Sociologia do imposto: útil em tempos de reforma tributária

Edison Fernandes

O tributo é uma instituição social. Por isso, a reforma tributária deve ser avaliada à luz do seu impacto para a coletividade como um todo.

“O direito tributário não está na origem do imposto”. Essa é uma das muitas frases significativas de Marc Leroy, professor de Sociologia e de Finança da Universidade de Reims. Em seu livro “A sociologia do imposto” (São Paulo: JusPodium, 2021), ele alerta para a necessidade de a discussão sobre os tributos romper com o quase monopólio de juristas e economistas, incluo aí contabilistas. Isso porque o tributo é uma instituição social, com relação recíproca de causa e efeito com os comportamentos de indivíduos e a própria sociedade. Então, o tributo é também objeto da psicologia e da sociologia.

Essa visão multidisciplinar vem bem a calhar para avaliação da reforma tributária que supere as análises jurídicas, econômicas e contábeis.

Preocupado com a mudança tributária e a redistribuição da carga fiscal, bem como com os temas conexos da desigualdade e da redistribuição da renda, Marc Leroy constata: “A dificuldade é reunir o cidadão e o contribuinte na mesma concepção da justiça fiscal” (página 110).

Em seguida, explica o conceito sociológico da carga tributária suportada: “um indivíduo considera sua contribuição tributária para avaliar as retribuições do sistema tributário para ele e/ou para certos grupos e/ou para a coletividade em geral. Em seguida, se o indivíduo calcula ser tributado excessivamente, ou mais excessivamente do que os outros, ou não ter que pagar mais, ele tenderá a não aceitar a contribuição com vistas à redistribuição para os mais pobres” (páginas 110-111). E conclui: “Retoma-se a ideia de que a legitimidade política do Estado influencia a legitimidade da redistribuição fiscal” (página 111).

Ele poderia estar falando especificamente da tramitação da reforma tributária no Brasil de 2023.

A complexidade do atual sistema tributário brasileiro parece ser o único consenso social disponível. Sabe-se que a eliminação das particularidades da tributação reduz essa complexidade. No entanto, muitas vozes se manifestam contrariamente à ideia da unicidade dos tributos sobre o consumo: um único tributo com nenhuma ou pouquíssimas exceções.

Por outro lado, sabe-se também que o que estou chamando de unicidade dos tributos sobre o consumo (por falta de uma palavra melhor), ainda que com o compromisso constitucional de manutenção da carga tributária (e por causa dessa manutenção), implica reduzir essa carga de alguns setores em contrapartida de elevá-la para outros setores. Os primeiros apoiam irrestritamente a proposta, enquanto os últimos buscam argumentos para evitar as consequências para si.

Finalmente, há a percepção (ou “racionalidade cognitiva”, nas palavras do mesmo Marc Leroy) da carga tributária desmedida (ou “carga tributária sublimada”) – já tratada por Ives Gandra da Silva Martins na sua tese de doutoramento na década de 1970. Vale dizer: a carga tributária é percebida como excessivamente elevada frente ao retorno do Estado em serviços à população.

Considerada essa abordagem multidisciplinar, a reforma tributária, no que se deseja de justiça social, demanda um acordo para que todas as partes envolvidas assumam as suas responsabilidades: Poder Legislativo, Poder Executivo, Poder Judiciária, contribuintes e cidadãos.

Edison Fernandes

Doutor em Direito pela PUC-SP, professor da FGV Direito SP, titular da Academia Paulista de Letras Jurídicas

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