Tributação de dividendos e PL nº 2.337: solução ou problema?

Yann Santos Teixeira, Tiago Conde Teixeira

O PL nº 2.337/2021, que visa reformular a tributação sobre a renda e já aprovado na Câmara dos Deputados, configura proposição legislativa prioritária para o governo federal no ano de 2022[1] e se encontra em discussão no Senado. Ademais, conforme tem sido veiculado em canais de comunicação, há movimentação na referida Casa Legislativa para que o projeto de lei seja votado em breve[2].

Dentre as mudanças suscitadas no referido PL aprovado pela Câmara, propõe-se a tributar à alíquota de 15% a título de imposto de renda na fonte os lucros ou dividendos pagos ou creditados a pessoas físicas e jurídicas, os quais, desde 1996 (artigo 10 da Lei nº 9.249/1995) configuram rendimentos isentos. Ou seja, caso aprovado o texto da reforma, os sócios de empresas estarão sujeitos ao imposto de renda sobre os lucros a eles distribuídos.

Ora, mas seria essa proposta uma solução para o problema da tributação sobre a renda no país? Para responder à pergunta, primeiro se deve voltar à realidade que envolve a tributação no Brasil, pois, do contrário, estaremos propondo respostas que, além de não atacarem o problema, podem acabar por exacerbar o cenário negativo.

Em nosso sentir, são dois os problemas que envolvem a tributação no Brasil[3]: (i) desigualdade social e ineficiência geradas pela composição da carga fiscal, e (ii) complexidade e dimensão da legislação tributária.

É certo que uma primeira leitura poderia concluir que a tributação de dividendos, uma vez que pressupõe que determinada pessoa detém participação societária em um negócio, configura uma medida que responde ao problema da desigualdade social. Infelizmente, porém, a tributação, especialmente no Brasil que configura o país em que mais se gasta tempo para se adequar à legislação tributária[4], não é um fenômeno simples, em que basta modificar uma engrenagem para que o sistema se resolva.

No caso, porém, entende-se que a mudança não foi elaborada mediante reflexão sistêmica, de modo que tende a exacerbar os problemas e não os solucionar.

Primeiro, o PL nº 2.337/2021 deixa de refletir sobre o que o Estado brasileiro, enquanto instituidor de tributos, visa incentivar ou desestimular. Noutro plano, o Projeto não possui razoabilidade jurídica e econômica ao suscitar que a distribuição de dividendos que decorrem de investimento direto na economia deve sofrer encargo tributário equivalente ou superior àquele incidente sobre aplicações financeiras. Ora, enquanto o artigo 10-A do PL nº 2.337/2021 aponta que a distribuição de dividendos está sujeita ao imposto de renda à alíquota de 15%, o artigo 41 indica que os ganhos com aplicações financeiras estarão submetidos à alíquota igualmente de 15%. Paralelamente, a norma também prevê que determinados aplicações, a exemplo dos fundos de investimentos em ações que a distribuição de rendimentos permanecerá isenta até 2024 (artigo 24), terão tributação mais favorável.

No entanto, se os investimentos em aplicações financeiras possuem encargos tributários iguais (ou até inferiores) àqueles que decorrem de investimentos diretos na economia, que, em regra, envolvem maiores riscos ao investidor, então o que o projeto suscita é maior desigualdade social, porquanto o dinheiro que antes voltaria à promoção de postos de trabalho se volta para poupança. Ou seja, antes de promover maior igualdade e dinamicidade social, o Projeto incentiva que os investimentos se desloquem de atividades empresariais para investimentos financeiros.

Segundo, o projeto adota uma premissa anacrônica cujos resultados se mostram nocivos para toda a sociedade. A par de manter tratamento fiscal equivalente ou mais favorável para investimentos financeiros do que diretos na atividade econômica, o projeto propõe estimular os contribuintes para se adequarem ao regime de dividendos tributáveis pela introdução de diversos mecanismos de fiscalização de distribuição disfarçada de lucros. Não obstante, o estímulo da adequação tributária através da punição em caso de seu descumprimento — seja com multas de 150% sobre o valor do crédito tributário, seja agora com a proposta de alíquota elevada para distribuição disfarçada — não tem se mostrado eficiente, pelo contrário, os encargos com a administração tributária e com o contencioso fiscal tributário já alcançam níveis elevadíssimos.

Estudos apontam que, já no início da década de 2000, os custos com a administração tributária federal já mediavam em torno de 0,36% do PIB — valor proporcionalmente superior a diversos outros países, entre eles, os Estados Unidos da América[5].

