Gestão do afastamento e FAP/Benefícios acidentários
Airton Kwitko
Introdução
Gestão de afastamento do trabalho significa controlar o absenteísmo. O termo absenteísmo (português brasileiro) ou absentismo (português europeu) é usado para designar as ausências dos trabalhadores no processo de trabalho, seja por falta ou atraso, devido a algum motivo interveniente.
Mais do que simplesmente controlar atestados médicos, a gestão do afastamento na sua relação com o FAP e benefícios acidentários tem como objetivo minimizar as repercussões negativas dessas medidas previdenciárias.
Sendo assim, toda gestão de afastamento deve procurar diminuir a possibilidade da concessão dessa espécie de benefício, seja atuando na fonte dos problemas que geram o afastamento, seja documentando o afastamento inevitável (o ocorrido apesar das medidas de controle), gerando comprovações úteis para fornecer ao perito médico da Previdência, e que lhe auxilie a analisar o evento "afastamento", e considerar judiciosamente se o mesmo é ou não "acidentário", seja pelo nexo causal, seja pelo epidemiológico.
Muitas empresas recorrem mais do que nunca a práticas que visam reduzir custos. A preocupação com esse item é tão significativa que ele agora baliza o preço dos produtos e o lucro da empresa.
Entretanto, os custos com os acidentes do trabalho estão aumentando no país, após o advento do NTEP.
Os acidentes e doenças do trabalho envolvem custos diretos e indiretos. Assim, paradoxalmente, enquanto ocorrem esforços de redução de custos, as empresas convivem com aumento dos mesmos. O desconhecimento do que seja o FAP/Benefícios acidentários, a suposição (ainda) de que o FAP é um fenômeno passageiro, fragmentação da empresa quanto ao conhecimento das informações e gestão das mesmas, presunção de que seja mais um aspecto que médicos e engenheiros vinculados ao trabalho podem resolver, ou pior, estejam solucionando, além de outros motivos, fazem com que as empresas não focalizem o alvo corretamente: o aumento de custos pelas medidas previdenciárias.
Cortam-se custos e despesas indiscriminadamente, mas não atacam-se esse problema com a intensidade e empenho necessários.
Objetivo da gestão do afastamento
O objetivo da gestão do afastamento é dispor de um controle eficaz do absenteísmo por doença e do perfil epidemiológico dos empregados da empresa, com o auxílio de recursos informatizados, a fim de que sejam continuamente planejadas, implementadas e avaliadas na sua eficácia, correções que forem necessárias para minimizar a causa dos afastamentos, bem como as necessárias ações de promoção da saúde.
Recordando
Lembro sempre que o saudoso Dr. Paulo Gonzaga comentava as incumbências principais dos Ministérios do Trabalho, Saúde e Previdência nas relações com atividades de trabalhadores em empresas:
O Ministério do Trabalho fiscaliza, o da Saúde trata os acidentes do trabalho e as doenças ocupacionais, e a Previdência arca com os custos dos afastamentos/aposentadorias.
Com o advento do FAP que está sendo preponderantemente alimentado por benefícios concedidos pelos benefícios acidentários a Previdência está claramente dizendo que não pretende pagar as contas sozinha: vai dividir despesas com empresas que acidentarem/adoecerem trabalhadores de forma mais expressiva que outras do mesmo CNAE.
Apelo ao bom senso
Manda o bom senso que se diminua o encaminhamento de empregados à Previdência. Isso porque os casos encaminhados podem receber a consideração por parte da perícia médica de que haja causa ocupacional na gênese da patologia, inclusive até pela presunção epidemiológica (NTEP). O benefício concedido será da espécie B91, acarretando a necessidade de uma contestação tempestiva. Essa, se não for feita ou mesmo que apresentada, se não for considerada como suficientemente consistente para descaracterizar a espécie do benefício, irá alimentar o banco de dados da empresa.
Por ocasião da divulgação do FAP esse benefício terá um peso no cômputo do fator, pelos coeficientes que integram a metodologia (frequência, gravidade e custo).
Não se apregoa que haja alguma sonegação quanto ao encaminhamento de empregados à Previdência, mas que ocorra por parte da empresa um rígido controle para diminuir a incidência dos benefícios previdenciários. Em outras palavras: gestão de afastamentos.
