Os limites da aplicação da teoria da causa madura na esfera do Processo Administrativo Fiscal-Federal e quando da análise da Remessa de Ofício

Dalton Cesar Cordeiro de Miranda

1. Introdução

Com este pontual expediente voltaremos nossa atenção para a necessidade do julgador administrativo observar os limites da aplicação da "Teoria da Causa Madura", quando do exame de recurso de ofício alçado ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf); consignando que tal necessária reflexão não se deve dar tão somente sob as regras do Código de Processo Civil (CPC), mas, sim, e com bastante especificidade, à Lei nº 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Federal.

2. A Teoria da Causa Madura

Tempos atrás e a propósito da "Teoria da Causa Madura" quanto a seu aspecto processualístico civil, em apertadas linhas assim discorremos (1):

O Poder Executivo por intermédio da Mensagem nº 1.110 de 18.08.2000 encaminhou ao Congresso Nacional proposta de alteração ao Código de Processo Civil, então em vigência; destacando que, dentro das medidas que buscavam dar maior celeridade ao processo, sugestionava-se a criação de regra hoje insculpida no § 3º do art. 515 do CPC, denominada teoria da causa madura, esta objeto do presente trabalho.

Referida Mensagem foi publicada no "Diário da Câmara dos Deputados", sendo que como razões de acolhimento e aprovação da referida "Teoria", inserta no PL nº 3.474/2000, afirmou-se que se tratava de "sugestão que valoriza os princípios da instrumentalidade e da efetividade do processo, permitindo-se ao tribunal o julgamento imediato do mérito, naqueles casos em que o juiz não o tenha apreciado, sendo a questão exclusivamente de direito, a causa já esteja em condições de ser inteiramente solucionada".

Mencionado "Projeto de Lei" foi aprovado e convertido na Lei nº 10.352/2001, como aprovado também o foi o dispositivo do § 3º do art. 515 do CPC, sob a seguinte redação:

"Art. 515. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada.
(.)
§ 3º Nos casos de extinção do processo sem julgamento de mérito (art. 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento."

Não obstante os contornos de celeridade, "instrumentalidade" e "efetividade" que o legislador buscou dar ao processo com a edição da aludida Lei nº 10.352/2001 e, mais ainda e de forma específica, com a observação da teoria da causa madura pelos Tribunais ad quem, acreditamos que o amadurecimento de sua aplicabilidade – com aqueles contornos pretendidos – perdeu de todo sua eficácia com as inovações trazidas pelos institutos processuais denominados repercussão geral2 e recursos repetitivos,3 o que adiante será demonstrado em capítulo próprio deste estudo.

2. A TEORIA DA CAUSA MADURA

Costa Machado ao comentar o § 3º do art. 515 do CPC, em seu "Código de Processo Civil Interpretado", leciona que a teoria da causa madura, processualmente disciplinada, "significa importante avanço no campo da disciplina da profundidade (ou plano vertical) do efeito devolutivo dos recursos. (.) porque o dispositivo focalizado permite que, em razão de certas questões de mérito decididas pelo juiz na sentença terminativa (e, por conseguinte, em razão de uma certa abordagem do fundamento do pedido ou da defesa), o tribunal substitua (art. 512) tal sentença por um acórdão definitivo."

É imperioso aqui salientarmos que não há mais que se falar em possibilidade de violação ao duplo grau de jurisdição, não só porque desde a época em que submetida tal teoria da causa madura à avaliação legislativa, doutrina e jurisprudência tem rechaçado qualquer menção a possível mal ferimento àquele princípio (duplo grau de jurisdição).

