A não aplicação do Tema 677/STJ às execuções fiscais de crédito tributário

Rodrigo Litvin Scaletscky

1. Panorama geral da revisão da tese firmada no Tema 677 do STJ
Em 2014, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar, sob o rito dos recursos repetitivos, o REsp nº 1.348.640/RS, enfrentou a controvérsia concernente à possibilidade de o depósito judicial cessar a responsabilidade do executado pelos encargos, previstos no título executivo, decorrentes da mora, tendo em vista a incidência de juros e correção monetária a cargo da instituição financeira depositária (Tema 677/STJ).

Na ocasião, o Tribunal de Cidadania firmou o entendimento de que o depósito puro e simples isentaria o devedor dos encargos moratórios, ao fundamento de que estes seriam substituídos pela remuneração paga pela instituição depositária. Desse modo, formulou-se a seguinte tese de julgamento:

“Na fase de execução, o depósito judicial do montante (integral ou parcial) da condenação extingue a obrigação do devedor, nos limites da quantia depositada” [1].

Inobstante o aludido entendimento ter sido fixado em sede de recurso especial representativo de controvérsia, instaurou-se gradualmente um cenário de divergência jurisprudencial entre os órgãos fracionários do próprio Superior Tribunal de Justiça [2] quanto à aplicabilidade da ratio decidendi exarada no aludido leading case às situações em que o depósito judicial não era feito exclusivamente para fins de pagamento, mas, sim, a título de garantia do juízo.

Diante desse contexto, a ministra Nancy Andrighi, em outubro de 2020, suscitou questão de ordem no âmbito do julgamento do REsp nº 1.820.963/SP com vistas à instauração de procedimento de revisão do posicionamento originalmente adotado no Tema 677 (overruling). Passados dois anos, a Corte Especial do STJ, decidiu, por estreita maioria (7 a 6), pela superação do entendimento anteriormente sedimentado no REsp nº 1.348.640/SP, ensejando a elaboração de nova tese de julgamento, in verbis:

“Na execução, o depósito efetuado a título de garantia do juízo ou decorrente da penhora de ativos financeiros não isenta o devedor do pagamento dos consectários de sua mora, conforme previstos no título executivo, devendo-se, quando da efetiva entrega do dinheiro ao credor, deduzir do montante final devido o saldo da conta judicial.”

Com efeito, o STJ, ao reexaminar a presente quaestio, definiu que somente o depósito judicial voluntariamente efetuado para a satisfação do débito, sem qualquer condição para o seu levantamento, faz cessar a responsabilidade do devedor pelos encargos decorrentes de sua mora.

Por sua vez, quanto ao depósito efetuado para fins de garantia do juízo ou decorrente da penhora de ativos financeiros, a Corte Superior, com base na legislação cível, entendeu que este, além de inviabilizar o ingresso imediato da quantia devida na esfera de disponibilidade do credor, é desprovido de animus solvendi, motivos pelos quais não gera, em prol do devedor, o efeito liberatório em relação aos consectários de sua mora previstos no título executivo.

Diante dessa guinada jurisprudencial, o ministro Og Fernandes, com base no artigo 927, § 3º, do CPC, propôs fosse realizada a modulação dos efeitos da tese revisitada, o que, todavia, não encontrou amparo nos demais componentes do órgão colegiado. Entretanto, convém ponderar que o caso em tela representa típica situação apta a ensejar a superação prospectiva de precedente (“prospective overruling” [3]), com o fim de prestigiar a confiança depositada pelos jurisdicionados no paradigma anterior.

Justamente nesse contexto, a controvérsia acerca da modulação dos efeitos temporais da decisão, entre outras questões, foi objeto de embargos declaratórios os quais, porém, foram rejeitados pela Corte Especial em sessão de julgamento ocorrida em 3/4/2024.

2. O Tema 677/STJ e a sua inaplicabilidade às execuções fiscais de crédito tributário
A despeito das potenciais críticas direcionadas à ausência de atribuição de efeitos prospectivos à superação do precedente revisitado, o acórdão paradigma já está sendo aplicado pelos juízes e tribunais desde a data de sua publicação, qual seja, 16 de dezembro de 2022, com fulcro no artigo 1.040 do CPC, malgrado o caso eleito como representativo de controvérsia ainda não tenha transitado em julgado.

Ocorre que a nova tese firmada pelo STJ na revisão do Tema 677, embora erigida tão somente à luz das disposições da legislação cível, tem sido indiscriminadamente aplicada por juízes e tribunais às execuções fiscais de crédito tributário [4], cuja disciplina jurídica se submete à sistemática diametralmente distinta.

Nesse diapasão, cabe, inicialmente, expor as circunstâncias fáticas que serviram de baldrame para a construção do precedente sub examine, a fim de delimitar seu respectivo alcance e, assim, verificar a sua aplicabilidade às execuções fiscais de créditos de natureza tributária.