Mesmo que se discuta a propriedade do FAP/Benefícios acidentários, que a teoria que os fundamenta pareça hermética, que inconstitucionalidades sejam vistas, a possibilidade de reduzir o absenteísmo é expectativa de todo administrador de empresa. Se for possível que essa perspectiva ocorra aliada às vantagens econômicas para a empresa, como um FAP mais "amigável" que a concorrência, isso seria o ideal.
Cenário desfavorável
Até o advento do FAP/Benefícios acidentários, o afastamento de empregados e respectivo encaminhamento à Previdência era uma solução interessante para empresas e empregados.
É claro que em casos de típicos acidentes do trabalho e de doenças ocupacionais declaradamente manifestas o recurso do benefício previdenciário era (e ainda o é) a óbvia necessidade.
Com o advento do NTEP, a gestão de afastados ganha importância na administração de RH, pois novas e vultosas consequências legais e financeiras podem advir, ou não, em função da qualidade deste gerenciamento. As principais consequências sentidas são:
– Caracterização do agravo ocupacional "inversão do ônus da prova";
– Contribuição para o FGTS;
– Estabilidade temporária;
– Engessamento do turn-over;
– Elevação da alíquota do RAT (FAP);
– Ações regressivas;
– Ações cíveis;
– Ações do Ministério Público do Trabalho.
Temos um cenário de composição de expressivo passivo para as empresas, mostrado de forma explícita pelas estatísticas de benefícios acidentários, disponíveis no site da Previdência Social. As estatísticas mostram no cenário nacional significativos aumentos na concessão dessa espécie de benefícios. A repercussão no FAP é direta, pelos conceitos do "bônus et malus", através do qual o RAT pode ser cortado pela metade ou duplicar.
O aspecto tributário exagerado é apenas um item do cortejo de eventos que acompanham o FAP/Benefícios acidentários. Junto com o ônus da estabilidade temporária de ao menos meses (e mais o 13º salário), tendo que recolocar o empregado beneficiário pela caracterização acidentária do afastamento em setor/cargo em que não possa recidivar os sinais/sintomas que geraram o afastamento, (e do qual muito possivelmente nem apresentou qualquer contestação, num comportamento de cúmplice antes do que de vítima). Está ainda a empresa sujeita às ações civis de reparação por danos patrimoniais e morais, além de ações regressivas por parte da Previdência.
Os fatos se sucedem. Os empregados se afastam cada vez em maior número e as providências gerenciais para estancar os eventos e corrigir (ou até mesmo minimizar) as causas dos encaminhamentos à Previdência não ocorrem.
Paradigma mecanicista
Em muitos casos o encaminhamento do empregado a um "depósito" denominado Previdência era uma benção. Esse é um paradigma antigo que ainda persiste.
Explico melhor: Em um determinado momento na História ocorreu uma era denominada de industrialização. Nela, surgiu a mecanização. Essa trouxe ganhos elevados de produtividade e de lucratividade. Porém, com ela veio a racionalidade e a degradação geral do ambiente (social e do indivíduo). Então, a era da industrialização não é só a era da introdução em larga escala da máquina na produção e na produtividade das empresas. Foi também a responsável por mudanças radicais na relação capital X trabalho.
As organizações passaram a operar como máquinas e, portanto, esperava-se que os empregados se comportassem igualmente como se fossem partes das máquinas. Genericamente pode-se afirmar que esta consideração ainda predomina na maioria dos ambientes de trabalho do século XXI. Este comportamento, de certa forma, explica a padronização da emocionalidade, a apatia, a desmotivação, a falta de alegria, o desprazer, o descuido e a falta de dignidade encontrada nas empresas.
Assim, o empregado que por uma razão ou outra se afasta do parâmetro de comportamento considerado como desejável para a produção, necessita de imediata substituição. Daí resulta o apego à "saída Previdência". Ocorre, como vimos acima, que essa porta, que não está fechada, definiu novos conceitos para sua utilização.
Basicamente, novos preços.
No estilo: quem mais usa paga mais. Exatamente igual ao pedágio nas rodovias.
Aliam-se a esses aspectos:
– As práticas discutíveis dos indivíduos de procurarem em todo momento auferir vantagens pessoais, o que conduz nas relações com a empresa e em especial na procura de benefícios junto à Previdência, em ampliar as perspectivas dessas vantagens, seja de forma consciente ou inconsciente.
