignar que por ICMS PRÓPRIO se entende aquele devido em razão das operações da própria sociedade (empresa contribuinte), sem haver qualquer apropriação do valor do imposto.

Noutro giro, no ICMS POR SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA, há efetivamente a apropriação de valores, que, por imposição legal, obrigam o contribuinte a descontar ou cobrar antecipadamente o valor do ICMS.

Portanto, o nó górdio da questão é a interpretação da expressão tipificada como crime “descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo da obrigação”.

Enalteceu a Nobre Ministra Maria Thereza de Assis Moura do STJ que, “ao se referir ao tributo ‘descontado ou cobrado’, o tipo penal está a aludir aos casos de responsabilidade tributária – e não aos impostos indiretos, em que o custo é repassado, apenas do ponto de vista econômico, a terceiros”. (RHC 77031/SC)

Isso porque o consumidor não é contribuinte do imposto, sequer sujeito passivo da obrigação, mas tão-somente quem arca com o ônus econômico do tributo, não existindo qualquer relação jurídica tributária possível entre o Fisco Estadual e o consumidor final, não podendo, quiçá, estabelecer que o valor do ICMS embutido no preço tenha sido efetivamente cobrado ou descontado.

Como dito, perfilha desse entendimento a SEXTA TURMA do STJ, cuja jurisprudência assinala:

RECURSO ESPECIAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ARTIGO 2º, INCISO II, DA LEI 8.137/1990. NÃO RECOLHIMENTO DE ICMS PRÓPRIO. MERO INADIMPLEMENTO. ATIPICIDADE DA CONDUTA.

1. O delito do artigo 2º, inciso II da Lei nº 8.137/90 exige que o sujeito passivo desconte ou cobre valores de terceiro e deixe de recolher o tributo aos cofres públicos.

2. O comerciante que vende mercadorias com ICMS embutido no preço e, posteriormente, não realiza o pagamento do tributo não deixa de repassar ao Fisco valor cobrado ou descontado de terceiro, mas simplesmente torna-se inadimplente de obrigação tributária própria.

3. Recurso desprovido.

(REsp 1543485/GO, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma, julgado em 05/04/2016, DJe 15/04/2016. (grifo meu)

PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. (1) CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ARTIGO 2º, INCISO II, DA LEI 8.137/1990. NÃO RECOLHIMENTO DE ICMS PRÓPRIO. MERO INADIMPLEMENTO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. (2) RECURSO PROVIDO.

1. O delito do artigo 2º, inciso II, da Lei nº 8.137/1990 exige que o sujeito passivo desconte ou cobre valores de terceiro e deixe de recolher o tributo aos cofres públicos.

2. O comerciante que vende mercadorias com ICMS embutido no preço e, posteriormente, não realiza o pagamento do tributo, não deixa de repassar ao Fisco valor cobrado ou descontado de terceiro, mas simplesmente torna-se inadimplente de obrigação tributária própria.

3. Recurso provido para, concedendo a ordem, trancar a ação penal.

(STJ: RHC nº 77.031/SC, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 06/12/2016, DJe 15/12/2016). (grifo meu)

Nesse contexto, seguramente, compartilhamos do entendimento daquela Turma, pelo qual não se configura (atipicidade da conduta) crime/delito contra a ordem tributária, quando a suposta conduta (inadimplemento) se refere ao ICMS PRÓPRIO (situação adversa da substituição tributária) declarado e não recolhido pela própria empresa/contribuinte.

Luciano Daniel da Veiga

Advogado atuante na área Tributária junto ao escritório Jaime Luiz Leite Advocacia Tributária, inscrito na OAB/SC sob nº 20.772, graduado em Bacharel em Direito pela Unidavi - Rio do Sul/SC, Pós-graduando em Direito Tributário pelo Damásio Educacional S/A.

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