Utilização de créditos de ICMS em virtude da aquisição de bens destinados ao ativo permanente da empresa: Legalidade ou ilegalidade?

Thales de Melo Brito Correia

Há muito tempo se tem discutido sobre a necessidade de uma adequação do Código Tributário Nacional com as corriqueiras mudanças ocorridas no universo social, no universo da relação jurídico-tributária.

Mesmo diante da existência de alguns projetos de lei visando a alteração do citado diploma normativo, o que se verifica, como acontece com outros temas polêmicos desse estado democrático de direito, é o engavetamento desses projetos, sem qualquer concretização real. O que se visualiza de maneira cristalina é que as mudanças somente acontecem, quando ‘caem’ no campo jornalístico, quando são publicizados danos exorbitantes nos cofres públicos, acarretados por pessoas públicas ou empresas de grande porte ‘conhecidas’ no meio social.

Dentre esses temas que merecem uma atenção especial, e que tem gerado, como sempre, dúvidas nos contribuintes, pode-se elencar, a possibilidade/impossibilidade de creditamento do ICMS pelas empresas em virtude da aquisição de bens destinados para seu ativo permanente.

Vale ressaltar, pragmaticamente, que entende-se por fato gerador do ICMS, como aquele acontecimento volitivo expresso por uma operação mercantil que, em regra, é exteriorizado por uma saída física de mercadoria de um estabelecimento comercial, industrial ou produtor, promovida, respectivamente, por uma pessoa que seja comerciante, industrial ou produtor com a intenção de passá-la à disposição de outra pessoa.(01)

Seguindo essa linha de raciocínio, se faz necessária, a transcrição do art. 155 da Constituição Federal que estabelece sobre tal imposto o seguinte:

"Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
(…)
II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;
(…)
§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
I – será não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal;
(…)"

A Lei Complementar nº 87/96 (02) que trata do ICMS (conhecida como a Lei Kandir), por sua vez, explicita no que tange ao tema o seguinte:

"Art. 19. O imposto é não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou por outro Estado.
Art. 20. Para a compensação a que se refere o artigo anterior, é assegurado ao sujeito passivo o direito de creditar-se do imposto anteriormente cobrado em operações de que tenha resultado a entrada de mercadoria, real ou simbólica, no estabelecimento, inclusive a destinada ao seu uso ou consumo ou ao ativo permanente, ou o recebimento de serviços de transporte interestadual e intermunicipal ou de comunicação.
(…)
§ 5º Para efeito do disposto no caput deste artigo, relativamente aos créditos decorrentes de entrada de mercadorias no estabelecimento destinadas ao ativo permanente, deverá ser observado:
I – a apropriação será feita à razão de um quarenta e oito avos por mês, devendo a primeira fração ser apropriada no mês em que ocorrer a entrada no estabelecimento;"

Ora caros leitores, se o ICMS trata-se de um imposto de circulação, com seguimento de cadeias mercantis, não há como negar que a utilização dos créditos se faz legal, tratando de uma empresa, cujo desenvolvimento, faz-se necessária, a aquisição/utilização de produtos tecnológicos, essenciais para o seu desenvolvimento, pois se está compensando/creditando um montante que será incorporado ao valor dos bens vendidos pela empresa.

O mestre Hugo de Brito Machado ao tratar do tema aduz que:

"Pode-se, é certo, argumentar que o bem do ativo permanente, utilizado no comércio ou na indústria, de certa forma também segue circulando, porque, como utilidade, do ponto de vista financeiro, o seu valor se vai aos poucos incorporando ao valor dos bens vendidos pelo estabelecimento. Este é o entendimento que fundamentou a doutrina do denominado crédito financeiro, (…).
Pelo regime do crédito financeiro é assegurado o crédito do imposto pago em todas as operações de circulação de bens, e em todas as prestações de serviços, que constituam custo do estabelecimento. Não importa se o bem, ou o serviço, compõem o bem a ser vendido. Importa é que o bem vendido teve como custo aquele bem, ou aquele serviço, já tributado anteriormente.
É um regime de não cumulatividade absoluta. Não cumulatividade que leva em conta o elemento financeiro, por isto mesmo regime denominado de crédito financeiro. (03)" (Grifou-se)

Depreende-se da argumentação das entrelinhas supramencionadas, que as mercadorias adquiridas para o ativo financeiro da empresa são caracterizadas como bens ativos vinculados à produção da sua atividade.

