Dedutibilidade de despesas compartilhadas da base de cálculo do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas

Rodolfo Zanutto Velasques

Introdução

Diante da globalização e dos sucessivos atos de concentração de empresas que dela advém, tornou-se comum o uso de serviços administrativos compartilhados, exercidos seja por uma das empresas do grupo ou mesmo por uma pessoa jurídica criada com esta finalidade.

Referida estrutura organizacional, além de padronizar procedimentos, visam à redução de custos, tempo e esforços, bem como a otimização da eficiência na execução e contratação de serviços terceirizados (CASTRO, 2010, p.91).

Conforme exemplifica Leonardo Freitas de Moraes e Castro (2010, p.91), os serviços administrativos mais comumente rateados e compartilhados são os de administração, informática, contas a receber, contas a pagar, tesouraria, financeiro, contabilidade, fiscal, tributário, recursos humanos e jurídico.

Entretanto, os custos dos serviços compartilhados não abrangem apenas os salários dos profissionais contratados para a consecução destes, mas também com uso ou locação do imóvel ocupado por estes, energia elétrica, água, telefonia, informática, bem como todos os demais encargos financeiros, tributários e econômicos de um escritório de prestação de serviços ou unidade administrativa.

Quando um grupo econômico decide pela não constituição de uma pessoa jurídica para a prestação dos serviços compartilhados (organização que será objeto do presente trabalho), geralmente estes acabam sendo realizados pela maior empresa do grupo, assim entendida aquela que detém maior poder econômico ou negocial, ou ainda àquela responsável pela aquisição de todas as demais empresas do grupo. Geralmente esta é conhecida como “empresa líder”.

Esta realidade traz a premente necessidade de adoção de políticas de rateio de despesas ou como também é conhecida “cost shearing agreements”.

Isto por que, tanto do ponto de vista econômico, financeiro e tributário, não é aceitável que apenas uma empresa arque com as despesas dos serviços que são compartilhados por todas as demais empresas do conglomerado.

Entretanto, embora seja uma questão extremamente atual e de utilidade para os grandes grupos instalados no país, não há no ordenamento jurídico tributário brasileiro normatização específica para o assunto, restando, então, a doutrina e a jurisprudência criarem parâmetros para utilização do instituto e refletir acerca da tributação que o envolve.

Assim, uma vez definidos os critérios de rateio das despesas com serviços compartilhados prestados por apenas uma empresa do grupo, bem como a forma do repasse destas para as empresas que se beneficiam dos serviços compartilhados (conhecidas por “empresas beneficiárias”), é importante identificar (i) a natureza jurídica das referidas despesas, bem assim a (ii) natureza jurídica do reembolso destas, para fins do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica, na empresa líder que exerce os serviços compartilhados e (iii) a possibilidade de dedução das mesmas da base de cálculo deste tributo, seja pela líder, seja pelas beneficiárias.

A despeito de outras exações, tais como as contribuições ao PIS e a COFINS, a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido ou mesmo o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza, a análise do presente artigo cingir-se-á apenas aos impactos relativos ao Imposto de Renda da Pessoa Jurídica, seja no que se refere à tributação de supostas receitas para a empresa líder ou mesmo da dedutibilidade das despesas para esta ou para as beneficiárias.

1 – Natureza jurídica dos valores pagos a título de rateio de despesas

Para Hiromi Higuchi, salvo uma exceção, os valores pagos pelas empresas beneficiárias à empresa líder têm natureza de remuneração por serviços prestados, senão veja-se:

A maioria das empresas que recuperam os gastos por rateio não emite nota fiscal de serviços, emitindo só nota de débito. O procedimento não é correto por tratar-se de prestação de serviços. O certo é emitir nota fiscal de serviços e pagar COFINS e PIS. A nota de débito é hábil para fazer o rateio de despesa contratada em conjunto, como ocorre quando a indústria faz contrato com as distribuidoras para fazer propaganda de produto e ratear a despesa (HIGUCHI, 2013. p.281).

