O recurso ordinário trabalhista numa casca de noz

Julio Pinheiro Faro

O art. 895 da CLT  dispõe sobre o cabimento do recurso ordinário contra decisões definitivas ou terminativas de processos decididos nas varas do trabalho (VT) ou nos tribunais regionais do trabalho (TRT) em razão das respectivas competências originárias, sempre no prazo de oito dias.

“Cabe recurso ordinário para a instância superior: I – das decisões definitivas ou terminativas das Varas e Juízos, no prazo de 8 (oito) dias; e II – das decisões definitivas ou terminativas dos Tribunais Regionais, em processos de sua competência originária, no prazo de 8 (oito) dias, quer nos dissídios individuais, quer nos dissídios coletivos”.

Apesar da nomenclatura utilizada, o recurso ordinário trabalhista (ROT) é completamente diferente dos recursos ordinários para o STF (art. 102, II, CF/88) e para o STJ (art. 105, II, CF/88), sendo as matérias apreciáveis muito distintas.
 
“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: II – julgar em recurso ordinário: a) o habeas corpus, o mandado de segurança, o habeas data e o mandado de injunção decididos em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão; b) o crime político”.

“Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: II – julgar em recurso ordinário: a) os habeas corpus decididos em única ou última instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão for denegatória; b) os mandados de segurança decididos em única instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando denegatória a decisão; c) as causas em que forem partes Estado estrangeiro ou organismo internacional, de um lado, e, do outro, Município ou pessoa residente ou domiciliada no País”.

Portanto, há diferença entre o recurso ordinário trabalhista e o constitucional.

Ademais, a doutrina tem defendido uma alteração na nomenclatura, para que se possa melhorar a terminologia jurídica. A mudança seria para o nomen juris de apelação, que, de fato, é a função desempenhada pelo ROT. Como aponta Bezerra Leite (2010, p. 757), pontos de divergência entre as espécies recursais não compromete o uso de nomenclatura idêntica. Aliás, uma das diferenças é que a apelação cabe tanto das decisões proferidas no processo de conhecimento quanto no processo de execução, enquanto que o ROT somente cabe contra as decisões proferidas no processo cognitivo trabalhista, pois no processo de execução trabalhista, o recurso cabível é o agravo de petição, conforme o art. 897, a, da CLT.

“Cabe agravo, no prazo de 8 (oito) dias: a) de petição, das decisões do Juiz ou Presidente, nas execuções”.

Do art. 895 da CLT é possível extrair que as principais hipóteses de cabimento do ROT são aquelas em que se pretende atacar as decisões definitivas (que resolvem o mérito) ou as decisões terminativas (que não resolvem o mérito).

A literalidade do dispositivo permite concluir que não são só as decisões finais (sentenças, decisões monocráticas ou acórdãos) que estão sujeitas ao ROT, mas também algumas decisões interlocutórias. As chamadas decisões interlocutórias terminativas do feito, como é o caso das decisões sobre as exceções de incompetência, estão sujeitas a ROT também, na forma do art. 799, §2º, da CLT.

“Das decisões sobre exceções de suspeição e incompetência, salvo, quando a estas, se terminativas do feito, não caberá recurso, podendo, no entanto, as partes alegá-las novamente no recurso que couber da decisão final”.

A Súmula 214, do Tribunal Superior do Trabalho (TST) é indicativa do entendimento jurisprudencial sobre a questão e ainda traz mais duas hipóteses de decisões interlocutórias atacáveis por ROT.

“Na Justiça do Trabalho, nos termos do art. 893, §1º, da CLT, as decisões interlocutórias não ensejam recurso imediato, salvo nas hipóteses de decisão: a) de Tribunal Regional do Trabalho contrária à Súmula ou Orientação Jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho; b) suscetível de impugnação mediante recurso para o mesmo Tribunal; c) que acolhe exceção de incompetência territorial, com a remessa dos autos para Tribunal Regional distinto daquele a que se vincula o juízo excepcionado, consoante o disposto no art. 799, §2º, da CLT”.

Nesse sentido, a recorribilidade mediante ROT das decisões interlocutórias é excepcional, porquanto pelo art. 893, §1º, da CLT, elas sejam irrecorríveis:

“os incidentes do processo são resolvidos pelo próprio Juízo ou Tribunal, admitindo-se a apreciação do merecimento das decisões interlocutórias somente em recursos da decisão definitiva”.