Há que ressaltar, assim, que o princípio da não cumulatividade do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços não deixa de persistir nas operações creditícias, mesmo quando os bens são para o ativo imobilizado, que, inclusive, será utilizado mesmo que implicitamente, no seu processo industrial/comercial.

No mesmo sentido, defende Roque Antônio Carrazza (04) que:

"Em síntese, no chamado ‘ciclo de circulação’ (curso de mercadoria, da fonte produtora ao consumidor final), nenhum outro incidente jurídico, além da isenção ou da não incidência, poderá restringir os efeitos do princípio da não-cumulatividade do ICMS.
Reduzindo o raciocínio à sua expressão mais simples, a aquisição de bens ou mercadorias destinadas ao ativo imobilizado do contribuinte, não foi considerada, pela Constituição, hipótese apta a acarretar a anulação, ainda que parcial, do crédito relativo às operações ou prestações anteriores. O mesmo podemos dizer das aquisições de bens ou mercadorias para serem utilizados, pelo contribuinte, em seu processo industrial ou comercial. Todos esses créditos, SEM EXCEÇÃO, podem ser integralmente aproveitados.
(…)
Ora, qualquer artifício legislativo ou fazendário – como a vedação de créditos em operações com bens destinados ao ativo imobilizado do contribuinte ou para serem utilizados em seu processo industrial ou comercial – que leve ao aumento da carga econômica do ICMS suportado pelo consumidor final arremeterá CONTRA o princípio da não-cumulatividade e, destarte, não poderá prevalecer." (Grifou-se)

Como se verifica, se não há proibição, então é permitida, não havendo qualquer ilegalidade na conduta da empresa em se creditar do ICMS de bens que serão destinados ao seu ativo permanente, e como consequência, que irão beneficiar o desenvolvimento da sua atividade mercantil.

Outro não é o entendimento da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça:

"STJ – AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO: AgRg no Ag 992646 SP 2007/0292133-7
Relator(a): Ministro HERMAN BENJAMIN
Julgamento: 10/06/2008
Órgão Julgador: T2 – SEGUNDA TURMA
Publicação: DJe 19/12/2008
PROCESSUAL CIVIL. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO E OBSCURIDADE. NÃO-OCORRÊNCIA. ICMS. CREDITAMENTO. BENS DESTINADOS AO ATIVO PERMANENTE. LC 87/1996. (…).
1(…)
2. O creditamento de ICMS relativo à aquisição de bens destinados ao ativo permanente É POSSÍVEL somente a partir da LC 87/1996, devendo ser observada a disciplina do art. 20, § 5º. 3. Agravo Regimental não provido." (Grifou-se)

Por outro lado, há que ser ressaltado, que para a efetivação do ICMS é necessário ater-se especificamente ao princípio da não cumulatividade, vale dizer:

‘compensa-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores’.

Ora, aquela mercadoria adquirida para o ativo permanente da empresa, destinatária final, respeita o encadeamento esposado pelo princípio da não cumulatividade?

Se a empresa adquire bens para o seu ativo permanente, qual operação direta ocorreu anteriormente e posteriormente para haver a compensação do que for devido em cada operação?

Não há dúvidas que cabe à lei complementar disciplinar o regime de compensação do ICMS. Estar-se-á tratar de um regime de crédito financeiro, como explicitado anteriormente, ou estar-se-á tratar de um regime de crédito físico?

Em contraposição ao regime de crédito financeiro, existe o regime de crédito físico que, nas palavras do Mestre Hugo de Brito (05) significa:

"(…) Pelo regime de crédito físico, diversamente, só o imposto relativo a entrada de bens que são vendidos pelo estabelecimento, ou que, no caso de indústria, integram fisicamente o produto industrializado a ser vendido, enseja crédito para compensação com o imposto devido na saída dos bens.
É um regime de não cumulatividade relativa. Não cumulatividade que desconsidera o elemento financeiro, e toma em consideração apenas o elemento físico do bem, por isto mesmo denominado regime de crédito físico. (…)"

Essa dúvida acerca do regime a ser adotado, por mais específico que seja, acaba ensejando o inevitável equivoco por parte das empresas, em se creditarem de um valor operacional que, porventura, a depender do entendimento do ‘julgador’, pode ser tido como ilegal.