Por sua vez, Leonardo Castro entende que referidos valores são ressarcimento de despesas, o qual, de acordo com seus ensinamentos, é recomposição de patrimônio e não se confunde com lucro:

Juridicamente, tais pagamentos feitos pela usufrutuária à líder não seriam exatamente uma remuneração, seja pela “prestação de serviços” como “aluguel”, mas sim, um reembolso de despesas (CASTRO, 2010, p.91).
O “reembolso” pode ser definido, em termos contábeis, como a quantia que corresponderá ao custo da atividade, ou seja, o custo da matéria-prima somado ao custo da mão de obra e às despesas gerais de produção, estas entendidas como as despesas que, embora não se integrem de forma material ao produto final, são necessárias ao processo de industrialização ou de prestação de serviços (CASTRO, 2010 apud FABRETTI, 1996. p.91).
Em outras palavras, pode ser entendido como reembolso o repasse da exata quantia expendida na despesa pelos entes que reembolsam àquele que incorreu na despesa, ou seja, o valor reembolsado deve corresponder “ao exato esforço ou sacrifício, financeiramente, incorrido na realização da atividade objeto de ressarcimento” (CASTRO, 2010, p.91).

Na esteira do entendimento exposto acima, ressarcimento não se confunde com aferição de lucros, vez que não há acréscimo patrimonial, mas apenas reconstituição do patrimônio diminuído quando um ente faz frente a uma despesa que não lhe compete.

Muito embora o conceito de ambos os autores pareça antagônico, vislumbra-se que, na realidade, se tratam de entendimentos que se complementam. Explica-se:

Quando as empresas beneficiárias efetuam pagamentos para a empresa líder, estes podem ter duas conotações distintas, quais sejam: (i) o reembolso de despesas pagas pela empresa líder a terceiros, cujo benefício se aproveita a todas; ou (ii) a remuneração pela atividades exercidas pela própria empresa líder, por meio de seus prepostos, as quais se revertem também em favor das beneficiárias. Muito embora pareça uma tarefa impossível de ser realizada, é importante distinguir a origem dos pagamentos.

Nestes termos, quando tratar-se de reembolso de despesas pagas pela empresa líder a terceiros, o entendimento de Leonardo Castro enquadra-se perfeitamente: não há acréscimo patrimonial à empresa líder e o pagamento de tais quantias não se enquadra no conceito de preço, para o qual sempre há uma margem de lucro adicionada ao valor pago ao terceiro, o que é conhecido como margem de lucro.

Já no que se refere à segunda situação, na qual as empresas beneficiárias pagam quantias à empresa líder pelas atividades por essa exercidas, faz-se necessário analisar de forma mais minuciosa o entendimento exarado por Hiromi Higuchi, bem como exatamente a que se referem tais pagamentos.

Nesse sentido, caso nos valores pagos pelas empresas beneficiárias à empresa líder haja qualquer tipo de acréscimo, semelhante ao conceito de preço (margem de lucro adicionada), entende-se como correto o posicionamento do doutrinador Hiromi Higuchi, restando caracterizada a prestação de serviços, demandando emissão de nota fiscal e incidência de tributos a ela inerentes.

Entretanto, caso o repasse de quantias pelas empresas beneficiárias à empresa líder referira-se apenas ao rateio de custos pro rata, como por exemplo, salários dos profissionais contratados para a consecução de serviços contábeis, de administração, informática, contas a receber, contas a pagar, tesouraria, financeiro, contabilidade, fiscal, tributário, recursos humanos, jurídico, bem como locação do imóvel ocupado por estes, energia elétrica, água, telefonia, informática, bem como todos os demais encargos financeiros, tributários e econômicos de um escritório de prestação de serviços, não há como estender a tal rateio a natureza jurídica de contraprestação por serviços prestados.

Nesse sentido, é importante consignar que no atual ordenamento jurídico tributário brasileiro, é entendido como serviços determinadas atividades previstas na “Lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003”.

Entretanto, para os fins a que se destina este artigo, é necessário ir além, utilizando, para tanto, a definição construída por Sérgio Pinto Martins para serviços e para a prestação destes:

Conforme se constata, serviço é bem imaterial na etapa da circulação econômica. Prestação de serviços é a operação pela qual uma pessoa, em troca do pagamento de um preço (preço do serviço), realiza em favor de outra a transmissão de um bem imaterial (serviço). Prestar serviço é vender bem imaterial, que pode consistir no fornecimento de trabalho, na locação de bens imóveis, ou na cessão de direitos. Seu pressuposto é a circulação econômica de um bem imaterial, ou melhor, a prestação de serviços, em que se presume um vendedor (prestador de serviço), um comprador (tomador de serviço) e um preço (preço do serviço) (MARTINS, 2004, p.42).

