A constituição definitiva do crédito tributário, marco entre os prazos decadencial e prescricional tributários

Manoel Omena Farias Júnior

  – Introdução

1. Muito se discute acerca de constituição de crédito tributário, na busca da inteligência do Código Tributário Nacional – CTN.

2. Nessa seara, é fundamental ver esclarecida a norma do artigo 174, caput, CTN, agora transcrito:

"Art. 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva".

3. Um dos desafios, portanto, é fixar o momento, a data da "constituição definitiva" do crédito tributário. Feito isso, enxerga-se a linha divisória entre os prazos decadencial e prescricional, extintivos de obrigação tributária – CTN, artigos 156, V, 173 e 174. É que, como é sabido, no prazo decadencial deve ser constituído o crédito tributário e, no prescricional, levada a efeito sua cobrança.


II – Das vicissitudes da dívida tributária segundo o Código Tributário Nacional

4. A depender do estado em que se encontre a prestação pecuniária objeto da relação jurídica nascida imediatamente após a ocorrência do chamado fato gerador – CTN, artigo 113, § 1º, o Código se utiliza das expressões:

a – obrigação tributária principal, para denominar a dívida tributária não declarada ao sujeito ativo e ilíquida, ou seja, desprovida da explicitação do seu valor monetário, a ser entregue à Fazenda Pública pelo sujeito passivo – CTN, artigo 113, § 1º, e da indicação do prazo do respectivo cumprimento (dívida tributária inexigível porque ilíquida);

b – crédito tributário, referindo a dívida tributária liquidada e declarada ao sujeito ativo pelo sujeito passivo ou pela autoridade administrativa prevista no artigo 142, CTN – Servidor Fiscal, de conformidade com a CF/88, artigo 37, XVIII, conhecido como Fiscal de Tributos, Auditor Fiscal, etc (dívida tributária exigível, mas inexeqüível); e

c – dívida ativa, aludindo à dívida tributária regularmente inscrita pela Advocacia Pública – CTN, artigo 201, e Constituição Federal, artigos 131 e 132 (dívida tributária exigível e exeqüível).

5. Ao mudar a forma de chamar a dívida tributária, na medida em que esta sofre mudanças, ora de caráter material (liquidação), ora de natureza formal (inscrição), o legislador do CTN terminou elaborando um texto normativo, senão técnico, ao menos didático. Isso porque, como é sabido, obrigação, débito, crédito e dívida resultam em lugar comum, porquanto retratam uma relação jurídica estabelecida entre credor (sujeito ativo da relação, a quem é franqueado o crédito ou dívida ativa) e devedor (sujeito passivo da mesma relação, a quem é atribuído o débito ou dívida passiva).

6. No caminho legislativo sobredito, o débito tributário – concomitante ao crédito tributário, ou, conforme o caso, a dívida passiva tributária – simultânea à dívida ativa tributária, é visualizado no patrimônio do sujeito passivo.


III – Do Ato Administrativo Tributário de Lançamento

7. Descabe ingressar no instante, na data, em que se constitui o crédito tributário pelo lançamento (CTN, artigo 142: "… constituir o crédito tributário pelo lançamento…"), sem discorrer sobre a natureza deste.

8. Apesar da redação do artigo 142, caput, CTN, referindo ser o lançamento um procedimento, cabe seguir a doutrina [01] e a jurisprudência [02] pelas quais o lançamento é, na verdade, um ato administrativo, vinculado e obrigatório.

9. Vinculado porque, na sua realização, não resta espaço para conveniência e oportunidade à autoridade administrativa, tendo esta que atuar nos estritos termos da lei.

10. Obrigatório em razão do princípio da indisponibilidade do interesse público, primário, originário ou mediato – do povo, ou secundário, derivado ou imediato – do ente tributante. Diga-se de passagem que: ou o interesse público secundário se conforma com o primário ou não subsiste, porque o entre tributante encontra sua razão de existir no povo, de que emana todo o poder (CF/88, artigo 1º, p. único) e para o qual são oferecidos bens ou serviços.

11. A percepção do lançamento tributário como ato administrativo esclarece o tema da constituição de crédito tributário, e, em conseqüência, quanto a institutos jurídicos de influência, a exemplo da prescrição tributária.

12. A depender do referencial adotado, pode-se afirmar que os atos administrativos originam-se de pessoa jurídica de direito público (v.g.: União, Estado Federado, Distrito Federal ou Município), em sentido amplo, ou de agentes públicos (agentes políticos, servidores públicos, etc.), em sentido estrito.