Assim, há que se prestar atenção às hipóteses de cabimento usuais: contra as decisões finais com ou sem resolução do mérito. Há, pois, que se retomar o art. 267 do Código de Processo Civil (CPC), que traz as hipóteses em que o processo se extinguirá sem a resolução do mérito, e o art. 269 do CPC, que contempla as hipóteses em que o processo será extinto com a resolução do mérito. Deve-se observar, porém, dentre as hipóteses do art. 269 do CPC, que, na Justiça do Trabalho (JT), as decisões homologatórias de transação (art. 269, III, do CPC) são irrecorríveis por força do art. 831, parágrafo único, da CLT, e pela Súmula 259 do TST.

Dentre as hipóteses específicas de competência originária dos TRT, pode-se especificar o cabimento de ROT em caso de ação rescisória (Súmula 158 do TST), mandado de segurança (Súmula 201 do TST), ação anulatória, ação cautelar, ação declaratória, agravo regimental, dissídio coletivo, habeas corpus e habeas data (art. 225 do Regimento Interno do TST).

Há que se observar, também, a Súmula 414, I, do TST.

“A antecipação da tutela concedida na sentença não comporta impugnação pela via do mandado de segurança, por ser impugnável mediante recurso ordinário”.

E, por fim, o art. 7º, caput, da Lei 7.701/88.

“das decisões proferidas pelo Grupo Normativo dos Tribunais Regionais do Trabalho, caberá recurso ordinário para o Tribunal Superior do Trabalho”.

Há, porém, decisões finais que não admitem ROT. A Lei 5.584/70, em seu art. 2º, §4º, traz uma das hipóteses: salvo se versarem sobre matéria constitucional, não caberá recurso contra as sentenças proferidas nos dissídios de procedimento sumário, cujo valor da causa seja igual ou inferior a dois salários mínimos. Outra hipótese é trazida pela Orientação Jurisprudencial (OJ) n. 5, do Pleno do TST.

“Não cabe recurso ordinário contra decisão em agravo regimental interposto em reclamação correicional ou em pedido de providência”.

Quanto aos efeitos do ROT, a CLT contempla poucos dispositivos, sendo necessário que se aplique subsidiariamente os dispositivos do CPC. A CLT é deficitária em dispositivos dessa espécie, podendo-se citar, no entanto, o importante art. 899, cujo caput prevê que os recursos sejam interpostos por simples petição e tenham efeito meramente devolutivo, em regra. Diante da falta de maiores especificações na Consolidação, utilizam-se as regras contidas nos artigos do CPC referentes à apelação (arts. 515 a 521). Assim, é possível afirmar que o ROT devolve ao juízo ad quem o conhecimento da matéria impugnada, inclusive as questões suscitadas e discutidas no processo não julgadas por inteiro e aquelas anteriores à decisão final, mas ainda não decididas.

Admite-se, também, uma ampliação do efeito devolutivo, com base no art. 515, §§1º-2º, do CPC, que, adequado ao ROT, permite que o juízo ad quem analise fundamentos que, alegados pelas partes em sua petição inicial ou de defesa, não foram acolhidos pelo juízo a quo. No entanto, o TST entende que o efeito devolutivo em profundidade do ROT, que se extrai do §1º do art. 515 do CPC, transfere automaticamente ao Tribunal a apreciação de fundamento da defesa não examinado pela sentença, ainda que não renovado em contrarrazões, mas não no caso de pedido (Súmula 393). Ou seja, o dispositivo do CPC seria apenas parcialmente aplicável na seara trabalhista.

Ademais, é desnecessário dizer que no caso de matérias de ordem pública, as quais devem ser conhecidas de ofício pelo magistrado, independem de arguição pelo recorrente, uma vez que poderiam ser conhecidas a qualquer tempo em qualquer grau de jurisdição. Tal efeito é permitido pelo art. 516 do CPC, chamado de efeito translativo.

Ainda dentro do efeito devolutivo, fala-se de um efeito expansivo, extraível do art. 515, §3º, do CPC. Isso permite uma maior amplitude da decisão do ROT em face da decisão por ele atacada.

O efeito devolutivo admite também que sejam devolvidas as questões de fato que não foram propostas no juízo inferior, desde que a parte prove que deixou de fazê-lo por motivo de força maior (art. 517 do CPC).