Veja-se que muito embora o trabalho exercido pela empresa líder se assemelhe a serviços e o rateio das despesas ao preço, existe um fator importante que descaracteriza a definição das atividades da empresa líder como prestação de serviços: não há margem de lucro e não há circulação econômica, ou seja, ratear despesas, assim entendido como dividir o exato valor despendido pela empresa líder, não pode ser confundida com prestação de serviços.

Esta também é a conclusão de José Henrique Longo:

Para que se considere um valor como receita de prestação de serviço, é imprescindível uma relação contratual correspondente pela qual uma pessoa se compromete a prestar certa atividade a outrem, mediante contraprestação ou remuneração, nos termos do art. 1216 do Código Civil. Nesse sentido manifesta-se Bernardo Ribeiro de Moraes, asseverando que “a prestação de serviços tem lugar quando uma das partes se obriga a prestar trabalho e a outra parte a pagar-lhe por essa atividade uma remuneração” (1). Na hipótese em exame, porém, não se configura prestação de serviço, pois a relação entre as empresas, conquanto seja de comissão, não é onerosa. A atividade prestada é gratuita, não gerando receita para a comissária (LONGO, 2002, p.72).

Assim, cingindo-se à análise apenas do efetivo rateio de despesas entre a empresa líder e as beneficiárias, assim entendidas aquelas assumidas perante terceiros ou incorridas pela própria líder, passa-se a discorrer sobre a possibilidade de dedução destas da base de cálculo do Imposto de Renda Pessoa Jurídica e a necessidade do oferecimento dos valores recebidos pela líder à tributação da referida exação.

2 – Dedutibilidade de despesas da base de cálculo do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ)

Para Ricardo Mariz de Oliveira existem quatro regras gerais básicas para que despesas sejam dedutíveis da base de cálculo do IRPJ, quais sejam: (i) não serem custos; (ii) serem despesas necessárias; (iii) serem comprovadas e escrituradas; e (iv) serem debitadas no período-base competente (OLIVEIRA, 2008, p.684 e seguintes).

A previsão legal para dedutibilidade de despesas encontra-se inserta no artigo 299 do Regulamento do Imposto de Renda (RIR/99 – Decreto nº 3.000, de 26.03.1999), in verbis:

Art. 299. São operacionais as despesas não computadas nos custos, necessárias à atividade da empresa e à manutenção da respectiva fonte produtora (Lei nº 4.506, de 1964, art. 47).
§ 1º São necessárias as despesas pagas ou incorridas para a realização das transações ou operações exigidas pela atividade da empresa (Lei nº 4.506, de 1964, art. 47, § 1º).
§ 2º As despesas operacionais admitidas são as usuais ou normais no tipo de transações, operações ou atividades da empresa (Lei nº 4.506, de 1964, art. 47, § 2º).
§ 3º O disposto neste artigo aplica-se também às gratificações pagas aos empregados, seja qual for a designação que tiverem.

Hiromi Higuchi explica que são dedutíveis da determinação do lucro real (base de cálculo do IRPJ) as “despesas necessárias à atividade da empresa e à manutenção da respectiva fonte produtora de receitas”, assim entendidas como aquelas “pagas ou incorridas e que sejam usuais e normais no tipo de transações, operações ou atividades da empresa” (HIGUCHI, 2013, p.270).

O Parecer Normativo Coordenador do Sistema de Tributação – CST nº 32 de 17.08.1981, publicado no Diário Oficial da União de 19.08.1981 muito bem define o conceito de despesa necessária:

4. Segundo o conceito legal transcrito, o gasto é necessário quando essencial a qualquer transação ou operação exigida pela exploração das atividades, principais ou acessórias, que estejam vinculadas com as fontes produtoras de rendimentos.
5. Por outro lado, despesa normal é aquela que se verifica comumente no tipo de operação ou transação efetuada e que, na realização do negócio, se apresenta de forma usual, costumeira ou ordinária. O requisito de usualidade deve ser interpretado na acepção de habitual na espécie de negócio.