No campo jurisprudencial, frisamos a bem do afirmado, o STF nos idos de 2010, reafirmando decisão consubstanciada em acórdão de Tribunal ad quem, concluiu que "A preliminar de nulidade por supressão de instância não procede. O art. 515, § 3º, do CPC consagrou a teoria da causa madura, que possibilita o julgamento do mérito pelo Colegiado ad quem, sempre que a questão seja somente de direito ou, sendo de direito e de fato, se a causa estiver preparada para esse fim. Nesses casos, o preceito permite que o tribunal julgue a lide, ainda que o juízo primaz não se tenha pronunciado sobre o mérito da causa". Eis então, em breves, mas suficientes linhas a apresentação pretendida da teoria da causa madura, regra de exceção processual que, nos ensinamentos de José Carlos Barbosa Moreira, convencido "do desacerto da sentença meramente terminativa, bem como da inexistência de outro óbice à apreciação do mérito, pode o tribunal, em vez de limitar-se a reformá-la e restituir os autos ao Juízo a quo", julgar desde logo o conflito em versando a causa questão exclusiva de mérito (§ 3º do art. 515 do CPC).

E a bem do desenvolvimento deste trabalho e para aquilo que nos interessa, faz-se relevante destacar que doutrina (2) e jurisprudência (3) de órgãos do Poder Judiciário têm se alinhado no sentido de que o princípio da vedação da reforma para pior pode ser afastado quando da aplicação da "Teoria da Causa Madura", inclusive na hipótese da remessa necessária, pois que é um dever do Tribunal aplicar mencionada "Teoria", imposto que lhe é pelo ofício de julgar.

Contudo e como veremos adiante, entendemos que na esfera do processo administrativo fiscal federal não há de se aventar a possibilidade do afastamento imediato do princípio do ‘reformatio in pejus’ quando do exame de Recurso de Ofício e para a atração aos julgamentos da "Teoria da Causa Madura", pois que há dispositivo legal próprio sinalizando para a abertura de manifestação anterior do contribuinte antes da conclusão do julgado, isto, frisamos, em sintonia com o princípio constitucional garantidor da ampla defesa e do contraditório (4).

E, mais, em tempos de hoje os julgadores administrativos não devem se apegar cegamente às regras processuais entabuladas no CPC, pois que cristalizado o entendimento de que a Lei nº 9784/99 exerce a função de norma geral, dirigindo o processo administrativo como um sistema processual que o é (5). Relembrando aqui que os Decretos nºs 70.235/72 e 7.574/2011 tão somente regulamentam o processo de exigência do crédito tributário.

3. O Recurso de Ofício no processo administrativo fiscal federal

Em consulta ao sítio eletrônico da Receita Federal do Brasil(6) encontramos as seguintes informações a propósito de Recurso de Ofício:

O Que é Recurso de Ofício?

A autoridade de primeira instância (Presidente de Turma da Delegacia da Receita Federal do Brasil de Julgamento) recorrerá de ofício sempre que a decisão:

I – exonerar o sujeito passivo do pagamento de tributo e encargos de multa de valor total (lançamento principal e decorrentes) superior a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais);

II – deixar de aplicar pena de perda de mercadorias ou outros bens cominada a infração denunciada na formalização da exigência.

O recurso será interposto mediante declaração na própria decisão.

O valor da exoneração acima referida deverá ser verificado por processo.

No Decreto nº 70.235/72, referido apelo segue previsto em seu artigo 34:

Art. 34. A autoridade de primeira instância recorrerá de ofício sempre que a decisão:
I – exonerar o sujeito passivo do pagamento de tributo e encargos de multa de valor total (lançamento principal e decorrentes) a ser fixado em ato do Ministro de Estado da Fazenda. (Redação dada pela Lei nº 9.532, de 1997) (Produção de efeito)
II – deixar de aplicar pena de perda de mercadorias ou outros bens cominada à infração denunciada na formalização da exigência.
§ 1º O recurso será interposto mediante declaração na própria decisão.
§ 2º Não sendo interposto o recurso, o servidor que verificar o fato representará à autoridade julgadora, por intermédio de seu chefe imediato, no sentido de que seja observada aquela formalidade.

