ICMS na transferência interestadual de mercadorias entre filiais é inconstitucional
Anderson Souza
A decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) n° 49/2021, declarou inconstitucionalidade dispositivos da Lei Complementar n° 87/96 (Lei Kandir).
Por muito tempo, a tributação do ICMS nas operações de transferências entre filiais foi questionada, principalmente no quesito de operações interestaduais, já que a operação não é uma transferência de propriedade e sim uma alteração de localização das mercadorias.
Porém, o ICMS não vincula sua tributação sobre a mudança de propriedade, em regra geral, o artigo 12, inciso I, da Lei Complementar n° 87/96 estabelece que ocorre o fato gerador do ICMS em toda saída de mercadoria de estabelecimento de contribuinte, inclusive na saída em transferência para outro estabelecimento do mesmo titular. A Lei Kandir dispõe ainda em seu artigo 11, § 3 que os estabelecimentos devem ser tratados de forma autônoma, para fins de tributação do ICMS, assim sendo, a matriz e suas filiais mantém suas independências na apuração e recolhimento do ICMS.
Os Estados em regra geral, já entendem que quando o produto a ser transferido é de consumo ou ativo imobilizado, já não devem sofrer tributação, no entanto, os produtos destinados a comercialização ou industrialização, sofrem sua tributação nas transferências entre filiais.Inconstitucionalidade do ICMS sobre mercadorias
É nesse ponto que inicia a discussão:
Após a edição da Súmula 166 do Supremo Tribunal de Justiça (STJ):
“Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte.”
E a fixação do STF:
“Não incide ICMS no deslocamento de bens de um estabelecimento para outro do mesmo contribuinte localizados em estados distintos, visto não haver a transferência da titularidade ou a realização de ato de mercancia.”
Entendimento em total discordância com a Lei Kandir, no entanto, por não sofrer alteração na lei Kandir, os Estados continuaram cobrando o ICMS normalmente, fazendo com que os contribuintes ingressassem com ações na justiça para o não pagamento do ICMS sobre as transferências, que de fato, o entendimento seguido pelo judiciário era favorável aos contribuintes.
Foi quando o Rio Grande do Norte resolveu ajuizar ação com a intenção definitiva da legalidade da cobrança, no entanto, em agosto de 2020, no julgamento do Recurso Extraordinário ARE1255885, o STF reconheceu a repercussão geral, em continuidade no julgamento da ADC 49, o STF julgou improcedente o pedido formulado, declarando inconstitucionalidade dos dispositivos da Lei Kandir. A declaração de inconstitucionalidade englobou o disposto no inciso II do § 3° do artigo 11, o inciso I do artigo 12 no trecho “ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular”, e o § 4° do artigo 13, todos da Lei Complementar n° 87/96.
Como ficou na prática?
Todos os Fiscos Estaduais devem respeitar a decisão e não realizar mais a cobrança do ICMS nas operações de saídas em transferências interestaduais de mercadorias, independente, se for de comercialização ou industrialização.
Como não houve a modulação dos efeitos da declaração, ou seja, não foi determinado o momento exato que a decisão passa ter efeito, entende-se que a inconstitucionalidade passa ter validade a partir da edição da norma, ou seja, desde sua criação, aplicando o direito a todos os contribuintes.
Diferencial de alíquota, substituição tributária e antecipação tributária
Sabemos que as operações interestaduais, podem ter características diferentes para tributação do ICMS, sendo por diferencial de alíquota, antecipação ou substituição tributária, dependendo das regras estabelecidas entre os Estados, no entanto, a decisão contempla também o não pagamento de todos os valores que envolvam a tributação do ICMS nas operações de transferências, assim, as operações entre filiais que tem a característica de transferência de mercadorias, deixam também de ser recolhidos os valores a título de diferencial de alíquota, substituição e antecipação tributária.
Simples Nacional
As empresas do Simples Nacional já não sofrem a incidência do ICMS nas operações de transferência, já que sua tributação é realizada sobre o faturamento da empresa, porém, cabe salientar que os contribuintes enquadrados nesse regime tributário, não são excluídos dos pagamentos do ICMS sobre o diferencial de alíquota, antecipação e substituição tributária, devendo atentar-se nessa oportunidade para também não recolherem mais os devidos valores, uma vez, que não cabe mais a tributação do ICMS nas operações de transferências.
Como realizar o planejamento tributário a partir dessa operação?
Sabemos que a carga tributária no Brasil é muito grande, assim, essas medidas oneram diretamente os caixas das empresas, decisões como essa, podem dar vida as empresas no aspecto de um planejamento estratégico tributário, podendo a partir de agora definir o melhor local de distribuição das suas mercadorias, ou simplesmente ter apenas um local de distribuição que alimenta suas unidades.
As análises estratégicas tributárias são totalmente necessárias para deixarem as empresas mais competitivas.
Dessa forma, caso entenda que a empresa possui um ônus de recolhimento sobre essa operação, poderá ainda requerer os valores pagos indevidamente por medidas judiciais.
Anderson Souza
Professor, Palestrante, Empresário Contábil com especialização na área fiscal e tributária e pós graduado em Controladoria e Finanças corporativas. Atualmente Sócio e Fundador das empresas Arte Fiscal Consultoria Tributária e Equilibrio Contábil, criador do canal Café tributário. Mais de 15 anos de experiência na área, atuando com gestão de tributos, planejamentos e recuperação tributária, tendo assessorado empresas nacionais e multinacionais nas mais diversas operações resultando em mais de 200 milhões de reais em tributos recuperados. Já formou mais de 1500 alunos no seu curso completo de Recuperação Tributária na prática.