O dever de escriturar créditos de PIS e Cofins na transição da reforma
Eduardo Salusse
Tem sido objeto de alguma preocupação, o tratamento que será dado aos créditos e saldos credores de PIS e de Cofins que permanecerem sem apropriação ou utilização quando da extinção desses tributos, especificamente a partir de 1º de janeiro de 2027.
Isso porque, como se sabe, o PIS e a Cofins deixarão definitivamente de existir ao final de 2026, sendo substituídos pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), instituída pela Emenda Constitucional (EC) nº 132/23 e regulamentada pela Lei Complementar (LC) nº 214/25.
A LC 214/25, como era de se esperar, assegurou o direito aos créditos presumidos, não apropriados ou não utilizados de PIS e Cofins para fins de compensação com os débitos de CBS na forma prevista no artigo 378, I a IV, da LC 214/25.
Chama a atenção, todavia, o disposto no artigo 378, I, da LC 214/25, que impõe, como uma das condições para utilização dos créditos de PIS e Cofins para fins de compensação com a CBS, a exigência de que “deverão estar devidamente registrados no ambiente de escrituração dos tributos mencionados no caput, nos termos da legislação aplicável”.
Em outras palavras, os créditos deverão estar “registrados” para serem utilizados, não havendo qualquer menção ao momento em que esta escrituração deve ser verificada. É essa a sutil imprecisão. Diante deste cenário de incerteza, há duas possibilidades interpretativas.
A primeira delas, de cunho literal, é no sentido de que a escrituração a que se refere o artigo 378, I, da LC 214/25 deve ser verificada na data de 31 de dezembro de 2026, de modo que, se não existente, fará perecer o direito ao referido crédito. Prevaleceria a peremptoriedade do requisito formal “escrituração” no momento da extinção do PIS e da Cofins.
A segunda possibilidade, com significado decorrente de uma interpretação sistêmica, é no sentido de que os créditos materialmente existentes em 31 de dezembro de 2026 serão preservados, ainda que não escriturados neste momento, mas que deverão ser escriturados, ainda que extemporaneamente, quando da sua efetiva utilização. Prevaleceria, no aspecto temporal, a garantia do direito aos créditos utilizáveis nos moldes da legislação vigente (CTN, artigo 168), segundo a qual o direito de pleitear a restrição extingue-se com o decurso do prazo de cinco anos.
Nessa segunda hipótese, o requisito “escrituração” seria precedente à compensação dos créditos extemporâneos de PIS e da Cofins com a CBS. Essa escrituração extemporânea, todavia, talvez não seja compatível com as obrigações acessórias então vigentes, pois, repita-se, não mais existirão o PIS e Cofins, mas apenas a CBS, cuja apuração será feita pelo poder público de forma assistida pelo contribuinte.
A solução será, então, a retificação das declarações (EFD-Contribuições) de dezembro de 2026 ou do período de competência respectivo (anterior a dezembro de 2026), observando-se as regras e legislação vigentes no mês de origem do crédito inadvertidamente não apropriado. A necessidade de retificar as obrigações acessórias relativas ao período em que o crédito não foi autorizado foi objeto de decisão proferida pela Câmara Superior de Recursos Fiscais do Carf (acórdão 9303-009.660).
O alerta é dado para evitar dissabores aos contribuintes que, por via das dúvidas, devem ter a acuidade de levantarem e escriturarem os créditos extemporâneos de PIS e da Cofins até a data da sua extinção em 31 de dezembro de 2026, não se olvidando que a Receita Federal tem longo histórico de interpretações enviesadas em desfavor dos contribuintes, não raras vezes de forma até afrontosa à jurisprudência sedimentada nos tribunais superiores.
Como diz o ditado popular, cautela e canja de galinha não fazem mal a ninguém.
Eduardo Salusse
Sócio fundador do escritório responsável pela área de direito tributário. Responsável executivo de pesquisa no Núcleo de Estudos Fiscais da FGV DIREITO SP. Professor em direito tributário no IBET, APET, FGV Direito e outras instituições. Conselheiro Honorário e atual Presidente do MDA – Movimento de Defesa da Advocacia. Colunista no Jornal Valor Econômico (Fio da Meada).