Além disso, conforme relatório Justiça em Números 2020, do Conselho Nacional de Justiça, as execuções fiscais (procedimento judicial especial para União, Estados e Municípios requererem o pagamento de dívidas[6]) são as principais responsáveis pela alta taxa de congestionamento do Poder Judiciário, representando aproximadamente 39% dos casos pendentes em todo o país[7]. Nesse contexto, inclusive, há elevado numerário que se encontra provisionado, tanto para a economia quanto para o Poder Público, porquanto condicionado ao resultado do processo — de acordo com o relatório Contencioso Tributário no Brasil 2020, do Insper, o contencioso tributário judicial e administrativo no Brasil alcança 75% do Produto Interno Bruto (PIB)[8].

Assim, seria justificável trazer mais complexidade à tributação, criando novos mecanismos de controle de distribuição disfarçada de lucros que vão significar maiores custos de fiscalização para a legislação tributária? A nosso ver não, pois a premissa não deve ser mais combatividade, mas sim maior razoabilidade fiscal para que haja estímulo em se investir na atividade econômica e recolher os respectivos tributos devidos.

Por fim, a distopia do Projeto com a realidade brasileira se revela ainda mais clara ao observarmos que, além de propor tratamento tributário equivalente ou mais oneroso a distribuição de dividendos àquele que as aplicações financeiras estão sujeitas, igualmente propõe em seu artigo 68, V, a revogação do tratamento fiscal dos juros sobre o capital próprio.

Os juros sobre o capital (JCP) configuram uma remuneração calculada sobre o patrimônio da sociedade empresarial, cuja finalidade é remunerar o sócio ou acionista pelo capital aportado, de forma equivalente ao que receberia caso optasse por investimentos alternativos, como aplicações financeiras[9]. Nesse sentido, em meio à estabilização da economia promovida pelo Plano Real, os JCP surgiram com uma dupla função, primeiro, como uma correção das distorções ocasionadas pela eliminação da correção monetária do balanço das sociedades empresárias; segundo, para compatibilizar a carga tributária incidente sobre os rendimentos provenientes do capital de risco (sobre atividades econômicas) àquela já atribuída aos rendimentos do mercado financeiro. Por conseguinte, a legislação tributária que envolve os JCP teve como objetivo, portanto, equalizar o tratamento tributário atribuído ao capital próprio em relação àquele deferido ao capital de terceiros, vez que somente neste último caso havia previsão expressa para a remuneração do capital e dedutibilidade dos encargos financeiros daí oriundos. Quanto aos critérios legais para pagamento, os JCP poderão ser pagos ou creditados pela pessoa jurídica, de forma individualizada, a seu titular, sócios ou acionistas, desde que respeitadas as balizas legais, quais sejam: (i) a limitação dos JCP à variação, pro rata die, da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), e (ii) a existência de lucros, computados antes da dedução dos juros, ou de lucros acumulados e reservas de lucros, em montante igual ou superior ao valor de duas vezes os juros a serem pagos ou creditados.

Entretanto, em mais um movimento que aponta para uma leitura parcial do sistema tributário, o texto do PL nº 2.337/2021 aprovado pela Câmara dos Deputados simplesmente revoga toda legislação tributária referente aos JCP. Não obstante, a referida postura é incorreta, uma vez que se deve estimular o investimento direto na atividade produtiva por meio da previsão de dedutibilidade dos respectivos investimentos na legislação tributária, assim como ocorre com empréstimos de terceiros. Inclusive, é ilustrativo como a medida adotada na década de 1990 no Brasil ainda é atual e relevante, uma vez que, enquanto o que PL nº 2.337/2021 visa revogar, a União Europeia[10] hoje suscita que sejam estabelecidas medidas fiscais equivalentes como forma de atingir um sistema tributário mais justo e equilibrado.

Do exposto, ainda que não sejamos hostis à sujeição da distribuição de dividendos ao imposto de renda per se, somos contrários à forma proposta pelo PL nº 2.337/2021, pois a sua tributação envolve repensar, efetivamente, a tributação sobre a renda sistemicamente, de modo a não onerar os investimentos diretos na economia, estimulando de forma desarrazoada investimentos no mercado financeiro. Nesse contexto, mais proveitoso seria (i) ampliar as faixas do imposto de renda, tornando-o de fato um imposto progressivo, (ii) promover a tributação de dividendos em patamares inferiores a incidente sobre aplicações financeiras, e, nessa mesma toada, (iii) estimular, e não extinguir, o tratamento fiscal dos juros sobre o capital próprio.

[1] Portaria nº 667/2022, da Presidência da República, publicada em 9 de fevereiro de 2022. Disponível em: Acesso em: 15 de junho de 2022.