No caso vertente, analisa-se a possibilidade de despesas como salários dos profissionais contratados para a consecução de serviços contábeis, de administração, informática, contas a receber, contas a pagar, tesouraria, financeiro, contabilidade, fiscal, tributário, recursos humanos, jurídico, bem como locação do imóvel ocupado por estes, energia elétrica, água, telefonia, informática, sem as quais nenhuma empresa é capaz de operar, ou seja, nos termos delimitados acima, trata-se de evidente despesa normal “que se verifica comumente no tipo de operação ou transação efetuada e que, na realização do negócio, se apresenta de forma usual, costumeira ou ordinária” (Parecer Normativo CST nº 32/81).

Discorrendo acerca da necessidade de despesas, Ricardo Mariz de Oliveira ressalta ser pacífico entendimento de que apenas há incidência do IRPJ naquilo que se refere a acréscimo patrimonial, assim entendido como o ingresso de novos bens ao patrimônio, “os quais tenham valor que supere o montante dos gastos incorridos para a sua produção” (OLIVEIRA, 2008, p.689), exemplificando:

Em outras palavras, se, para obter uma receita de 100, a pessoa jurídica teve que incorrer em custos e despesas de 80, até o valor de 80, contido na receita, não há acréscimo patrimonial, mas mera reposição do patrimônio anterior, inclusive dos recursos materiais e imateriais de 80 que nele já existiam e que foram empregados para produzir a receita de 100. O acréscimo, portanto, reduz-se a 20.
Outro exemplo numérico simples: se uma mercadoria custou 100 e foi vendida por 110, apenas 10 representam acréscimo, isto é, lucro ou renda, porque até 100 a receita de venda não passa de reposição do patrimônio anterior, empregado na aquisição da mercadoria vendida e que, portanto, é custo da venda.

Diante do exposto, depreende-se que o espírito da legislação que prevê a dedutibilidade de despesas necessárias ao exercício das atividades das empresas, tem como objetivo tributar pelo IRPJ apenas o acréscimo patrimonial, ou seja, descontar da base de cálculo de referida exação as expensas necessárias à consecução final da atividade empresarial, qual seja, o lucro.

Assim, chega-se à conclusão lógica de que, grosso modo, todas as despesas atreladas à manutenção da sua fonte produtora são hábeis de serem deduzidas da base de cálculo do IRPJ.

3 – Contratos de rateio de despesas (Cost Sharing Agreements)

Conforme já explicitado, a figura do contrato de rateio de despesas, também conhecido por contrato de compartilhamento de custos ou cost sharing agreements não encontra respaldo no ordenamento jurídico brasileiro, tratando-se, pois, de contrato atípico.

Entretanto, todos os autores consultados são uníssonos em defender que para respaldar o efetivo compartilhamento de despesas entre empresas pertencentes a um mesmo grupo econômico, é indispensável que exista contrato formal regulando os métodos de rateio e pagamento das despesas.

Nesse sentido, Leonardo Castro expõe alguns requisitos que, em seu entendimento, devem constar no contrato de rateio de despesas:

i) remuneração [que deve ser entendida como o reembolso pelas despesas incorridas pela líder] por fruição/utilização parcial dos serviços administrativos, contábeis e de controladoria que a líder presta em seu próprio benefício;
ii) remuneração [que deve ser entendida como o reembolso pelas despesas incorridas pela líder] por utilização parcial de imóvel sede da líder;
iii) reembolso de custos incorridos com obra para nova sede da usufrutuária; e
iv) reembolso parcial de custos empresariais fixos, tais como luz, água, energia etc (CASTRO, 2010, p.91).

Por sua vez, José Henrique Longo defende que para que seja tido como efetivo ressarcimento do rateio de despesas devem estar presentes na relação tida entre as partes, assim, no contrato firmado:

i) o critério utilizado para realizar-se o rateio de despesas deve encontrar respaldo em razões econômicas, de modo que exista proporcionalidade dos valores pagos pelas empresas envolvidas; ii) as pessoas jurídicas devem pertencer ao mesmo grupo econômico; e iii) a empresa que assumiu a despesas relativamente a terceiros não pode ter como objeto social o exercício da atividade causadora do dispêndio (LONGO, 2002, p.69).

