O STF e o fim da guerra fiscal, digo, do federalismo

Klauber Cristofen Pires

O fim da guerra fiscal pelo STF prejudicou o federalismo mas os privilégios fiscais continuarão por parte da União.

 

Conforme bem divulgado pelos jornais impressos e televisivos, o STF decidiu, por unanimidade, considerar inconstitucional que os estados federados instituam benefícios fiscais a empresas e setores econômicos sem prévia autorização do Conselho Nacional de Política Fazendária – Confaz.

 

Quem leu o parágrafo acima, deve ter estranhado o uso do termo "federado", absolutamente em desuso, pelo que não deixa de ter razão. Em estado de abandono realmente está, e não somente por implícita ou presumível correlação com a palavra "estado", mas por que o projeto de federação jaz completamente derrotado. O fato é que hoje vivemos em um estado unitário e centralizador em todos os sentidos e em em todas as esferas de nossas vidas, inclusive a privada e até a íntima.

 

A Constituição Federal de 1988, então apelidada de "cidadã" pelo falecido Ulisses Guimarães, eu a cunharia, no mínimo, de "a esquizofrênica", tantos são os seus dispositivos que aqui enunciam principios e direitos e logo ali os derroga com igual ou ainda maior ênfase. Assim é que o art. 5º, pretensamente proclamando a igualdade de todos perante a lei, tem dado lugar a tantas políticas e leis casuístas que seu valor tornou-se, quando muito, meramente residual. Da mesma forma, ao sujeitar o direito de propriedade a um critério abstrato de função social, deu azo a tantas exceções que estas acabaram por se tornar a norma. Ainda no mesmo artigo, dispõe-se que ninguém será obrigado a filiar-se a algum sindicato, mas estabelece o monopólio geográfico deste no território de um município e obriga os não associados a pagarem um imposto sindical.

 

Sem esgotar os casos flagrantes de vetores legais auto ou mutuamente anuláveis, ressalto aqui do Art. 60, § 4, I, que reproduzo abaixo para que o próprio leitor leia, contemple e reflita:

 

Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:

(…)

§ 4º – Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I – a forma federativa de Estado;

 

Agora, como pode ocorrer que a própria Constituição albergue em seu texto uma excrescência chamada de Confaz? Nada pode ser mais logicamente inconstitucional que esta organização! Ora, se um estado, ao editar uma lei tributária, deve antes pedir permissão não somente à União, mas também a um consórcio de outros estados que lhe equivalem em status de autonomia, onde está a sua? O conceito de autonomia é de natureza excludente: quem tem, faz com que outro não a tenha. Se alguém tem a palavra sobre algo que é meu, então eu não tenho autonomia sobre esta coisa.

 

Desta forma, o STF pisou mais uma vez na cabeça do federalismo com o seu julgado. Absolutamente despido de qualquer ânimo de exagero, não há mais que se falar em entes federados no Brasil. Sequer são províncias, mas antes, departamentos ou distritos.

 

Agora vamos à questão: a quem importa combater o que demagogicamente recebeu o epíteto de "guerra fiscal"? Tomem justamente o teor da expressão como pista e verão: importa ao cartel da ineficiência administrativa, bem como justamente aos defensores do centralismo que hoje concentra mais de 80% de toda a arrecadação tributária do país!

 

Nos noticiários da tv, tão maniqueístas desde há um bom tempo, tiveram a palavra juristas que obviamente laurearam a decisão com base em suas próprias convicções centralistas, sem que houvesse uma só oportunidade para se discutir as consequências funestas por parte de quem tem a defender o federalismo autêntico e o princípio da subsidiariedade.

 

Em um artigo anterior, intitulado "Guerra Fiscal? Competição Tributária!", rebatizei a expressão segundo uma visão mais objetiva e fidedigna, livrando assim o fenômeno de sua carga demagogo-populista-conclamatória, no qual escrevi: "Portanto, se estamos mais acertadamente a falar de uma competição tributária do que de algo tão equivocado quanto "guerra fiscal", é de se perguntar: que mal poderia haver em uma saudável competição entre os estados da federação, de modo a permitir que emerjam aqueles que demonstrem exercer governos mais enxutos e mais eficientes, ou sucintamente, aqueles que podem fazer mais por menos? O que incomoda os opositores de tal idéia? Que os cidadãos se dêem ao justo direito de votar com os pés?"

 

Sim, meus amigos, prestem atenção muito nisto: "votar com os pés"; isto é tudo o que governante nenhum no mundo quer assistir! Não à toa que nos regimes comunistas as pessoas são simplesmente proibidas de saírem dos seus países, como ainda acontece em Cuba: ali já vige o estado de escravidão absoluto.

 

As políticas tributárias consistiam-se em um dos principais dentre os pouquíssimos instrumentos que os governos estaduais tinham à mão para desesperadamente promover algum desenvolvimento em suas respectivas unidades – riam ou chorem – federativas. Doravante, os governadores, que por estarem mais próximos de seus administrados detêm maior conhecimento sobre as necessidades regionais, serão irrecorrivelmente substituídos por intendentes que nem sequer sairão de suas confortáveis cadeiras no Planalto Central para tomar as suas decisões. Haveremos todos de nos curvar à sapiência e benevolência de burocratas desconhecidos barbudinhos com um broche de uma estrela na lapela, à mercê dos seus humores, vaidades e caprichos ideológicos. E a carga tributária se viu diante de uma grande pedra retirada de seu caminho.

 

Certamente, estou aqui a defender o princípio federativo, mas tome-se por certo que não com ele as privilegiadas concessões a determinadas empresas ou determinados setores, agora sim por um autêntico e fundamental direito constitucional, qual seja, o da igualdade de todos perante a lei. Não há que se negar o mal-uso desta faculdade, enquanto tivera vigência de fato ou de direito, pois o governante que assim procede distorce a economia e falseia os prognósticos para os agentes econômicos, além de beneficiar uns cidadãos às custas de outros.

 

No momento em que este ou aquele tipo de facilidades são instituídas, digamos, em prol da construção civil, da aquisição de automóveis ou de eletrodomésticos, todos os outros investimentos que seriam naturalmente dirigidos para o que o mercado entende que seriam as necessidades mais urgentes e básicas da população ficam preteridas, e o resultado final de tal malograda política é a de criar uma abundância em um setor, acompanhada de uma carência em todos os demais, seguido por um inevitável rompimento da bolha, com o doloroso processo natural de reacondicionamento a uma situação de reajuste, na forma de calotes, falências e desemprego.

 

Com a decisão do STF, teremos a perda da primeira das consequências, isto é, do federalismo, mas ao contrário do que se pode pensar à primeira vista, as concessões particularistas perdurarão, senão de forma ainda pior, pois a partir de então protagonizadas pelo governo federal.

Klauber Cristofen Pires

Analista Tributário da Receita Federal do Brasil, Bacharel em Ciências Náuticas, Especialista em Direito Tributário "Lato Sensu" pela ESAF/UFPA e Graduando em Direito pela Faculdade Integrada Brasil-Amazônia (FIBRA) em Belém (PA).

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