Ainda sobre benefícios fiscais aos livros: ricos consomem mais?

Tathiane Piscitelli

O debate sobre a tributação de livros pela CBS voltou, novamente, à pauta. Há algumas semanas, o Ministério da Economia atualizou as perguntas e respostas referentes ao Projeto de Lei nº 3887/2020 para inserir informações mais detalhadas que justificariam a ausência de isenção da contribuição para os livros: “famílias com renda de até 2 salários mínimos não consomem livros não-didáticos e a maior parte desses livros é consumido pelas famílias com renda superior a 10 salários mínimos”. Fonte: Valor

Esta semana, foi publicado no Jota um artigo de autoria de Lorreine Messias, economista, e Vanessa Rahal Canado, tributarista e assessora especial do Ministério da Economia, em que elas explicam por que entendem que tributar, nesse caso, é medida mais adequada e justa do que preservar isenções a livros. No texto, exploram mais detalhadamente o argumento quanto ao perfil das famílias que mais consomem livros no Brasil. Partem da POF, Pesquisa de Orçamentos Familiares 2017/18, do IBGE, para afirmar que no primeiro extrato de renda, no qual estão as famílias que recebem até dois salários-mínimos no mês, o gasto anual com livros (didáticos e paradidáticos) é de R$ 70,00; ao passo em que as famílias que recebem mais de 25 salários-mínimos mensais, gastaram, com livros, aproximadamente R$ 620,00 por ano.

A partir disso, concluem pela evidente desigualdade na aquisição de livros no país e, ainda que indiretamente, respondem à pergunta posta no texto quanto à identificação daqueles que potencialmente se beneficiam da atual isenção de PIS/COFINS sobre os livros: os mais ricos. Sustentam então que uma saída possível para corrigir tal distorção seria eliminar o benefício hoje existente e convertê-lo em crédito para as famílias de baixa renda; isto é, devolução do tributo incidente sobre o consumo de livros e outros artigos de educação e cultura.

No último texto que publiquei nesta coluna, tratei exatamente da necessidade de revisão dos gastos tributários, demanda que, a partir da publicação da Emenda Constitucional nº 109/2021, passou a ser constitucional. O atual nível de renúncia de receitas é desproporcional não apenas às despesas públicas; ele deve ser confrontado, especialmente, com os níveis de efetividade do gasto e prioridades quanto à realização desse tipo de investimento indireto do Estado. Todo e qualquer gasto tributário é uma escolha política que deve ser justificada à luz dos objetivos fundamentais da República. Em relação aos livros, parece-me claro que incentivos tributários voltados a eles não ofendem o texto constitucional; ao contrário, podem realizar e ampliar o acesso à educação e à cultura, valores fundantes da Constituição de 1988.

O ponto, porém, não é apenas esse. É saber a quem esse incentivo fiscal beneficia – porque, afinal, se ele servir para ampliar a desigualdade social e econômica na qual estamos inseridos, teremos um bom argumento para defender a revogação. Na compreensão do Ministério da Economia e das autoras do texto mencionado, os mais ricos são os diretamente beneficiados, já que consomem mais livros em comparação às camadas de mais baixa renda. Essa constatação seria suficiente para justificar a ineficácia do incentivo em cumprir com o seu propósito.

O argumento pode ser contraposto à luz de uma pergunta, que me parece fundamental: a avaliação da POF e dos gastos com livros não deveria ser feita proporcionalmente à renda das famílias, e não em números absolutos, como aparentemente se dá? Ou seja, afirmar que uma família com ganho mensal de até dois salários-mínimos consome cerca de R$ 70,00 por ano em livros e aquela que recebe mais de 25 salários-mínimos consome R$ 620,00 por ano não diz muito sobre a representatividade desse gasto nas rendas respectivas. A avaliação, tendo a achar, deve ser proporcional aos recebimentos mensais, pois só assim saberemos qual fração de sua renda cada família está disposta a investir em livros. E isso nos dirá quem potencialmente aproveita mais os incentivos hoje existentes, e em que proporção isso ocorre.

À luz desse critério, como as autoras consideram o gasto anual com livros, mas indicam a renda mensal da família, teríamos de anualizar também a renda para chegar na representatividade dos livros em cada extrato. Para as famílias no primeiro extrato de renda, de até dois salários-mínimos, o gasto com livros representaria 0,30% da renda anual. Já para as famílias do último extrato, com 25 salários-mínimos mensais, o dispêndio com livros equivaleria a 0,21% da renda anual.

Portanto, se considerarmos quanto estão dispostos a empregar de sua renda nesse gasto específico, os mais pobres consomem proporcionalmente mais livros do que os mais ricos. O eventual aumento de preço em razão do término do benefício tributário hoje existente iria afetá-los diretamente, pois é razoável supor que as classes mais altas seguirão com o mesmo padrão de consumo, pois o impacto econômico não será severamente sentido. Já os mais pobres, diante de eventual aumento de preço, terão menos acesso a livros.

Quanto ao argumento da devolução dos valores em créditos para os mais pobres, reforço o que tenho dito insistentemente: deixadas de lado questões relacionadas com o potencial aumento da desigualdade em razão de estereótipos sociais, diante do atual contexto financeiro, é temerário nos fiarmos nesse tipo de mecanismo como saída exclusiva para a concretização da justiça distributiva via sistema tributário. No país onde créditos com a importância constitucional de precatórios são pagos sem pressa alguma, em total descompasso com o que mandam as leis e as Constituições, o que devemos esperar dessa singela devolução tributária? Como essa devolução seria realisticamente acomodada no país que não consegue pensar em um orçamento para 2021 que não seja uma peça de fantasia (ou um crime fiscal)? Por isso, a correção das distorções tributárias, que são reais e precisam mesmo ser enfrentadas, deve passar pela revogação de outros benefícios tributários, menos relacionados com valores constitucionais fundamentais, bem como pela maior tributação da renda.

Finalmente, as circunstâncias políticas atuais do Brasil impõem a nós, profissionais do Direito, uma consideração atenta sobre o impacto democrático de qualquer medida, mesmo aquelas que se apresentam como meramente técnicas. Já não é mais possível que juristas se fechem em sua Torre de Babel e ignorem o jogo político que subjaz às decisões que nosso conhecimento respalda e legitima. Aumentar a carga tributária dos livros é medida que impacta diretamente um setor econômico que é central a grupos aberta, direta e constantemente hostilizados pelo Presidente Jair Bolsonaro, como professores universitários, jornalistas e profissionais da cultura em geral. Bolsonaro nunca escondeu seu desejo de prejudicar economicamente quem é capaz de enfrentá-lo na esfera pública. Sob contas e cálculos que podem ser apresentados com um enfoque ou por outro, o aumento da carga tributária ao setor livreiro poderá ser comemorado pelo Presidente com o mesmo deboche com o qual comemorou o impacto de outra medida sua para este mesmo jornal: “espero que sobreviva”.

Tathiane Piscitelli

Professora de direito tributário e finanças públicas da Escola de Direito de São Paulo da FGV, é doutora e mestre em direito pela Faculdade de Direito da USP

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