A própria Receita Federal do Brasil, por meio da Coordenação-Geral do Sistema de Tributação – COSIT, recentemente exarou seu entendimento, por meio da publicação da Solução de Consulta nº 08/2012, acerca de quais elementos devem estar presentes nos contratos de rateio de despesas:

São características de contratos de compartilhamento de custos e despesas:
a) a divisão dos custos e riscos inerentes ao desenvolvimento, produção ou obtenção de bens, serviços ou direitos;
b) a contribuição de cada empresa ser consistente com os benefícios individuais esperados ou recebidos efetivamente;
c) a previsão de identificação do benefício, especificamente, a cada empresa do grupo. Caso não seja possível assumir que a empresa possa esperar qualquer benefício da atividade desenvolvida, tal empresa não deve ser considerada parte no contrato;
d) a pactuação de reembolso, assim entendido o ressarcimento de custos correspondente ao esforço ou sacrifício incorrido na realização de uma atividade, sem parcela de lucro adicional;
e) o caráter coletivo da vantagem oferecida a todas as empresas do grupo;
f) a remuneração das atividades, independentemente de seu uso efetivo, sendo suficiente a “colocação à disposição” das atividades em proveito das demais empresas do grupo;
g) a previsão de condições tais que qualquer empresa, nas mesmas circunstâncias, estaria interessada em contratar (Data da Decisão: 01.11.2012; Publicada no Diário Oficial da União de 08.11.2012).

Por óbvio, a Receita Federal coloca alguns requisitos para a configuração da relação de compartilhamento das despesas, tal como “a previsão de identificação do benefício, especificamente, a cada empresa do grupo” ou, caso “não seja possível assumir que a empresa possa esperar qualquer benefício da atividade desenvolvida, tal empresa não deve ser considerada parte no contrato”, que parecem impossíveis de serem atendidos, entretanto, a principal importância da solução de consulta acima exposta, é que o próprio Fisco já admite a realização do contrato e rateio das despesas.

De qualquer modo, observar os elementos considerados no presente capítulo é de extrema relevância para subsidiar o próprio rateio de despesas entre as empresas do grupo e, principalmente, a não tributação pelo IRPJ dos reembolsos efetuados pelas empresas beneficiárias à empresa líder, bem como a dedutibilidade das despesas incorridas por cada uma das empresas (líder ou beneficiárias) da parcela das despesas rateadas que lhes couber.

4 – Dedutibilidade das despesas compartilhadas pelas empresas do grupo e não tributação pelo IRPJ dos reembolsos recebidos pela empresa líder

Conforme restou demonstrado no presente artigo, o Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas só incide sobre o acréscimo patrimonial, assim representado pelo lucro e pela renda, sendo possível deduzir, atendendo-se a legislação, despesas operacionais necessárias da base de cálculo da referida exação.

Por outro lado, restou evidenciado que, desde que lastreado em contrato formal e atendidos requisitos específicos, empresas de um mesmo grupo podem eleger uma empresa líder para a realização de atividades comuns e contratação de serviços terceirizados que beneficiem a todas, rateando tais despesas e reembolsando-as à empresa líder que acabou por incorrer, inicialmente, sozinha nestas.

Desta forma, duas questões, do ponto de vista do IRPJ merecem destaque: (i) cada empresa (líder e beneficiárias) deve reconhecer em sua contabilidade, para fins de dedução das despesas da base de cálculo do IRPJ, apenas a parcela da despesa rateada para si, portanto, que lhe cabe; e (ii) os reembolsos recebidos pela empresa líder não podem ser tributados pelo IRPJ uma vez que não se trata de acréscimo patrimonial, ou seja, lucro.

Ora, tratando-se de despesas compartilhadas, ou seja, que muito embora originalmente tenham sido incorridas apenas pela empresa líder, mas que em um segundo momento são rateadas entre esta e outras empresas beneficiárias, é justo e até mesmo intuitivo que cada uma delas reconheça em sua contabilidade e, portanto, na apuração do IRPJ, a parcela da despesa que lhe cabe.

Isto porque, conforme restou demonstrado, as despesas, na realidade, no montante em que foram incorridas, correspondem a cada uma das empresas do grupo e não somente a líder, ou seja, a dedução apenas por esta não seria admitida pelo Fisco, uma vez que não é, em sua totalidade, necessária à sua atividade.

Acerca da aceitabilidade pelo Fisco da dedutibilidade de despesas rateadas, colaciona-se outro trecho da já citada Solução de Consulta nº 08/2012:

São dedutíveis as despesas administrativas rateadas se: a) comprovadamente corresponderem a bens e serviços efetivamente pagos e recebidos; b) forem necessárias, usuais e normais nas atividades das empresas; c) o rateio se der mediante critérios razoáveis e objetivos, previamente ajustados, devidamente formalizados por instrumento firmado entre os intervenientes; d) o critério de rateio for consistente com o efetivo gasto de cada empresa e com o preço global pago pelos bens e serviços, em observância aos princípios gerais de Contabilidade; e) a empresa centralizadora da operação de aquisição de bens e serviços apropriar como despesa tão somente a parcela que lhe couber segundo o critério de rateio (Data da Decisão: 01.11.2012; Publicada no Diário Oficial da União de 08.11.2012).