13. A segunda assertiva é a que se acomoda ao presente estudo pela própria feição estrutural dos atos administrativos, que engloba a competência do agente público (aspecto subjetivo), a teor do artigo 2º, caput, a, e p. único, a, da Lei Federal nº 4.717/65, que regula a ação popular.

14. Veja-se a redação do dispositivo:

"Art. 2º São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas no artigo anterior, nos casos de:"

a) incompetência;

Parágrafo único. Para a conceituação dos casos de nulidade observar-se-ão as seguintes normas:

a) a incompetência fica caracterizada quando o ato não se incluir nas atribuições legais do agente que o praticou;

15. Outro que justifica considerar o ato administrativo de lançamento pela ótica do agente é o fato da responsabilidade, de acordo com o § 6º do artigo 37 da CF/88, abaixo repetido.

"§ 6º – As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa."

16. Em sentido estrito, a realização do ato administrativo de lançamento compete privativamente ao Servidor Fiscal, autoridade consignada nos artigos 37, XVIII, da Constituição Federal, e 142, do CTN, e, conforme o caso, em lei federal, do Distrito Federal, estadual ou municipal, não ao ente tributante (Fazenda Pública), sujeito ativo da relação obrigacional tributária. Este – sujeito ativo, na dicção do § 6º logo acima reproduzido, na hipótese de dano causado a terceiros, incluso o sujeito passivo tributário, responde objetivamente; enquanto aquele – Servidor Fiscal – responde nos casos de dolo ou culpa.

17. De mais a mais, impende salientar que o CTN, artigo 142, ao dispor sobre lançamento, enxerga sua prática, não pelo sujeito ativo tributário (União, Estados, etc.), e sim por autoridade administrativa (agente público) a este vinculada.

18. Para qualificar o lançamento tributário como ato administrativo, além da competência, já mostrada, carece que se demonstre seus demais elementos de estrutura – motivo, finalidade, objeto e forma. Para tanto, segue-se, aqui, a opção do legislador federal quando da elaboração da citada lei reguladora da ação popular.

19. O motivo, ou causa, do lançamento precisa ser visto em função tanto do acontecimento social valorizado para fins tributários – "fato gerador", quanto do seu efeito jurídico – obrigação tributária principal.

20. Diz-se, assim, do motivo mediato ou remoto, inerente ao fato jurídico tributário, residente na seara da conduta humana; e, do motivo imediato ou próximo, concernente à relação obrigacional tributária, efeito daquele (fato).

21. É lógico concluir que, no tangente à existência do "fato gerador" e da correlata "obrigação tributária", o lançamento é meramente declaratório.

22. O objeto do ato administrativo de lançamento é "o efeito jurídico imediato" [03] por ele produzido, o crédito tributário.

23. Aqui o viés constitutivo do lançamento: a liquidação, a determinação da obrigação tributária, conferindo-lhe exigibilidade.

24. É como se da pedra bruta (obrigação tributária ilíquida, inexigível) o artífice (Servidor Fiscal) talhasse a jóia do tesouro público (obrigação tributária exigível ou crédito tributário).

25. A finalidade do ato administrativo de lançamento, o resultado pretendido com sua prática, é prover o sujeito ativo de um direito exigível, do crédito tributário. Este também pode ser visto como um direito subjetivo público exigível.

26. Sem embargo de admitir que a forma "é o revestimento exterior do ato…", como argumenta o notável Celso Antônio Bandeira de Melo [04], não se confundindo com formalidades indispensáveis à sua existência, estas foram acolhidas pela lei federal em tela – Lei Federal nº 4.717/65, artigo 2º, p. único, b – quando dispôs sobre o tema.

27. Assim, vale manusear o elemento formal do ato administrativo de lançamento tributário nos dois aspectos em realce, principalmente para fins de perceber o momento no qual se dá seu aperfeiçoamento. Ademais, do descumprimento de formalidade legal necessária à consecução do ato, não pode resultar um "revestimento exterior", uma aparência válida.

28. Isso importa também para efeito de incidência da norma do artigo 173, II, CTN, que devolve à Fazenda Pública prazo decadencial voltado à constituição do crédito tributário cujo lançamento foi anulado, por vício formal, mediante decisão definitiva.

