Dedução de juros sobre capital próprio calculados sobre exercícios anteriores

Alexandre Evaristo Pinto

Nesta semana trataremos dos precedentes do Carf em que foi discutido o pagamento e dedução acumulada dos juros sobre o capital próprio, cujo cálculo levou em consideração o patrimônio líquido e a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) de períodos anteriores.

Vale notar que os precedentes do tema já haviam sido analisados aqui nesta ConJur no artigo “Carf rejeita dedutibilidade de juros sobre o capital próprio retroativos”, publicado em setembro de 2019 e de autoria do professor Carlos Augusto Daniel Neto.

Todavia, os precedentes passaram a ter novo rumo com a aplicação do artigo 19-E da Lei nº 10.522/02, acrescido pelo artigo 28 da Lei nº 13.988/20, pelo qual se resolvem favoravelmente ao contribuinte em caso de empate no julgamento os processos administrativos de determinação e exigência do crédito tributário.

A Medida Provisória nº 1.160/23 estabeleceu a revogação do referido artigo 19-E da Lei nº 10.522/02, no entanto, a referida norma não foi convertida em lei no prazo legal, de modo que o artigo 19-E volta a ser aplicável nos processos administrativos tributários a serem julgados no Carf a partir de 1º de junho de 2023.

Após as considerações iniciais que nos levam a retomar um tema anteriormente tratado, passamos à análise das normas que regulam o assunto.

A instituição dos juros sobre o capital próprio no ordenamento jurídico brasileiro se deu com o artigo 9º da Lei nº 9.249/95, que possibilitou a dedução de tais juros na apuração do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) pelo regime do Lucro Real quando pagos ou creditados individualizadamente a titular, sócios ou acionistas, a título de remuneração do capital próprio, e calculados sobre as contas do patrimônio líquido e limitados à variação, pro rata dia, da TJLP [1].

A partir da leitura completa do referido artigo 9º e seus respectivos parágrafos, nota-se que inexiste qualquer menção à possibilidade ou à vedação da dedução de juros sobre o capital próprio calculados com base em períodos anteriores.

Diante de uma potencial lacuna na legislação, diversos contribuintes que não haviam deduzido devidamente os juros sobre o capital próprio em anos anteriores passaram a deduzir no período então corrente os juros calculados com base em exercícios anteriores.

Por sua vez, o entendimento das autoridades fazendárias já foi manifestado diversas vezes no sentido de que a dedução dos juros sobre o capital próprio somente poderia ser efetuada no ano-calendário a que se referem os seus limites, sendo, portanto, vedada a possibilidade de dedução relativa a períodos anteriores, que inclusive implicaria um desatendimento do regime de competência, tal como pode ser observado nas Soluções de Consulta Disit nº 63/01, 16/13, 18/13, 62/13, 2007/14, 2008,/14, 2009/10, 2010/14, assim como nas Soluções Consulta Cosit nº 329/14 e 45/18.

Em julgamento de fevereiro de 2009, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) enfrentou o tema no Recurso Especial nº 1.086.752/PR, decidindo de forma unânime pela possibilidade da dedução de juros sobre o capital próprio calculados sobre períodos anteriores. Dois pontos do acórdão merecem ser mencionados: (i) “a legislação não impõe que a dedução dos juros sobre capital próprio deva ser feita no mesmo exercício-financeiro em que realizado o lucro da empresa”; e (ii) o entendimento fazendário obrigaria as empresas a promover um creditamento dos juros no mesmo exercício em que apurado o lucro, impondo ao contribuinte uma figura de distribuição obrigatória de juros independentemente da vontade dos sócios ou acionistas.

Ainda que o STJ houvesse se pronunciado em tal sentido, é possível observar que entre 2011 e 2020, a quase totalidade dos casos analisados no Carf foi desfavorável ao contribuinte, em boa parte das vezes por voto de qualidade após empate no julgamento. Nessa linha, só para citarmos alguns acórdãos exemplificativos de tal posicionamento na Câmara Superior: Acórdãos nº 9101-002.180, 9101-002.181, 9101-002.182, 9101-003.064, 9101-003.065, 9101-003.066, 9101-003.067, 9101-002.700, 9101-003.570 e 9101-004.253.