Veja-se o quadro abaixo que ilustra a situação inicial, em que a empresa líder arca com todas as despesas:

Fonte: Própria

Por consequência, veja-se no quadro a seguir o segundo momento, em que, atentando-se para os critérios de rateio previamente estabelecidos contratualmente, as empresas beneficiárias reembolsam a empresa líder pelas despesas incorridas:

Fonte: Própria

De acordo com os exemplos acima, muito embora a empresa líder tenha despendido o valor de R$ 700.000,00, levará à despesa apenas o montante de R$ 203.000,00, o qual se refere apenas a parcela das despesas que foram incorridas em seu benefício.

Ademais, a situação nem poderia ser diferente, vez que, muito embora a empresa líder tenha antecipado R$ 700.000,00 de despesas, em um segundo momento recebeu das empresas beneficiárias o reembolso destas no valor total de R$ 497.000,00, ou seja, pagou R$ 700.000,00, recebeu R$ 497.000,00, restando R$ 203.000,00.

Conforme se vê na prática e como bem delimita Leonardo Castro, levando-se em conta a estrutura organizacional e contratual transcrita no presente artigo, a empresa líder não precisará emitir nota fiscal de serviços, bastando a emissão de fatura comercial ou nota de débito (CASTRO, 2010, p.96).

Por outro lado, a empresa líder pode estornar do total de despesas anteriormente incorridas (ex. R$ 700.000,00) os reembolsos que tenha recebido das empresas beneficiárias ou mesmo criar contas contábeis específicas para que ao final considere apenas suas próprias despesas (R$ 203.000,00). Isto para evitar que tais “receitas” (= reembolsos) recebidas das empresas beneficiárias sejam levadas à tributação pelo IRPJ. Explica-se:

É exatamente este o outro ponto a ser abordado neste capítulo. Tomando-se novamente os exemplos acima, pode-se dizer que, na prática, saiu da conta bancária da empresa líder o valor de R$ 700.000,00 e entrou R$ 497.000,00.

Caso não existisse o contrato de compartilhamento – com seus critérios bem definidos -, os R$ 497.000,00 deveriam ser tributados pelo IRPJ, uma vez que, até que se prove o contrário, é um acréscimo patrimonial.

Entretanto, como restou demonstrado, tal valor não é lucro ou renda da empresa líder e, assim, não pode ser objeto de tributação pelo imposto de renda.

Nesse sentido, veja-se o que argumento exarado por José Henrique Longo, citando Ricardo Lobo Torres:

Ricardo Lobo Torres afirma, com propriedade, que “a despesa e a receita são duas faces da mesma moeda, as duas vertentes do mesmo orçamento. Implicam-se mutuamente e devem se equilibrar. (02) “. Isso conduz ao entendimento de que se a despesa rateada não é integralmente da empresa que firmou o contrato com o fornecedor do serviço (agindo como comissária), não configurando seu reembolso, por conseguinte, uma receita. Ou seja, a outra face da despesa das empresas ligadas (comitentes) é a receita do fornecedor do serviço contratado por aquela pessoa designada para concentrar a relação jurídica e comercial com terceiros (LONGO, 2002, P.72).

Assim, em continuidade com os exemplos utilizados anteriormente, veja-se como ficaria a situação das despesas e reembolsos relativos ao compartilhamento de despesas:

Fonte: Própria

Diante do exposto, conclui-se que, da mesma forma que as despesas rateadas são dedutíveis da base de cálculo do IRPJ por cada empresa beneficiária e pela empresa líder – na parcela que lhe cabe no rateio -, os reembolsos por ela recebidos daquelas não podem ser tratados como receita ou acréscimo patrimonial, portanto, não podem ser considerados na base de cálculo do IRPJ.