Em decisões mais recentes, o Supremo Tribunal Federal tem demonstrado uma postura diferenciada dos termos aduzidos na jurisprudência transcrita anteriormente neste artigo, acerca do creditamento dos bens destinados ao ativo permanente da empresa, aduzindo para tanto, o seguinte entendimento:

"Processo: RE 604302 RJ
Relator(a): Min. EROS GRAU
Julgamento: 16/03/2010
Ementa
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. ICMS. CREDITAMENTO. BENS DESTINADOS AO ATIVO FIXO.
O Supremo Tribunal Federal fixou jurisprudência no sentido de NÃO RECONHECER, ao contribuinte do ICMS, o direito de creditar-se do valor do ICMS quando pago em razão de operações de consumo de energia elétrica ou de utilização de serviços de comunicação ou, ainda, de aquisição de bens destinados ao uso e/ou à integração no ativo fixo do seu próprio estabelecimento. Precedentes. Agravo regimental a que se nega seguimento." (Grifou-se)
"AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS – ICMS. NATUREZA DOS PRODUTOS CUJO CREDITAMENTO SE POSTULA. INEXISTÊNCIA DE DIREITO A CRÉDITO DE IMPOSTO PAGO NA AQUISIÇÃO DE BENS DESTINADOS AO USO E CONSUMO, OU AO ATIVO FIXO. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE. INOCORRÊNCIA.
(…)
(AI 737298, Relator(a): Min. LUIZ FUX, julgado em 29/02/2012, publicado em DJe-046 DIVULG 05/03/2012 PUBLIC 06/03/2012)." (Grifou-se)

Nem se fale no critério temporal para impossibilitar/possibilitar o creditamento de ICMS de bens destinados ao ativo fixo pelas empresas, vale dizer, em período anterior/posterior à Lei Complementar nº 87/96, pois as decisões trazidas à baila são posteriores à publicação da citada Lei, o que demonstra não ser pacificado o tema, pelos tribunais deste ordenamento jurídico.

Dessa forma, diante desses posicionamentos e de toda a problemática exposta, resta indubitável que o legislador deve se empenhar em fomentar a efetivação e sanção de normas compatíveis com as mudanças da sociedade, ou melhor, com os hodiernos caminhos trilhados pelo campo tributário, a fim de ultimar as lacunas existentes entre fisco/contribuinte.

Não se verifica, assim, um regramento concreto, firme da possibilidade de tal creditamento ou não, mas o que se constata, inquestionavelmente, é a existência de um regramento aberto que ficará ao alvedrio do julgador, quando do embate com as questões sobre o tema em discussão.

Portanto, otimizar a tributação, a relação tributária, dispondo de meios claros para um seguro planejamento tributário das empresas, é medida que se impõe com máxima urgência, antes mesmo que o caos se instaure nessa sociedade, tão defendida como um concreto estado democrático de direito.

Notas

(01) – cf. Edvaldo Brito, Problemas jurídicos do ICM, Salvador: ed. LJF, 1974, p.92

(02) Dispõe sobre o imposto dos Estados e do Distrito Federal sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação. (LEI KANDIR)

(03) MACHADO, Hugo de Brito. Créditos de entradas de bens de consumo ou de ativo permanente e a não cumulatividade do ICMS. http://www.angelfire.com/ut/jurisnet/art86.html. Acesso em 22 de maio de 2012.

(04) CARRAZZA, Roque Antônio. ICMS. 9ª edição revista e ampliada de acordo com a Lei Complementar 87/96 e suas ulteriores modificações. Malheiros Editores, 2002, pág. 292/293.

(05) MACHADO, Hugo de Brito. Créditos de entradas de bens de consumo ou de ativo permanente e a não cumulatividade do ICMS. http://www.angelfire.com/ut/jurisnet/art86.html. Acesso em 22 de maio de 2012.

Thales de Melo Brito Correia

Advogado em Salvador-BA. Pós-graduado em Processo Civil pela Universidade Federal da Bahia e Pós-graduando em Direito Tributário pelo IBET - Instituto Brasileiro de Estudos Tributários

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