A esse ponto, vale destacar que o caso submetido à apreciação jurisdicional do STJ consistia em ação de indenização, em fase de cumprimento de sentença, ajuizada entre particulares, devido à denúncia imotivada de contrato de concessão comercial para revenda de veículos firmado entre as partes.

Spacca
A partir desse panorama fático, a análise efetuada pelo STJ no âmbito do julgamento do REsp nº 1.820.963/SP circunscreveu-se à hipótese de o depósito judicial cessar os consectários legais (correção monetária e juros de mora) sob a ótica dos processos cíveis (cumprimento de sentença que reconhece obrigação de pagar quantia certa), à luz das disposições normativas constantes dos artigos 394, 395 e 401, I, do Código Civil, bem como dos artigos 904, I, e 906 do Diploma Processual Civil.

Desse modo, o entendimento firmado na revisão do Tema 677 é aplicável apenas aos processos de execução e cumprimento de sentença de natureza cível, cujos créditos concernem a relações jurídicas estabelecidas entre particulares, regidas estritamente pelas normas de direito privado.

Nessa medida, o novo posicionamento não irradia efeitos para as execuções fiscais em que se busca a satisfação de créditos tributários, cuja base normativa, típica do Direito Público, lastreia-se em racionalidade diversa, não podendo, assim, ser-lhes aplicada a mesma solução jurídica adotada com base nos ditames da Lei Civil.

Com efeito, o procedimento especial das execuções fiscais a que submetida a cobrança de créditos tributários, cujo vínculo estabelecido entre as partes envolve, de um lado, a Fazenda Pública (Estado) e, de outro, o contribuinte (particular), é regido essencialmente por normas jurídicas próprias de direito público estatuídas pela Lei de Execuções Fiscais e pelo Código Tributário Nacional.

Dessarte, tratando-se de execução fiscal de crédito tributário, em observância ao critério da especialidade (“lex specialis derogat legi generali”), devem ser aplicadas as disposições da LEF, que ressalvam expressamente que o depósito em dinheiro — independentemente de ter sido efetuado voluntaria ou forçadamente — faz cessar a responsabilidade do executado pela atualização monetária e juros de mora, os quais ficam a cargo da instituição financeira depositária (artigos 9º, §§ 3º e 4º [5], e 11, § 2º [6], da LEF).

Outrossim, é preciso observar as causas de suspensão da exigibilidade e de extinção do crédito tributário insculpidas, respectivamente, nos artigos 151 e 156 do CTN, o qual assume materialmente caráter de lei complementar à vista do artigo 146, III, CF/88. Sob essa perspectiva, giza-se que o depósito judicial do montante integral em discussão suspende a exigibilidade do crédito tributário (artigo 151, II, CTN), o que, por si só, inviabiliza a exigência de encargos moratórios supostamente incidentes em período posterior a sua realização.

Não bastasse, ao término do processo executivo, caso o resultado seja desfavorável ao contribuinte, a conversão do montante depositado em renda conduz à extinção do crédito tributário (artigo 156, VI, CTN), pelo que, em matéria tributária, mostra-se inadequado especular que o depósito judicial não exonera o executado dos consectários moratórios.

A par do exposto, outra nota distintiva dos depósitos judiciais efetuados em execuções fiscais de crédito tributário que merece atenção é a circunstância de que estes não impossibilitam o ingresso imediato da quantia depositada na esfera de disponibilidade do credor, como ocorre nas execuções de natureza cível.

Isso porque, conforme disciplinado pela Lei Complementar nº 151/2015, parcela significativa dos valores depositados em juízo são transferidos para conta única do Tesouro do estado, do DF, ou do município, estando à disposição do poder público para sua utilização.

Diante desse cenário, conclui-se que a nova tese firmada no Tema 677 do STJ não se aplica às execuções fiscais de crédito tributário, as quais se submetem, a rigor, às disposições da LEF que estipulam inequivocamente que o depósito do valor exequendo faz cessar a responsabilidade pela atualização monetária e juros de mora, bem como aos enunciados do CTN que atribuem efeitos extintivos do crédito tributário à conversão do depósito judicial em renda.

Desse modo, as decisões judiciais que têm aplicado o posicionamento adotado no aludido leading case às execuções fiscais de crédito tributário, além de perpetrarem entendimento contra legem, adstringem-se a invocar precedente, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos, em nítida desconsideração do teor do artigo 489, § 1º, V, CPC.

Nessa vereda, é digno de nota que a tese de julgamento elucubrada na revisão do Tema 677 do STJ, embora busque refletir a ratio decidendi do acórdão paradigma, não dispensa o cotejo analítico da sua congruência com os fatos e as razões que procura retratar [7], especialmente tendo em vista que “o que vincula é o precedente que se encontra em sua origem” [8].

Dessa forma, revela-se necessário que os juízes e tribunais, ao se depararem com a invocação da tese firmada no reexame do Tema 677 em execuções fiscais de crédito tributário, adotem a técnica da distinção (distinguishing) [9], sob pena de aplicarem inadvertidamente a tese de julgamento do referido leading case em dissonância do precedente que lhe deu ensejo [10].