Conclusão

Uma vez que não há previsão específica no ordenamento jurídico tributário brasileiro acerca do compartilhamento de despesas entre empresas do mesmo grupo econômico, resta ao operador do direito lastrear-se em outros institutos jurídicos para respaldar políticas organizacionais neste sentido e que são, há algum tempo, adotadas pelas empresas brasileiras.

É fato que o Fisco, por meio de respostas a consultas e decisões administrativas, por vezes, manifestou-se contrariamente à dedutibilidade de despesas compartilhadas e em outros momentos à ausência de oferecimento à tributação de reembolsos recebidos por empresas líderes.

Entretanto, mencionados precedentes não foram citados no presente trabalho, uma vez que a conclusão pela (i) aceitação dos contratos de compartilhamento de despesas; (ii) possibilidade de dedução da base de cálculo do IRPJ, por cada empresa do grupo (líder e beneficiárias), das despesas objeto do compartilhamento, cada uma da parcela que lhe cabe; e (iii) desnecessidade de inclusão dos reembolsos na determinação do lucro da empresa líder; representam o atual panorama do direito para o tema.

Por óbvio, existem diversos requisitos objetivos e subjetivos que devem ser observados por aqueles que decidam por adotar ou sugerir a seus clientes a organização de compartilhamento de serviços, bem assim, das despesas deles decorrentes.

O fato é que, seja com base na doutrina relativa ao tema, ou pelo atual posicionamento exarado pelo Fisco por meio da Solução de Consulta nº 08/2012, é possível, juridicamente aceitável e defensável a adoção do contrato de compartilhamento de serviços e das despesas dele decorrentes, bem como a dedutibilidade destas da base de cálculo do Imposto de Renda Pessoa Jurídica e a não inclusão dos reembolsos recebidos pela empresa líder nesta.

Referências

CASTRO, Leonardo. Tratamento Tributário Aplicável aos Contratos de Rateio/Compartilhamento de Custos e Despesas (Cost Sharing Agreements): IRPJ, CSLL, PIS, COFINS, ISS e Critérios para Dedutibilidade de Despesas. In: Revista Dialética de Direito Tributário (RDDT) v. 177. São Paulo: Dialética, 2010.

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BRASIL. Coordenador do Sistema de Tributação – CST. Parecer normativo CST nº 32 de 17 de agosto de 1981. Disponível em . Acesso em: 20 jul. 2013, 13h30.

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GODOY, Gustavo Teixeira. Dedutibilidade de despesas do estabelecimento de direção principal (Head Office Expenses). FiscoSoft on-line, 2009. Disponível em . Acesso em: 20 jul. 2013, 11h25.

HIGUCHI, Hiromi. Imposto de Renda das Empresas Interpretação e Prática. 38ªed. São Paulo: IR Publicações, 2013.

LONGO, José Henrique. Natureza Jurídica do Ressarcimento no Rateio de Despesas. Revista Dialética de Direito Tributário (RDDT) v. 77. São Paulo: Dialética, 2002.

MARTINS, Sérgio Pinto. Manual do Imposto sobre Serviços. 6ª Ed. São Paulo: Jurídico Atlas, 2004.

NASRALLAH, Amal. Regras para o rateio de despesas. Migalhas, 2012. Disponível em . Acesso em: 21 jul. 2013, 11h15.

NETO, Willer Costa. Rateio de despesas e incidência tributária. Jus Navigandi, 2010. Disponível em: . Acesso em: 9 jul. 2013, 15h.

OLIVEIRA, Ricardo Mariz. Fundamentos do Imposto de Renda. São Paulo: Quartier Latin:, 2008.

PEREIRA, Potiguara Acácio. Manual de Metodologia da Pesquisa. Cursos de Pós-Graduação Lato Sensu Televirtuais, 2012.

Notas

(1) LONGO, 2002 apud MORAES 1975, p.72.

(02) LONGO, 2002 apud TORRES,1996, p.72.

Rodolfo Zanutto Velasques

Graduado em Direito pela UCDB - Universidade Católica Dom Bosco, em Campo Grande-MS. Especialista em Direito Empresarial pela FGV - Fundação Getúlio Vargas de São Paulo e em Direito Tributário pelo Instituto Luiz Flávio Gomes. Atuou como advogado tributarista por sete anos em São Paulo nos escritórios Castro e Campos - Advogados e Benício Advogados Associados. Atualmente está cursando LLM em Direito Tributário Internacional oferecido pelo "Institute for Austrian and International Tax Law of WU" em Viena na Áustria.

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