Escritório de contabilidade deverá indenizar advogados
Por Adriana Aguiar — De São Paulo
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) condenou um escritório de contabilidade a pagar uma indenização milionária a uma banca de advocacia, após um erro no preenchimento de dados contábeis que resultou em pagamentos muito maiores de ISS. A empresa contábil deverá ressarcir os valores pagos a mais do imposto descontando o que teria sido recolhido, se não tivesse ocorrido o equívoco. Não cabe mais recurso.
No caso, são cerca de R$ 480 mil que, com as devidas correções, superam R$ 1 milhão.
Decisões como essa são raras no Judiciário. Em geral, a Justiça condena os escritórios de contabilidade a indenizar o que foi pago de multa ou encargos por atraso, mas não a pagar a diferença recolhida a maior.
Segundo o processo, escritório de contabilidade perdeu o prazo para optar pelo recolhimento do ISS calculado conforme o número de profissionais na banca, que seria no dia 31 de dezembro de 2019.
A Lei nº 13.701, de 2003, trouxe um regime especial de recolhimento das sociedades uniprofissionais (SUP). A partir disso, escritórios de advocacia, consultórios médicos, entre outros, podem recolher trimestralmente um ISS fixo proporcional ao número de profissionais habilitados.
Contudo, a Prefeitura de São Paulo exige que seja feita a opção pelo regime de recolhimento do ISS, para o ano seguinte, até o fim de cada ano. Ou a banca fica obrigada a recolher 5% de ISS mensal sobre o faturamento. Essa modalidade, na maioria das vezes, gera valores bem mais altos a recolher.
Sem fazer a opção, a banca de advocacia foi obrigada a recolher 5% sobre o faturamento ao mês. Se tivesse sido devidamente enquadrada, pagaria cerca de R$ 19,4 mil de ISS. Por isso, entrou na Justiça pedindo uma reparação.
No processo, o escritório de contabilidade reconheceu o erro. Mas alegou que isso imputaria só a responsabilidade pelo pagamento da multa, não do imposto. Porém, foi condenado em primeira e segunda instâncias.
A 30ª Câmara de Direito do TJSP foi unânime ao manter a sentença. Segundo o relator, Carlos Russo “restou demonstrado que a ré, contratada, descurando de providenciar oportuno pedido de enquadramento fiscal da autora, contratante, deu causa à exacerbação de cobrança de imposto municipal”.
O dano, segundo o magistrado, “foi bem dimensionado, tomando diferença entre o valor da autuação fiscal, imposta à autora, por forçada desídia da ré, e a quantia a recolher, houvesse adequado enquadramento tributário” (Apelação Cível Nº 1001522-38.2021.8.26.0704).
Na sentença, a juíza Luciane Cristina Silva Tavares, da 3ª Vara Cível de São Paulo, já havia afirmado que “o simples fato de gerar um dever e débito do autor já é suficiente para que este tenha interesse e legitimidade para pleitear o reembolso do dano causado.” A juíza então determinou o pagamento da diferença dos valores com o abatimento de R$ 19, 4 mil.
Segundo o advogado que assessorou o escritório de advocacia no processo, Gustavo Penna Marinho, do PMA Advogados, “a decisão serve de alerta para os escritórios de contabilidade, que atuem com zelo e diligência nas obrigações exigidas pelo Fisco”.
Penna afirma que o TJSP reconheceu expressamente que esse erro da contabilidade foi causa direta para o desenquadramento do escritório, o que ensejou o pagamento de valores muito maiores. Segundo ele, a diferença entre o que foi pago e o que deveria ter sido, já supera R$ 1 milhão.
Para Penna, havia uma obrigação contratual clara, ao constar em cláusula específica que o escritório de contabilidade deve prestar as declarações necessárias, exigidas por lei. Por isso, teria que ser aplicado o artigo 186 do Código Civil, que diz que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Em conjunto com o artigo 927, que diz que “aquele que, por ato ilícito causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”
Apesar de ser incomum, a decisão serve de alerta aos contabilistas, segundo Alberto Batista da Silva Júnior, consultor jurídico do Sindicato dos Contabilistas de São Paulo (Sindcont-SP). No caso julgado, ele afirma que havia apenas uma cláusula genérica sobre as responsabilidades. Para ele, somente com a cláusula genérica não haveria a obrigação do escritório de contabilidade fazer essa opção porque o escritório de advocacia deveria dizer sua escolha para a inclusão no sistema. “Acredito que deva ter um acordo verbal entre eles sobre o enquadramento no SUP [regime especial]”, diz.
Segundo Júnior, “quem decide sobre a opção é o administrador, não o contabilista, que apenas transmite essas informações ao Fisco”.
Para evitar essas situações, Júnior recomenda que os contratos de prestação de serviço tenham cláusulas bem detalhadas sobre as obrigações dos escritórios de contabilidade. E que os contabilistas tenham um seguro de responsabilidade civil, para cobrir eventuais indenizações em caso de erros, o que, segundo Júnior, já tem sido praxe entre eles.