Com a alteração da regra de empate a partir do artigo 19-E da Lei n. 10.522/02, surgem alguns precedentes favoráveis aos contribuintes após o empate no julgamento da turma.

Nesse sentido, no Acórdão nº 9101-005.757 (de 03/09/21), prevaleceu com base no artigo 19-E da Lei n. 10.522/02 o entendimento de que a dedução dos juros sobre o capital próprio é tratada no âmbito legal tão somente no artigo 9º da Lei n. 9.249/95 e que não há na presente norma qualquer limitação dos períodos abrangidos pela deliberação da entidade, devidamente apropriando e deduzindo a despesa correspondente incorrida.

Constou expressamente no voto vencedor que: “a tese fazendária transparece uma suposta preocupação pela busca de uma integração e generalização, exclusivamente do ponto de vista contábil, no tratamento geral desses eventos redutores do resultado fiscal”, no entanto, tal tese não deveria prevalecer, uma vez que: “havendo eventual conflito de regras e conceitos contábeis com normas e institutos jurídicos, para fins tributários, sempre prevalecerá aquilo previsto na legislação competente que regulamenta a incidência e os elementos da espécie fiscal”.

Também com fundamento artigo 19-E da Lei nº 10.522/02, tal entendimento foi seguido na íntegra pelos Acórdãos 9101-005.810 (de 06/10/21), 9101-005.815 (de 07/10/21), 1402-005.973 (de 07/12/21), 1402-005.974 (de 07/12/21), 1402-006.001 (de 07/12/21), 1402-006.048 (de 20/09/22) e 1402-006.132 (de 19/10/22).

O referido entendimento também prevaleceu, desta vez por maioria de votos, no Acórdão 9202-010.471 (de 25/10/22).

No Acórdão 9101-006.180 (de 13/07/22), a tese do contribuinte prevaleceu por força do artigo 19-E da Lei n. 10.522/02. Além do argumento da interpretação literal do artigo 9º da Lei nº 9.249/95, que não traz proibição ao pagamento acumulado de juros sobre o capital próprio no ano corrente cujo cálculo tenha levado em consideração exercícios anteriores, o voto vencedor justifica tal possibilidade com base em uma interpretação teleológica da norma.

Nessa linha, os juros sobre o capital próprio teriam sido instituídos como forma de mitigar uma eventual tributação da inflação diante do fato que o artigo 4º da Lei nº 9.249/95 proibiu a correção monetária de demonstrações financeiras. Dessa forma, não haveria como admitir a proibição do pagamento acumulado de juros sobre o capital próprio no ano corrente relativo a exercícios anteriores, sob risco de que a entidade estaria tributando pelo imposto de renda mera recomposição do poder de compra da moeda, uma vez que a tributação da renda trabalha com valores nominais desde a da Lei nº 9.249/95.

Ademais, a questão da observância ou não do regime de competência também foi analisada. Em primeiro lugar, cumpriria destacar que não há registro automático da distribuição dos juros sobre o capital próprio por competência, de forma que somente poderia se falar que tal despesa foi incorrida no momento em que há deliberação dos sócios ou acionistas aprovando a sua distribuição, ou seja, somente no momento em que surge o pagamento ou crédito dos juros aos sócios ou acionistas.

Mas ainda seria importante notar que, sob o ponto de vista da contabilidade, não há que se falar em despesa com juros sobre o capital próprio, uma vez que as normas contábeis vigentes (ICPC 08 e CPC 00) expressamente determinam que eles sejam registrados como uma diminuição nos lucros acumulados e que não se enquadram no conceito de despesas as remunerações pagas ou creditadas a sócios ou acionistas.

Desse modo, seria incoerente defender a observância do regime de competência na contabilidade quando se esquece de aplicar a norma contábil que estabelece que os juros sobre o capital próprio não se enquadram como despesa. As próprias autoridades fazendárias reconhecem que o contribuinte pode dar o efeito de dedução dos juros sobre o capital próprio por meio de exclusão no Lalur, havendo previsão de tal ajuste na ECF, em que pese a Instrução Normativa RFB nº 1.700/17 ainda se refira aos juros sobre o capital próprio como despesas.