– A quase generalizada omissão das empresas em conhecer o que está ocorrendo em relação ao FAP/Benefícios acidentários, para poder adotar práticas eficazes de controle dos afastamentos e, no caso da existência dos mesmos e da concessão dos benefícios acidentários, efetuar contestações em tempo hábil.
Novos paradigmas para gestão de afastamentos
Então, com isso e por tudo isso, e para a preservação dos interesses econômicos das empresas, agora é necessário que procedimentos de afastamentos sejam revistos e para isso é necessário que medidas precisas sejam adotadas: a gestão de afastamentos.
Pode parecer simples a sua execução em uma observação inicial, mas é preciso considerar que existem antigos paradigmas de comportamento a serem alterados.
Talvez a maneira mais forte de definir o conceito de paradigma seja dizer que ele representa os conteúdos de uma visão de mundo. Isso significa que as pessoas que agem de acordo com os axiomas de um paradigma estão unidas, identificadas ou simplesmente em consenso sobre uma maneira de entender, de perceber, de agir, a respeito do mundo.
Os que partilham de um determinado paradigma aceitam a descrição de mundo que lhes é oferecida sem criticar os fundamentos íntimos de tal descrição. Isto significa que o seu olhar está estruturado de maneira a perceber só uma determinada constelação de fatos e relações entre esses fatos. Qualquer coisa que não seja coerente com tal descrição passa despercebida; é vista como elemento marginal ou sem importância.
Prosseguindo.
A gestão de afastamentos pressupõe métodos para controle das diversas situações que conduzem a esse destino, como e principalmente, que haja uma interação com as causas principais que originam os afastamentos. Ou seja: para manter o piso seco antes é preciso fechar a torneira que o molha.
Gestão de afastamentos é semelhante à administração de recursos humanos, apenas em sentido contrário. A última é um conjunto de métodos, políticas, técnicas e práticas definidas com o objetivo de orientar o comportamento humano e as relações humanas de forma a maximizar o potencial do capital humano no ambiente de trabalho. A gestão de afastamentos tem conceito semelhante; apenas pretende minimizar o afastamento do empregado do trabalho.
Ambas necessitam para melhor eficácia quanto aos seus objetivos de adequado sistema de informação. Esse é composto por todos os componentes que recolhem, manipulam e disseminam dados ou informação. Incluem-se tipicamente hardware, software, pessoas, sistemas de comunicação como linhas telefônicas e internet, e os dados propriamente ditos.
As atividades envolvidas incluem a introdução de dados, processamento dos mesmos em informação, armazenamento de ambos e a produção de resultados, como relatórios de gestão.
Estrutura necessária para a gestão dos afastamentos
Para uma competente gestão de afastamentos é necessária uma equipe de RH devidamente treinada e suficientemente descomprometida com os paradigmas corporativos, entendendo-se aqui o corporativismo que muitas vezes impede ações que possam originar conflitos internos. Talvez esse seja o grande obstáculo a ser enfrentado, com que a terceirização necessita ser cogitada.
É útil dispor-se de um sistema informatizado que monitore continuamente todos os benefícios concedidos pela Previdência Social, tipo, data de concessão, alta, conversões, recursos, prorrogações. Este sistema deverá conter todas as movimentações e dados funcionais, permitindo agilidade e segurança no processamento.
Ainda, toda e qualquer informação deverá estar disponível no sistema, para acesso imediato. É recomendável – mas não absolutamente essencial – a sincronização com os dados relativos a empregados da empresa, setores, cargos, salários, etc, existentes em programas de controle de folha de pagamento, por exemplo. Isso irá facilitar a elaboração de relatórios.
Aspectos significativos na gestão dos afastamentos
Na gestão dos afastamentos existem basicamente cinco aspectos importantes:
1º – Captura de dados da Previdência e sistema informatizado
É necessário que haja uma sistemática informatizada de consulta ao site do INSS para detectar e importar dados relativos aos benefícios concedidos, mormente aos da espécie "B91". O conhecimento desses, em primeira instância, possibilita a elaboração de contestação ao benefício acidentário em tempo hábil. Em um segundo momento, os benefícios concedidos aos empregados da empresa irão possibilitar a avaliação da repercussão do risco.
