O INSS é de marte… e é para lá que eu vou!
Marjory Fornazari Pace
Análise Crítica das bases atuariais do INSS (fontes de custeio versus benefícios e assistências sociais)
O presente artigo funda-se na Dissertação de Mestrado apresentada pela Autora em 26/04/2010 na PUC/SP sob a orientação do Professor Dr. Paulo de Barros Carvalho intitulada “A tributação das contribuições previdenciárias sob o enfoque da semiótica”.
A Previdência Social – um dos pilares da Seguridade Social (art. 193 da CF) – é um sistema de seguro social destinado aos trabalhadores (empregados urbanos e rurais, prestadores de serviços, avulsos e domésticos) nela inscritos que consiste na cobertura de riscos e contingências, como invalidez, morte, doença, reclusão, maternidade e velhice. Em pesquisa ao site do Ministério da Previdência, encontrou-se a seguinte definição:
A Previdência Social é o seguro social para a pessoa que contribui. É uma instituição pública que tem como objetivo reconhecer e conceder direitos aos seus segurados. A renda transferida pela Previdência Social é utilizada para substituir a renda do trabalhador contribuinte, quando ele perde a capacidade de trabalho, seja pela doença, invalidez, idade avançada, morte e desemprego involuntário, ou mesmo a maternidade e a reclusão.
E, por se tratar de um seguro social destinado especificamente aos trabalhadores que a ele são filiados, num caso autêntico de parafiscalidade necessária, é gerido pelo Instituto Nacional de Seguridade Social.
A remissão que o título deste artigo faz à obra teatral “Os homens são de Marte…e é para lá que eu vou!” é extremamente pertinente, pois da mesma forma que a roteirista Mônica Martelli explora a busca incessante e obstinada das mulheres solteiras por um grande amor, este artigo pretende demonstrar, através de dados concretos, que a verdadeira causa do déficit que o sistema previdenciário brasileiro apresenta atualmente, se deve ao perfil obstinado do cidadão brasileiro em estar, constantemente, de alguma forma, se beneficiando do Sistema de Seguridade Social por meio de algum dos benefícios oferecidos, sejam os previdenciários, sejam os assistenciais.
Em recente programa de canal popular que retrata fielmente as tendências comportamentais da sociedade brasileira, foi tirado o seguinte diálogo dos seus personagens: “O que vocês realmente querem? Invalidez Permanente!”. 1
O desejo do cidadão brasileiro de ter acesso aos benefícios securitários (no vulgo popular “se encostar no INSS”) é muito e as inúmeras aposentadorias precoces, bolsas famílias, LOAS,
entre outros benefícios concedidos é a grande prova disso. Isso significa uma gama enorme de inativos (ou seja, de pessoas que devem receber benefícios previdenciários) e poucos ativos para efetivamente contribuir para o sistema de Seguridade Social, fato esse que indubitavelmente desequilibra as bases atuariais do INSS tanto para as gerações atuais, como para as gerações futuras, pois não se pode perder de vista que o sistema da seguridade social funciona segundo projeções baseadas em variações demográficas, econômicas e institucionais, abrangendo, no mínimo, um horizonte de 20 (vinte) anos (art. 96 da Lei 8.212/91).
O INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social) é responsável não somente pelos benefícios previdenciários (aposentadorias, pensões por morte, auxílios-doenças, auxílios-acidentes, auxílios-reclusão e salários-maternidade), mas também, pelos assistenciais (LOAS para idoso e para deficientes e bolsas famílias).
Para manter o seu equilíbrio financeiro e atuarial (art. 201, caput da CF) o INSS deve estar equalizando as fontes de custeio (contribuições sociais previdenciárias dos empregados, patronais e demais trabalhadores segurados (autônomos [prestadores de serviços], avulsos e domésticas), receita de concursos prognósticos, receita das importações e repasse da União com a arrecadação das demais contribuições sociais, COFINS, CSLL, PIS, PASEP) com o montante de benefícios e serviços a serem pagos – é a regra da contrapartida prevista no art. 195, § 5º do Texto Constitucional, in verbis:
“Art. 195 (…)
(…)
§ 5º – Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total”.