Em relação à possibilidade trazida pelo art. 518, §1º, do CPC, a doutrina diverge sobre sua aplicação. Trata-se da chamada súmula impeditiva de recursos. Os autores que entendem ser inaplicável argúem que a regra é inibitória à atuação dos magistrados, impedindo que eles formem o seu livre convencimento, “seja porque confere à Súmula impeditiva de recurso um status maior que a própria lei, seja também porque impossibilita, ou ao menos dificulta, a modificação, renovação e atualização das Súmulas do TST”, conforme aponta Renato Saraiva (2009, p. 544).

Os que entendem ser aplicável afirmam que o referido dispositivo “está coerente com o princípio da celeridade processual e teve em mira a valorização da jurisprudência sumulada”, de acordo com Bezerra Leite (2010, p. 755). De fato, a súmula impeditiva de recursos confere celeridade ao processo e, além disso, traz também segurança jurídica, pois “a aplicação não uniforme do direito objetivo pelos tribunais cria insegurança e leva incerteza aos negócios jurídicos”, na acepção de Pedro Miranda de Oliveira (2005, p. 593), devendo-se, é claro, para não tolher garantias constitucionais e funcionais, observar-se, com a aplicação do dispositivo, que haja um prévio e exaustivo contraditório sobre as questões que foram sumuladas, no apontamento feito por Cassio Scarpinella Bueno (2006, p. 33).

Ademais, é preciso que a regra do art. 518, §1º, do CPC, seja interpretada de maneira restritiva, mesmo nos processos cíveis, já que “o recorrente pode trazer ao processo nova razão ou questão que renove a discussão da demanda”, no entendimento de Julio Pinheiro Faro (2008, p. 129), de modo que, não havendo nada de inovador, o magistrado a quo, no primeiro juízo de admissibilidade, poderá não receber o recurso com base na existência de súmula impeditiva de ROT, devendo, ainda assim, enviá-lo ao juízo ad quem, para que este faça o segundo juízo de admissibilidade, decidindo pelo seu conhecimento ou não, ainda que com o mesmo fundamento: existência de súmula que impeça o ROT.

O efeito suspensivo é excepcional, podendo ser obtido mediante ação cautelar, conforme a Súmula 414, I, parte final, do TST, de que a ação cautelar constitui-se no meio próprio para se obter efeito suspensivo em recurso. Todavia, há uma tendência em se restringir o efeito suspensivo em RO. A OJ 113, da Seção de Dissídios Individuais 2 (SDI-2) do TST, considera, por exemplo, que  é incabível medida cautelar para dar efeito suspensivo a recurso interposto contra decisão proferida em mandado de segurança.

Referências

BEZERRA LEITE, Carlos Henrique. Curso de direito processual do trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2010.

BUENO, Cassio Scarpinella. A nova etapa da reforma do Código de Processo Civil: comentários sistemáticos às Leis 11.276, de 07.02.2006, 11.277, de 07.02.2006, e 11.280, de 16.02.2006. São Paulo: Saraiva, 2006, vol. 2.

OLIVEIRA, Pedro Miranda de. A (in)efetividade da súmula vinculante: a necessidade de medidas paralelas. In: ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa et alii (coord.). Reforma do Judiciário: primeiros ensaios críticos sobre a Emenda Constitucional n. 45/2004. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

PINHEIRO FARO, Julio. Breve estudo sobre as decisões de efeito vinculante no sistema processual brasileiro. Revista de Processo, vol. 160. São Paulo: Revista dos Tribunais, jun. 2008.

SARAIVA, Renato. Curso de direito processual do trabalho. 6. ed. São Paulo: Método, 2009.

Julio Pinheiro Faro

Mestre em Direitos e Garantias Fundamentais pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV); Professor Substituto nos Departamentos de Administração, Direito, Economia e Serviço Social da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES); Professor do Curso de Direito da Faculdade Estácio de Sá em Vitória (FESV); Professor da Pós-Graduação em Direito Público da Faculdade Estácio de Sá em Vila Velha (FESVV); Diretor Secretário-Geral da Academia Brasileira de Direitos Humanos (ABDH); Coordenador do Núcleo de Prática e Trabalho de Conclusão em Direito na FESV; Membro Consultor da Câmara de Pesquisa da FESV; Secretário da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB/ES; Pesquisador vinculado ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu da FDV; Advogado Sócio de Homem de Siqueira & Pinheiro Faro Advogados Associados; Consultor Jurídico.

E-mail: julio.pfhs@gmail.com

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