2º – Avaliação da repercussão do risco (definir atividades específicas para corrigir as principais causas dos afastamentos: "fechar a torneira")
Como a abrangência das atividades é muito grande, além de que irão ocorrer profundas mudanças paradigmáticas na aplicação da gestão dos afastamentos, sugere-se que cada empresa estime suas prioridades, a partir da análise da repercussão dos riscos existentes e que conduzam aos afastamentos.
Explico melhor: A análise do risco consiste em se analisar a probabilidade do impacto de cada um dos riscos identificados, em gerar afastamentos. É uma análise qualitativa. Entretanto, melhor do que essa é a análise quantitativa, que avalia a repercussão do risco. Um excelente indicador para indicar qual o "design" do padrão de afastamentos observados na empresa é fornecido pela compilação dos benefícios acidentários observados no site da Previdência, devidamente importados e tratados estatisticamente.
Ou seja: Parte-se do ocorrido para definir correções.
3º – Estabelecer um rígido sistema de controle de atestados e emissões de CATs
Cada empresa deverá aplicar sistemática diferenciada, que considere sua cultura, processos industriais, práticas adotadas de relacionamento interno, recursos humanos disponíveis, extensão territorial, etc. O FAP/Benefícios acidentários baseia-se em afastamentos que geraram um benefício, logo todos com tempo maior do que 15 dias. Os atestados que necessitam enfoque especial são os que têm esse prazo de afastamento. Entretanto, é recomendável que atestados com afastamentos menores do que 15 dias também sejam controlados.
A importância do conhecimento do início do afastamento permite que todas as ações necessárias sejam logo tomadas, evitando desta forma o "fato consumado", pois é impossível uma avaliação adequada de um atestado com seu prazo já decorrido.
É claro que estas atitudes impactam diretamente na cultura da empresa, mas são positivas no sentido de ter o gestor dos afastamentos como parceiro do RH e de mostrar que há um acompanhamento total e competente de tudo que se refere à saúde do trabalhador.
Importante salientar ainda que o enfoque sobre a saúde do trabalhador deve ser "holístico", ou seja, saúde assistencial, programas de qualidade de vida e saúde ocupacional devem estar harmonicamente ligados operacionalmente.
4º – Elaborar um subsídio o mais completo possível para ser fornecido ao perito médico da Previdência por ocasião da perícia
Como doenças ocorrem, mesmo que haja um adequado controle dos riscos e de ações de promoção de saúde, alguns empregados irão necessitar afastamento por mais de 15 dias.
Para esses, a elaboração de um subsídio médico-ambiental pode contribuir para a um tempo, informar ao perito da Previdência dos argumentos da empresa quanto ao caráter do afastamento, e também para evidenciar a capacidade existente em se dispor desses argumentos.
Muitas vezes se supõem que está tudo sob controle, quando a realidade é diferente da imaginação.
5º – Contestações aos benefícios acidentários
Necessárias para tentar descaracterizar o caráter "acidentário" do beneficio concedido ao empregado.
Em nossa opinião, atividade necessária pela oportunidade apresentada através de complexa IN – 31. Entretanto, de efeitos discutíveis pelas dificuldades existentes, seja de coleta de informações consistentes quanto ao possível caráter não acidentário do beneficio, como pela logística existente.
Conclusão
A gestão dos afastamentos em tese não apresenta grandes dificuldades técnicas na sua aplicação. O aspecto que necessita ser repensado é o que trata da mudança de paradigmas. Mudança de paradigma: eis uma expressão citada tanto de forma explicita nesse artigo, como subjacente aos diversos aspectos.
A competente gestão de afastados quando conduzida adequadamente, produz os seguintes resultados:
– Redução no absenteísmo, em número de eventos e período de afastamento;
– Melhoria no acompanhamento da saúde do trabalhador;
– Inclusão do gestor como participante ativo e interessado no processo;
– Criação de uma base documental consistente para os eventuais desdobramentos legais;
– Diminuição da incidência dos fatores incidentes no cálculo do FAT (frequência, gravidade e custo);
– Consequente diminuição de todos os custos dos eventos e dos custos a médio e longo prazo (legais).
Airton Kwitko
Médico em São Paulo.