Contudo, essa regra de contrapartida, nos últimos tempos, tem sido flagrantemente violada, pois as fontes de custeio do INSS não têm dado conta dos inúmeros benefícios (previdenciários e assistenciais) pagos mensalmente para seus segurados, o que significa dizer que os dispêndios são enormes e as contribuições são cada vez menores. Somente as contribuições sobre folha de pagamento não são suficientes para financiar toda essa despesa. Há, por exemplo, cerca de 9 (nove) mil segurados beneficiários com mais de 100 (cem) anos.
Em Congresso recentemente ministrado em São Paulo2 o ilustre jurista e professor WAGNER BALERA afirmou que os números são alarmantes, assustadores e que há um risco enorme de não haver fundos para as gerações futuras. E acrescentou que a única alternativa seria uma Reforma Previdenciária, que já está atrasada em 25 anos no Brasil, a qual deveria logo de plano estabelecer uma idade mínima para a aposentadoria com base na sobrevida dos segurados.
Fala-se atualmente numa longevidade de 74 (setenta e quatro) anos; o que significa, objetiva e numericamente, que os benefícios previdenciários, obrigações de prestação continuada, estão se estendendo cada vez mais e gerando um ônus financeiro cada vez maior ao INSS.
Fora a cobertura assistencial que o INSS também suporta e tem aumentado cada vez mais.
O INSS é de Marte e é para lá que todos os segurados querem ir. Esse perfil do segurado brasileiro está custando muito caro para o país, para empregados e empregadores, transcendendo todas as regras de contrapartidas até então conhecidas, desequilibrando todo o sistema atuarial do INSS.
Nem mesmo com a criação do fator previdenciário (elemento que leva em conta a idade do beneficiário, projetando, em tempo, o gasto que ele representará para a Autarquia) foi possível equilibrar essa balança previdenciária. Até hoje funcionou como mero paliativo.
E exatamente nesse contexto que entrou em vigência a MP 676/2005, trazendo uma tabela progressiva de pontos, iniciando-se com 85/95 (a soma da idade com o tempo de contribuição 85 para mulher e 95 para homem) até 2022. Esse documento normativo foi elaborado justamente em razão da alta expectativa de vida do brasileiro; ou seja, em decorrência da taxa de sobrevida que tem representado um ônus enorme ao INSS e certamente é uma das principais causas de seu déficit.
É oportuno deixar claro que não se pretende, em absoluto, preterir o direito constitucional dos segurados da previdência social em obter benefício social em casos de doença temporária e permanente, morte, idade avançada, maternidade, desemprego e prisão (art. 201 da CF), ao contrário, pretende-se resguardar: quanto mais se puder manter estáveis os recursos geridos pelo INSS, melhor ele poderá atender os contingentes sociais de seus contribuintes segurados.
O INSS é uma Autarquia que gere um seguro social fechado; ou seja, ele administra os recursos das contribuições efetivadas por empregados, empregadores e demais trabalhadores contribuintes. E, como qualquer outro seguro, os recursos obtidos dessas contribuições servem estritamente para financiar sinistros. No caso da Previdência Social, os recursos devem ser utilizados para cobrir especificamente os benefícios, nos casos dos “sinistros” previstos nos incisos do art. 201 da CF.
O INSS somente retribui na forma de benefício para quem lhe contribuiu.
Quer se dizer com isso que o INSS não é um órgão gerador de renda, nem como renda principal, nem como renda complementar. Melhor dizendo, o INSS não é meio de vida.
E é justamente com essa visão deturpada de “meio de vida” que muitos brasileiros querem ir a Marte, desestabilizando, assim, todas as bases atuariais do sistema, o que onera o contribuinte cada vez mais. Enquanto essa cultura prevalecer, não haverá qualquer tipo de lei que conseguirá manter a estabilidade dos recursos da previdência.
1 Programa Pé na Cova exibido na Rede Globo em 11/04/2013.
2 Congresso de Direito Previdenciário da OAB/SP em 03/03/2012.
Marjory Fornazari Pace
Advogada especialista em Direito Tributário pelo IBET/SP e mestra pela PUC/SP. Professora de Direito Tributário e Coordenadora do Curso de Direito da Faculdade Praia Grande - FPG