[2] Cf. WETERMAN, Daniel; FERNANDES, Adriana. Sem reforma tributária, Senado quer mudança no IR, em troca de refinanciamento de dívidas. UOL, 01 jun. 2022. Disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/estadao-conteudo/2022/06/01/sem-reforma-tributaria-senado-quer-focar-em-mudanca-do-ir-e-refis.htm. Acesso em: 16 jun. 2022.

[3] Diante dos limites do presente texto, limitar-se-á a indicar as conclusões acerca da matriz tributária brasileira atual, contudo uma análise e apresentação analítica do tema está proposta em: TEIXEIRA, Yann Santos. Reforma Tributária: texto 1 – considerações iniciais, 2021, no prelo.

[4] O Brasil configura o país em que o contribuinte mais gasta tempo com o pagamento de tributos no mundo (1.501 horas anuais), bem acima do segundo colocado (Bolívia 1.025 horas anuais), assim como de outros países com economias importantes (Alemanha 218, EUA 175 horas anuais, respectivamente) e também de nossa vizinha Argentina, com 311 horas anuais. WORLD BANK; PWC. Paying Taxes 2020. Disponível em: https://www.pwc.com/gx/en/services/tax/publications/paying-taxes-2020/overall-ranking-and-data-tables.html. Acesso em: 16 jun. de 2022.

[5] BERTOLUCCI, Aldo Vincenzo. O custo de administração dos tributos federais no Brasil: comparações internacionais e propostas para aperfeiçoamento. 2005. Tese (Doutorado em Controladoria e Contabilidade: Contabilidade) – Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005.

[6] As dívidas objeto de execução fiscal podem ser tributárias ou não tributárias (art. 2º da Lei nº 6.830/1980), contudo, pela própria natureza anteriormente citada da tributação que configura a principal forma de financiamento dos Estados, acaba que praticamente a totalidade das execuções envolvem débitos tributários. Nesse sentido, elucidativa a postura do Tribunal de Justiça de Santa Catarina que, visando sanar o congestionamento gerado por execuções fiscais, apontou mecanismos para “otimizar a cobrança tributária” no Estado. PROCURADORIA-GERAL DO ESTADO DE SANTA CATARINA. Para acelerar Justiça e trazer recursos, dívidas fiscais de pequeno valor devem ser cobradas administrativamente. Disponível em: https://www.pge.sc.gov.br/noticias/dividas-fiscais-cobranca-administrativa/. Acesso em: 17 jun. 2022.

[7] CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em Números 2020: ano-base 2019. Conselho Nacional de Justiça: Brasília, 2020, p. 150.

[8] INSPER. Contencioso tributário no Brasil: Relatório 2020 – Ano de referência 2019. Insper: São Paulo, 2020, p. 7.

[9] Nesse contexto, é o que se extrai da leitura da Exposição de Motivos do Projeto de Lei de iniciativa do Poder Executivo, a qual aponta que o surgimento dos Juros sobre o Capital Próprio (JCP) teve como interesse do legislador em (i) estimular o investimento direto na atividade produtiva, sem que, com isso, houvesse aumento do endividamento mediante empréstimos de terceiros; e (ii) equiparar o tratamento tributário das diversas modalidades de rendimento de capital, tornando interessante a opção pelo investimento direto em capital de risco (equity) em detrimento da assunção de dívidas (debt). CÂMARA DOS DEPUTADOS. Lei nº 9.249/1995. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1995/lei-9249-26-dezembro-1995-349062-exposicaodemotivos-149781-pl.html. Acesso em: 17 jun. 2022.

[10] EUROPEAN COMISSION. Future-proof taxation – Commission proposes new, ambitious business tax agenda. Disponível em: https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/en/ip_21_2430. Acesso em: 17 jun. 2022.

Yann Santos Teixeira, Tiago Conde Teixeira

Yann Santos Teixeira é mestre em Teoria do Direito pela New York University School of Law. Graduado em Direito pela UnB (Universidade de Brasília), com formação complementada por graduação sanduíche na Justus-Liebig Universität Gießen. Graduando em Filosofia pela UnB. Consultor e advogado.

Tiago Conde Teixeira é procurador-adjunto de Direito Tributário do CFOAB. Presidente da comissão de advocacia nos tribunais superiores da OAB-DF. Doutorando em Direito. Mestre em Direito Público pela Universidade de Coimbra (Portugal). Professor de Direito Tributário em cursos de graduação. Diretor da Abradt (Associação Brasileira de Direito Tributário). Graduado em Direito pelo Centro Universitário de Brasília. Consultor e advogado.

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