Nova regra para fundos fechados mobiliza investidores
Por Adriana Cotias — De São Paulo
As movimentações de indivíduos e famílias de alto patrimônio começam a mexer com as estatísticas dos fundos. Os números mais recentes da Anbima são um reflexo disso, com a primeira captação mensal líquida no ano em carteiras de ações, em outubro. Até dia 27, o ingresso foi R$ 10,6 bilhões, volume inflado por um único veículo, o Opportunity SLQ FIA, que recebeu R$ 12,5 bilhões semana passada.
Pelos dados cadastrais, o fundo, com um único cotista, é de investidor profissional. A carteira, disponível na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), mostra investimentos no Opportunity Lógica Master, que tem gestão de Dório Ferman, e um valor residual no Opportunity Leblon, de renda fixa. Ninguém da gestora comentou.
No mercado de investimentos, a avaliação é que esse ingresso decorre de reorganização de estrutura tendo a nova tributação dos fundos fechados em perspectiva, algo que deve se tornar mais frequente até a virada do ano.
O texto, aprovado pela Câmara nesta semana, tirou a exigência de que para ficar fora do “come-cotas”, o imposto semestral que incide em multimercados, renda fixa e cambiais abertos ao público geral, os fundos de ações tivessem que ser classificados como entidades de investimentos, com gestão discricionária, e ativos efetivamente negociados em bolsa. Isso poderia afetar grandes investidores de ações, que organizam seus recursos por meio de fundos exclusivos.
Deixar a parcela de bolsa sob a estrutura de um multimercado fechado, por exemplo, incorrerá na tributação periódica a partir de 2024 se o projeto de Lei 4173 for aprovado pelo Senado como está. Esse tipo de consolidação é muito usado para gestão patrimonial.
Nas conversas com as famílias, uma das alternativas tem sido separar os ativos que estavam debaixo de uma única estrutura em veículos que não vão ter o come-cotas, caso de fundos de ações, de participações em empresas (FIP) e de recebíveis (FIDC), segundo Rubens Freitas, sócio da Wright Capital. “Só que o investidor perde a compensação de resultados entre as diferentes classes”, diz.
Como o retorno esperado em fundos de ações e FIP é maior no longo prazo, vale usufruir do diferimento tributário, ou seja, adiar o pagamento do imposto até a venda efetiva dos ativos.
O texto aprovado pela Câmara permite que as reorganizações feitas em 2023 via cisão, fusão incorporação ou transformação de fundos não gerem um evento tributário, desde que a alíquota aplicável à carteira resultante seja igual ou maior à que o investidor estava sujeito antes da revisão. A partir do ano que vem, as mudanças passam a ter a cobrança de imposto, com exceção de arranjos envolvendo fundos sob mesmo regime tributário e sem mudança de titularidade.
A regra dos fundos fechados de ações ficou mais parecida com a das carteiras condominiais, abertas ao público geral. O FIA deve investir ao menos 67% de sua carteira em ações e ativos elegíveis, que sejam admitidos à negociação em bolsa ou mercado de balcão organizado, no país ou no exterior. Representações digitais (tokens) e fundos de ações no exterior também foram incluídos.
Para Alexandre Abud, sócio da Wright Capital, os ajustes no texto foram acertados porque nem todo fundo de ação tem um gestor discricionário em que o cotista não exerce influência. “Não vejo nisso uma porta aberta para planejamentos criativos”, afirma. “Para alguém, na pessoa física, que tem patrimônio relevante, seria melhor operacionalmente ter um fundo, mas ele não quer contratar um gestor CVM e ele pode, não seria justo sofrer o come-cotas.”
No fundo aberto de ações, o cotista também só paga imposto na hora do resgate, pela alíquota de 15%, seria uma distorção antecipar o imposto de um ganho não realizado que pode virar de sinal na sequência, prossegue Abud. Nas carteiras estruturadas e ilíquidas vale o mesmo raciocínio. “Em investimentos com volatilidade grande ou prazo de maturação longo não faz sentido tributar [com o come-cotas] porque há uma chance enorme de realizar [vender] o investimento com prejuízo.”
Fora das discussões tributárias, os fundos de ações ainda custam a atrair dinheiro novo, embora esse seja um dos melhores momentos para se investir, segundo João Braga, sócio-fundador da Encore, dada a inversão do ciclo monetário.
Na gestora, ele diz que captou algo entre maio e junho, que hoje o varejo está zerado, mas observa ingresso de capital estrangeiro, que não aparece nos dados da Anbima. “Pela demanda de reuniões, não só comigo, eu diria que o interesse é até maior do que em 2014 [fase de preços depreciados].”
O otimismo se reflete na exposição da carteira do “long biased”, que desmontou o hedge que tinha em bolsa americana e está 100% alocada em ações. “O fato de a bolsa estar muito barata, para qualquer lado que se olhe tem alternativa”, diz, citando o setor elétrico e de shopping centers. “A gente tem carteira comprada mas com mais nomes defensivos, está exposto em coisas mais tranquilas.”
No ano, os fundos de ações perderam R$ 27,8 bilhões, mas mês a mês os saques têm diminuído de intensidade.