Escrituração Fiscal Digital (EFD) e os estoques dos estabelecimentos supermercadistas

Ricardo Paz Gonçalves

Entre nós que militamos no mundo empresarial não é mais fato desconhecido a obrigatoriedade, bem como os prazos e condições para a entrega no ambiente SPED da EFD das contribuições para o PIS e para a COFINS. Tal obrigação acessória representa verdadeira revolução no relacionamento Fisco X contribuinte e, em que pese os percalços, investimentos e transtornos oriundos de sua implementação, queremos crer que a médio prazo trará às empresas ao menos o benefício de inibir a sonegação estimulando a competição sadia em igualdade de condições.

É lamentável, entretanto, que o advento desta obrigação acessória dê-se em um cenário onde as empresas veem-se soterradas em um verdadeiro cipoal de normas e regras controversas e de difícil interpretação. É igualmente lamentável que os departamentos contábeis e de T.I. das empresas tenham que mais uma vez sacrificar as verdadeiras finalidades de suas funções em favor da sanha arrecadatória do Fisco.

Oxalá um dia a população em geral terá consciência do tempo e da quantidade absurda de dinheiro despendida pela iniciativa privada com a comezinha tarefa de cumprir com os deveres instrumentais exigidos pelo Fisco bem como a de apurar o quanto deve ser pago a ele a título de tributos.

Feitas as críticas e ressalvados os méritos da EFD e do ambiente SPED, cumpre-nos abordar tema inquietante que nos tem afligido no cumprimento de nossas tarefas de assessoramento a empresas do segmento supermercadista. Ocorre que a operacionalidade dos supermercados conta com peculiaridades sui generis que tornam se não impossível, no mínimo preocupante, sua plena adequação ao ambiente SPED da forma como hoje concebido.

Isso porque o EFD PIS/COFINS exigirá das empresas a ela obrigadas a informação no início e no fim de cada exercício da totalidade dos estoques existentes na abertura e no fechamento do balanço. De posse desta informação e sabedor da quantidade por item de mercadorias compradas e vendidas por cada empresa no respectivo exercício, poderá o Fisco averiguar se o estoque final corresponde ao estoque inicial, mais (+) as entradas, menos (-) as saídas registradas.

A fórmula corresponde ao famigerado levantamento físico quantitativo realizado in loco há décadas pelo Fisco através de auditorias e procedimentos fiscais, na maioria das vezes, sujeitos a falhas humanas e passíveis de contestação pelo contribuinte. Agora, entretanto, essa auditoria passará a ser feita em tempo real e em larga escala a partir de informações prestadas pelo próprio contribuinte.

Até aqui temos uma amostra da inteligência, da evolução e da competência do Fisco no exercício de seu mister. Pois esses atributos deveriam ser empregados no reconhecimento de peculiaridades do setor supermercadista que o diferem dos demais e que impossibilitam que aquela lógica seja aplicada sem a devida moderação para as empresas do setor, conforme pretendemos demonstrar neste breve artigo.

É corriqueiro, por exemplo, que supermercados mantenham funcionando padarias no interior de seus estabelecimentos. Para abastecer e fornecer insumos a estas padarias estes estabelecimentos compram farinha, açúcar, fermento, etc. Ocorre que a farinha, o açúcar e o fermento que se transformam em pão são os mesmos que concomitantemente abastecem as gondolas e são vendidos ao consumidor. Forçoso, pois, concluir que com a exposição ao ambiente SPED o estoque inicial, mais entradas, menos saídas de farinha não coincidirá com o estoque final do produto. Isso porque parte desta farinha saiu como pães, bolos, tortas, etc. Estes pães, bolos e tortas por sua vez sairão sem que haja uma compra ou entrada que lhes dê procedência.

Situação análoga ocorre em decorrência da compra de um traseiro bovino que acaba saindo parte como cortes menores, parte como refeições, ou parte como embutidos. Cereais e hortifrutigranjeiros, por sua vez, podem sair in natura ou como refeições prontas. Existe, enfim, uma série de situações onde parte da mercadoria comprada para revenda transforma-se dentro do estabelecimento em outras mercadorias vindo a ser vendidas posteriormente sob outra forma ou natureza.

Um olhar torpe sobre tal circunstância concluiria pela ocorrência de omissão de receitas em razão da diferença nos estoques e pela compra de mercadorias sem nota em razão da saída sem origem, algo que evidentemente não ocorre.Por outro lado, não é razoável que esta peculiaridade sirva de subterfúgio para que empresas possam a seu bel prazer comprar ou vender mercadorias sem nota, fugindo do controle do Fisco e frustrando os objetivos do EFD/SPED. Para que a distinção entre uma situação e outra não dependa exclusivamente do arbítrio ou da subjetividade do fiscal que está de plantão, é preciso que normas de ordem pública definam parâmetros claros e objetivos nos quais possam as empresas se amparar.

Deve ser reconhecido ainda que em função da quantidade de mercadorias e volume de operações é natural e comum que o inventário dos estoques de supermercadistas não tenha a precisão e rigorismo que sugere o ambiente SPED. No dia a dia de um supermercado mercadorias perecem, são furtadas, equívocos ocorrem no PDV, fornecedores enviam lotes faltando ou sobrando itens em volumes que só podem ser conhecidos meses depois da entrega ou, simplesmente, se forem feitas dez contagens num universo de cinquenta mil itens chegar-se-á provavelmente a dez números diferentes.

É por tais razões que, pensamos, devem os Fiscos estadual e federal manifestar-se no sentido de tornar pública e conhecida a forma como irão interpretar tais circunstâncias. A nosso ver o preocupante é que se o bom senso do agente fiscal falhar – o que não chega a ser raro – ou a tarefa de interpretar os fatos for delegada a um computador, não lhes faltará amparo legal para autuar o contribuinte de boa-fé que terá de mover mundos e fundos para provar sua inocência.

Ricardo Paz Gonçalves

Advogado inscrito na OAB-RS sob nº 75.209. Extensão em Gestão Tributária Empresarial pela FEEVALE. Consultor externo do Sebrae-RS nas áreas de Políticas Públicas e Desenvolvimento de Metodologias. Membro ativo da Fundação Escola Superior de Direito Tributário (FESDT). Sócio da Affectum e SPGonçalves.

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