E no Decreto nº 7.574/2011 disciplinam os artigos 70 e seguintes:

Art. 70. O recurso de ofício deve ser interposto, pela autoridade competente de primeira instância, sempre que a decisão exonerar o sujeito passivo do pagamento de tributo e encargos de multa de valor total (lançamento principal e decorrentes) a ser fixado em ato do Ministro de Estado da Fazenda, bem como quando deixar de aplicar a pena de perdimento de mercadoria com base na legislação do IPI (Decreto nº 70.235, de 1972, art. 34, com a redação dada pela Lei nº 9.532, de 1997, art. 67).
§ 1º O recurso será interposto mediante formalização na própria decisão.
§ 2º Sendo o caso de interposição de recurso de ofício e não tendo este sido formalizado, o servidor que verificar o fato representará à autoridade julgadora, por intermédio de seu chefe imediato, no sentido de que seja observada aquela formalidade.
Art. 71 . Não cabe recurso de ofício das decisões prolatadas, pela autoridade fiscal da jurisdição do sujeito passivo, em processos relativos a restituição, ressarcimento, reembolso e compensação de tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (Lei nº 10.522, de 2002, art. 27).
Art. 72. Enquanto não decidido o recurso de ofício, a decisão a ele correspondente não se torna definitiva (Decreto nº 70.235, de 1972, art. 42, parágrafo único).

Com aplicabilidade para o quanto está aqui sendo tratado, destacamos as previsões contidas na Lei nº 9784/99 em seus artigos 63, § 2º e 64:

Art. 63.
§ 2º O não conhecimento do recurso não impede a Administração de rever de ofício o ato ilegal, desde que não ocorrida preclusão administrativa.
Art. 64. O órgão competente para decidir o recurso poderá confirmar, modificar, anular ou revogar, total ou parcialmente, a decisão recorrida, se a matéria for de sua competência.
Parágrafo único. Se da aplicação do disposto neste artigo puder decorrer gravame à situação do recorrente, este deverá ser cientificado para que formule suas alegações antes da decisão.
Art. 64-A. Se o recorrente alegar violação de enunciado da súmula vinculante, o órgão competente para decidir o recurso explicitará as razões da aplicabilidade ou inaplicabilidade da súmula, conforme o caso.
Art. 64-B. Acolhida pelo Supremo Tribunal Federal a reclamação fundada em violação de enunciado da súmula vinculante, dar-se-á ciência à autoridade prolatora e ao órgão competente para o julgamento do recurso, que deverão adequar as futuras decisões administrativas em casos semelhantes, sob pena de responsabilização pessoal nas esferas cível, administrativa e penal. (destacamos)

Imperioso é de consignar que o julgamento do Recurso de Ofício pode culminar em decisões de ordem confirmadora, alteradora e supressivas; sendo (i) as confirmadoras aquelas que ratificam a solução adotada pela primeira instância administrativa e objeto do apelo em comento; (ii) a alteradora aquela que produz modificação à decisão recorrida; enquanto (iii) a supressiva é aquela proferida pela instância administrativa superior procedendo à anulação ou à revogação da decisão recorrida, de onde extraímos que a anulação se funda em motivos de legalidade, e a revogação em razões de mérito (7).

O questionamento que nos provoca ainda remanesce: pode a decisão em Recurso de Ofício reformar de modo mais gravoso a condição do contribuinte/recorrido, quando reclamado e atraído para a análise a "Teoria da Causa Madura"?

É o que veremos a seguir.

4. A atração da "Teoria da Causa Madura" para o julgamento de Recurso de Ofício pelo Carf e a não possibilidade de sua aplicação imediata quando da verificação da ‘reformatio in pejus’

No processo penal a proibição no agravamento para pior da decisão está insculpida no artigo 617 do Código de Processo Penal (CPP).

Como já apresentado neste expediente e na esfera do CPC, não obstante a inexistência de disposição legal específica, para a hipótese em que se atrai para o julgamento de reexame necessário a "Teoria da Causa Madura", sustentam, doutrinadores e julgadores, a possibilidade da ‘reformatio in pejus’ da decisão recorrida.

No campo do Direito Administrativo os ‘cortes’ acima não podem ser praticados de forma tão simplista, com o perdão do termo, uma vez que há aqueles que defendem a estrita observação à regra do CPP, e outros que defendem a possibilidade de ser revista e reformada para pior a decisão administrativa.