[1] Esse posicionamento remonta à edição dos verbetes sumulares nº 179 e nº 271 do STJ, que, embora não mencionem os juros moratórios, indicam que o depósito judicial efetuado para garantia do juízo exime a responsabilidade do executado quanto à correção monetária da dívida em execução.

[2] Um exemplo disso é o julgamento, pela 3ª Turma do STJ, do REsp nº 1.475.857/RJ, no qual, ao arrepio da tese originalmente firmada no Tema 677, decidiu-se que “o depósito judicial apenas extingue a obrigação do devedor nos limites da quantia depositada, mas não o libera dos consectários próprios de sua obrigação” (REsp 1.475.859/RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe de 25/08/2016).

[3] De acordo com Pandolfo, “(…) o advento do novo Código de Processo Civil trouxe a lume o art. 927, § 3º, incorporando no ordenamento pátrio o prospective overruling. Esse enunciado rege os casos em que haverá a alteração de um entendimento consolidado pela Corte e pretende-se preservar a confiança legítima dos jurisdicionados, compatibilizando-se o entendimento até então vigente com o que será consagrado” (PANDOLFO, Rafael. TEMA 69, MODULAÇÃO DE EFEITOS E AÇÃO RESCISÓRIA. Disponível em: https://www.ibet.com.br/tema-69-modulacao-de-efeitos-e-acao-rescisoria-por-rafael-pandolfo/ Acesso em 24.03.2024).

[4] Exemplificativamente: TJRS, Apelação Cível, Nº 50000475220208210057, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Relator: João Barcelos de Souza Junior, Julgado em: 31-05-2023; TJSC, Agravo de Instrumento n. 5033922-98.2023.8.24.0000, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Sandro Jose Neis, Terceira Câmara de Direito Público, j. 03-10-2023; TRF4, AG 5018662-06.2022.4.04.0000, Tribunal Regional Federal da 4ª Região, DÉCIMA SEGUNDA TURMA, Relator JOÃO PEDRO GEBRAN NETO, juntado aos autos em 27/07/2023. (g.n.)

[5] LEF, Art. 9º – Em garantia da execução, pelo valor da dívida, juros e multa de mora e encargos indicados na Certidão de Dívida Ativa, o executado poderá: I – efetuar depósito em dinheiro, à ordem do Juízo em estabelecimento oficial de crédito, que assegure atualização monetária; (…) § 3º – A garantia da execução, por meio de depósito em dinheiro, fiança bancária ou seguro garantia, produz os mesmos efeitos da penhora. § 4º – Somente o depósito em dinheiro, na forma do artigo 32, faz cessar a responsabilidade pela atualização monetária e juros de mora. (g.n.)

[6] LEF, Art. 11 – A penhora ou arresto de bens obedecerá à seguinte ordem: (…) § 2º – A penhora efetuada em dinheiro será convertida no depósito de que trata o inciso I do artigo 9º. (g.n.)

[7] Sobre o tema: “(…) mesmo quando uma Corte Suprema formula uma tese para enquadrar a ratio, é preciso ter presente que a tese pode ser com ela incongruente, pode não a espelhar, porque é um enunciado sem fatos, elaborado sem a contenção ofertada pelo seu contexto. É preciso sempre, em outras palavras, ler a tese à luz da ratio”. (MITIDIERO, Daniel. Ratio decidendi: quando uma questão é idêntica, semelhante ou distinta? São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2023. p. 84)

[8] MITIDIERO, Daniel. Precedentes: da persuasão à vinculação. 4. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021. p. 104.

[9] Nesse sentido, o Tribunal de Justiça Paranaense tem procedido à distinção do entendimento firmado na nova tese de julgamento do Tema 677 do STJ em relação àquele aplicável às execuções fiscais de crédito tributário (v.g., TJPR – 3ª Câmara Cível – 0078205-56.2022.8.16.0000 – Marechal Cândido Rondon – Rel.: DESEMBARGADOR OCTAVIO CAMPOS FISCHER – J. 07.08.2023).

[10] Em estudo aprofundado sobre a forma de aplicação das teses de julgamento no campo do direito tributário, Koury constata que há um “(…) descolamento entre os casos efetivamente submetidos aos Tribunais Superiores e as razões de julgamento adotadas, de um lado, e as ‘teses de julgamento’, de outro”, de modo que estas “são frequentemente formuladas e aplicadas de forma totalmente dissociada da unidade fático-jurídica dos casos que lhes deram origem” (KOURY, Paulo Arthur Cavalcante. A “Sumularização” do Direito Tributário Brasileiro: a Manipulação do Escopo Objetivo dos Julgados por Meio da “Tese de Julgamento”. Revista Direito Tributário Atual. n. 55. Ano 41. pp. 328-327. São Paulo: IBDT, 2023. p. 337).

Rodrigo Litvin Scaletscky

especializando em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet), graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), com láurea e distinção acadêmica, e advogado no escritório Rafael Pandolfo Advogados Associados.

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