Despesas de convenção coletiva geram créditos de PIS/Cofins
Por Marcela Villar — De São Paulo
Uma liminar incomum permitiu à Fiteca Tecidos, fábrica de tecelagem de Minas Gerais, tomar crédito de PIS e Cofins sobre despesas obrigatórias previstas em convenção coletiva de trabalho, como vale-alimentação, cesta básica e auxílio-lanche. A decisão foi dada pelo juiz Gustavo Figueiredo Melilo Carolino, da 2ª Vara Federal com Juizado Especial Federal (JEF) Adjunto de Sete Lagoas, que enquadrou os gastos como “insumos”.
O tema é antigo, já decidido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em recurso repetitivo (temas 779 e 780). Desde o julgamento, em 2018, contribuintes tentam enquadrar determinadas despesas como bens ou serviços essenciais ou relevantes para a atividade econômica, requisitos para conseguir o creditamento. Os créditos servem como moeda para pagamento dos tributos, o que, na prática, reduz a carga tributária da empresa.
Segundo tributaristas e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), são raras as decisões favoráveis envolvendo convenção coletiva. Em nota ao Valor, a PGFN diz que a liminar é uma “decisão isolada sobre o assunto e que se encontra em dissonância da jurisprudência de todos os Tribunais Regionais Federais”. O órgão avalia a interposição de recurso e reforça que a liminar tem caráter provisório.
A PGFN e a Receita Federal têm entendimento contrário à decisão de Minas. Para os órgãos, conforme a Instrução Normativa nº 2.121/2022 e a Solução de Consulta Cosit nº 56/2024, é vedado o crédito para despesas de manutenção de mão de obra, sobretudo as de acordos com sindicatos, pois “não possuem força normativa” para fins tributários.
A Procuradoria diz, ainda em nota, que não entende os valores como insumos. “Segundo definido pelo STJ por ocasião dos julgamentos dos Temas Repetitivos nº 779 e 780, nem tudo o que é custo ou despesa da pessoa jurídica se caracteriza como insumo, mas apenas aquelas despesas consideradas essenciais ou relevantes no processo produtivo, o que não seria o caso das parcelas em discussão no processo acima”.
O órgão cita duas sentenças favoráveis à União sobre o tema, também de Minas. Uma delas foi contrária à Localiza (processo nº 1042444-77.2021.4.01.3800), outra à HI Transportes (processo nº 6000432-87.2024.4.06.3809). Há também outro caso da Localiza desfavorável, julgado pela 3ª Turma do TRF-6 (processo nº 1039127-25.2021.4.01.0000).
A tese da Fiteca Tecidos é de que os benefícios são uma obrigação legal, imposta pela convenção coletiva, que, desde a reforma trabalhista (Lei nº 13.467, de 2017), tem força de lei – o que foi ratificado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em julgamento vinculante (Tema 1046). Lembra que seu descumprimento caracteriza um ilícito, passível de multa e fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
Para a fábrica de tecidos, as despesas se enquadram como insumos relevantes para o processo produtivo. Alega ainda que a vedação da Receita é ilegal e inconstitucional, violando princípios como o da não cumulatividade, razoabilidade e isonomia.
Na decisão, o juiz acata os argumentos e diz que a posição do Fisco “mostra-se flagrantemente equivocada e contrária ao ordenamento jurídico pátrio, especialmente após a reforma trabalhista de 2017 e o reconhecimento pelo STF da força normativa das CCTs [convenções coletivas de trabalho]”. Segundo ele, os benefícios “possuem natureza indenizatória, não integrando a base de cálculo da folha de pagamento para fins previdenciários”.
Por isso, seria possível o creditamento. “Tais despesas são essenciais para viabilizar a atividade da mão de obra, constituindo verdadeiros insumos do processo produtivo, uma vez que sua ausência comprometeria o desenvolvimento regular das atividades empresariais”, afirma o magistrado (processo nº 6002073-67.2025.4.06.3812).
A tributarista Maysa Pittondo Deligne, sócia do CPMG Advocacia que atua no caso, defende que o pagamento dos benefícios não é feito diretamente ao trabalhador, é preciso a intermediação de uma pessoa jurídica. “Não estamos pedindo crédito de todas as despesas da convenção coletiva, porque o que é pago diretamente ao empregado é despesa com mão de obra, esbarra na vedação legal”, diz.
Outros gastos que podem se enquadrar na tese, afirma, são plano de saúde, plano odontológico, vale-transporte, vale-refeição e seguro de vida. Mas como não havia a previsão nessa convenção coletiva, não foram pleiteadas na ação da Fiteca, acrescenta Maysa. “Vai depender do que está convencionado nos acordos”, diz. O impacto para a empresa é de R$ 100 mil, mas, para outras companhias com mais itens na convenção e maior folha de pagamento, o impacto pode ser milionário.
A tributarista afirma que a discussão é relevante, principalmente com a chegada da reforma tributária do consumo, cujo período de transição começa no ano que vem. “O PIS e Cofins vão acabar, mas ainda há discussão sobre os últimos cinco anos, então as discussões judiciais persistem mesmo após a reforma”, diz. “É um tema relevante para a empresa, pois ela já poderia estar tomando crédito e pagando o que ela precisa, nada além disso.”
Para o advogado Túlio Parente, sócio do Rivitti e Dias Advogados, o caso se encaixa na tese do STJ. “Esses gastos com cesta básica e vale-alimentação não configuram liberalidade do empregador. Na realidade, são despesas juridicamente obrigatórias, que, a nosso ver, atende ao critério de relevância estabelecido pelo STJ”, afirma.
Mesmo que a maioria dos TRFs seja contra a tese, a liminar “pode sinalizar uma evolução do Judiciário na compreensão do tema”. Na visão de Parente, a decisão ter sido favorável “é uma postura muito mais coerente com a razão de decidir do repetitivo e que revela muito mais aderência à realidade normativa das relações de trabalho”.
É possível ainda, acrescenta, que o tema seja novamente decidido pelo STJ, para que seja analisado diante do contexto da reforma trabalhista. “Se continuar um contencioso volumoso, acho que pode haver uma aceitação do STJ para voltar ao tema”, adiciona.