Promovendo a interpretação de dispositivo próprio da Lei nº 9.784/99, podemos afirmar que o legislador acolheu a possibilidade de ser agravada a situação do administrado, atenuando porém tal situação pela obrigação em que se encontra o julgador administrativo em permitir que a parte afetada possa apresentar ‘novas’ alegações.

Tal possibilidade de agravamento e, mais ainda, de apresentação e esgotamento do princípio da ampla defesa e do contraditório encontramos expressamente no artigo 64 daquela legislação, que em seu parágrafo único dispõe que "se da aplicação do disposto neste artigo puder decorrer gravame à situação do recorrente, este deverá ser cientificado para que formule suas alegações antes da decisão."

Assim e se por ocasião de julgamento de Recurso de Ofício em que atraída para espécie a "Teoria da Causa Madura", na hipótese de se aventar a ocorrência de ‘reformatio in pejus’ em desfavor do contribuinte/recorrido, deve o Colegiado conceder permissão à apresentação de razões de defesa antes da conclusão de tal julgamento, tudo, frisamos, em observação ao artigo 64, parágrafo único da Lei nº 9784/99 e inciso LV, do artigo 5º da Constituição Federal.

Até porque, lembremos aqui, o estado é na fase antecessora ao processo administrativo o fiscal da lei tributária e o ente exigente/lançador/cobrador dos supostos tributos devidos e, uma vez instaurado o processo, também o é o julgador de primeira instância administrativa por intermédio de suas Delegacias Regionais de Julgamento (DRJ/RFB). Não se pode então promover na esfera do Carf tão flagrante violação à lei e à Constituição, e em nome deste mesmo estado, na hipótese em que se buscar atrair a aplicação da "Teoria da Causa Madura" quando de julgamento de Recurso de Ofício em que se verifica possibilidade de agravamento da situação do contribuinte; inerte que estava em face de decisão administrativa recorrida que até então lhe aproveitava.

5. Conclusão

Esperamos que essas poucas luzes sejam jogadas sob o Carf para que, quando o momento exato chegar, evite aquele Tribunal Administrativo a prática de inconstitucionalidade, o contratempo e a ilegitimidade de se promover justiça fiscal de forma célere sob o fundamento de atrair a "Teoria da Causa Madura", na hipótese de julgamento de Recurso de Ofício, com provocação de ‘reformatio in pejus’ em desfavor do administrado; o que, por certo, ao invés de resultar na colheita de um fruto maduro (decisão administrativa), resultará sim – e ao contrário – em frutos podres ao chão (busca de revisão e reforma daquela decisão pelo Poder Judiciário).

Notas

(1) Revista Tributária e de Finanças Públicas | vol. 109 | p. 315 | Mar / 2013

(2) BARONI, Rodrigo. "A proibição da reformatio in pejus e o §3º do art. 515 do CPC" in: NERY JUNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). "Aspectos polêmicos e atuais dos Recursos Cíveis e de outros meios de impugnação às decisões judiciais. São Paulo: RT, 2005, p. 719.

(3) RESP 859.595, Segunda Turma do STJ, DJU I de 14/10/2008

(4) Art. 5º, LV, CF/88

(5) NEDER, Marcos Vinicius. "Processo administrativo fiscal federal comentado: (Decreto nº 70.235/72 e Lei nº 9.784/99", Marcos Vinicius Neder e Maria Teresa Martínez López. – 2ª ed. – São Paulo: Dialética, 2004, pp. 31/35.

(6) http://www.receita.fazenda.gov.br/TextConcat/Default.asp?Pos=8&Div=GuiaContribuinte/RecursoVoluntario/, acessado em 02/08/2014

(7) CARVALHO FILHO, José dos Santos. "Processo administrativo federal (comentários à Lei nº 9.784, de 29/1/1999)". Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2001, pp. 295-298

Dalton Cesar Cordeiro de Miranda

Advogado em Brasília. Pós-graduado em Administração Pública pela EBAP/FGV.

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