Tal entendimento foi seguido na íntegra nos julgamentos dos Acórdãos nº 9101-006.267 (de 11/11/22) e 9101-006.358 (de 8/11/22), sendo que neste último acórdão foi trazida tabela demonstrando uma correlação entre a inflação acumulada e a TJLP para demonstrar a importância da dedução dos juros sobre o capital próprio, sob pena de tributação de um valor nominal de lucro que é meramente recomposição do poder de compra da moeda, assim como foi trazida doutrina societária demonstrando que somente com a deliberação dos sócios é que há que se falar em direito de crédito do sócio ou acionista, havendo antes da deliberação mera expectativa.

Em sentido oposto, nos Acórdãos nº 1302-006.119 (de 20/09/22), 1401-006.296 (de 16/11/22) e 1401-006.349 (de 13/12/22), prevaleceu, por maioria de votos, a tese fazendária de que é “incabível, nesse sentido, a distribuição de juros sobre o capital próprio relativamente a ano pretérito, em que a faculdade dessa distribuição não foi exercida, pois o respectivo valor monetário compôs o resultado daquele ano, cuja destinação observou o disposto nas pertinentes normas legais estatutárias ou contratuais”, assim como “o não exercício da mencionada faculdade em determinado ano-calendário configura renúncia ao benefício concedido na Lei e enseja a preclusão temporal que impede a dedução dos juros sobre o capital próprio — JSCP em anos posteriores”.

Também a tese fazendária prevaleceu, por unanimidade de votos, no Acórdão nº 1401-005.896 (de 16/09/21) no sentido que é aplicável o regime de competência para dedução dos juros sobre o capital próprio.

Por fim, vale citar que o STJ enfrentou novamente o tema em novembro de 2021, quando a tese favorável aos contribuintes foi confirmada, por maioria de votos, nos Recursos Especiais nº 1.955.120/SP e 1.946.363/SP (ambos da 2ª Turma do STJ). No acórdão dos referidos recursos especiais, mais uma vez foi ressaltado que a legislação não impõe limitação temporal para a dedução de juros sobre capital próprio de exercícios anteriores, assim como o seu pagamento decorre necessariamente da deliberação do órgão societário, momento em que surge a respectiva obrigação, de forma que o registro de tal obrigação após a deliberação representaria obediência ao regime de competência.

Diante do exposto, nota-se que o STJ já se pronunciou mais de uma vez (em décadas distintas) de maneira favorável ao contribuinte, bem como a maior parte das decisões no Carf prolatadas durante a vigência do artigo 19-E da Lei nº 10.522/02 foi também favorável à possibilidade de dedução de juros sobre o capital próprio calculados com base em períodos anteriores.

*Este texto não reflete a posição institucional do Carf, mas, sim, uma análise dos seus precedentes publicados no site do órgão, em estudo descritivo, de caráter informativo, promovido pelos seus colunistas.

[1] Lei n. 9.249/95: “Art. 9º A pessoa jurídica poderá deduzir, para efeitos da apuração do lucro real, os juros pagos ou creditados individualizadamente a titular, sócios ou acionistas, a título de remuneração do capital próprio, calculados sobre as contas do patrimônio líquido e limitados à variação, pro rata dia, da Taxa de Juros de Longo Prazo – TJLP”.

Alexandre Evaristo Pinto

Conselheiro titular da Câmara Superior de Recursos Fiscais da 1ª Seção do Carf, ex-conselheiro titular da 2ª Seção do Carf, doutorando em controladoria e contabilidade pela Universidade de São Paulo (USP), doutor em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela USP, mestre em Direito Comercial pela USP, professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT), da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Financeiras e Atuariais (Fipecafi), do Insper e do Ibmec, ex-presidente da Associação dos Conselheiros Representantes dos Contribuintes no Carf (Aconcarf), pesquisador concursado do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e pesquisador do Núcleo de Estudos Fiscais da Fundação Getúlio Vargas (NEF/FGV).

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