29. Os princípios da vinculação e obrigatoriedade – CTN, artigo 142, p. único, entre outros, assim como os efeitos que deles irradiam, impõem que o lançamento tenha forma escrita. Da leitura do documento público que lhe serve de plano físico de expressão, a exemplo do conhecido Auto de Infração, e do Auto de Lançamento do IPVA [05], deve ser depreendida a dívida, ou obrigação, tributária liquidada.

30. Ou seja, o Auto de Infração – ou outro instrumento público destinado à constituição de crédito tributário – emitido deve anunciar, na exata previsão legal e em linguagem competente, o acontecimento do "fato gerador" e da relação jurídica obrigacional tributária que lhe segue, identificados os sujeitos ativo e passivo, expondo, líquida, determinada, a prestação pecuniária a esta (obrigação) correspondente.

31. A citada liquidação significa apuração e exibição do valor devido a título de tributo, a partir da base de cálculo e alíquota, com indicação do local e prazo de pagamento.

32. Sendo a prestação pecuniária o objeto da obrigação tributária principal, a liquidação daquela implica a desta.

33. Com relação ao local de pagamento, diante das facilidades atuais oferecidas pelo sistema financeiro, sua menção se dispensa.

34. Apesar de não se conformar na liquidação em apreço, porque não compõe o lançamento e sim a intimação deste, é lícita a menção ao local e prazo de impugnação do ato administrativo constitutivo de crédito tributário.

35. Dos aludidos elementos estruturantes, o formal foi deixado por último porque do seu entendimento se extrai o momento, a data, em que se tem perfeito e acabado o ato administrativo de lançamento.

36. Explicou-se que, de acordo com o Código de Imposição Tributária, crédito tributário é a dívida tributária liquidada e declarada ao sujeito ativo pelo sujeito passivo ou pela autoridade administrativa prevista no artigo 142, CTN.

37. Assim sendo, após concluir a correta lavratura do instrumento público destinado à constituição de crédito tributário (repita-se, pela sua natureza e efeitos, o Auto de Infração como exemplo), resta ao Servidor Fiscal entregar formalmente tal documento à Fazenda Pública, ao sujeito ativo tributário correlato.

38. E essa entrega, seja em meio físico ou virtual:

– importa a supracitada declaração ao sujeito ativo da dívida tributária liquidada;

– consiste em formalidade indispensável à existência do lançamento tributário;

– traz como conseqüência a constituição definitiva do crédito tributário, a que alude a parte final do artigo 174, CTN;

– marca o início do curso do prazo prescricional.

39. Essa afirmação é influenciada, também, pela lição do ilustre professor Paulo de Barros Carvalho [06], pela qual "o direito se realiza no contexto de um grandioso processo comunicacional".

40. É certo que o lançamento de crédito tributário supõe um fato lícito (CTN, artigo 3º), dispensando assim, para seu aperfeiçoamento, o processo administrativo.

41. A emissão do ato de lançamento por autoridade fiscal se fundamenta no exercício do direito de exação pelo sujeito ativo, que lança mão de sua legítima capacidade tributária ativa.

42. Entretanto, se o "fato gerador" de obrigação tributária principal é acompanhado de um ilícito, obrigando à autoridade fiscal a constituir o crédito tributário respectivo e aplicar a sanção legalmente cominada, acusando administrativamente o sujeito passivo de tais fatos (tributário – lícito e infringente de lei tributária – ilícito), o processo sobredito é indispensável, sob pena de afronta à Constituição Federal, artigo 5º, LIV e LV, estes a seguir reproduzidos:

"LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;"

43. A palavra "bens", do artigo 5º, LIV, retro, é aqui, e deve ser, apanhada no seu sentido mais largo, para fins de assegurar a todos a dignidade, o mínimo existencial, que fundamenta nossa República [07].

44. Leia-se, então, "bens" como todo patrimônio, material e imaterial, de uma pessoa, nele incluso o estado fiscal de adimplente para com obrigações tributárias.

45. O abalizado jurista Alexandre de Morais [08], ensinando sobre interpretação de normas constitucionais, explica que "a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe conceda".

46. Infere-se do Texto Supremo que, diante de uma acusação administrativa fiscal, associada ou não a um lançamento tributário, resta clara a imprescindibilidade do processo, como garantia constitucional fundamental.

47. Diz-se, então, de:

– lançamento de ofício de crédito tributário não dependente de processo administrativo; e

– lançamento de ofício de crédito tributário dependente de processo administrativo.

48. Apesar da norma do artigo 39, § 2º, da Lei Federal nº 4.320/64 ("Art. 39. … § 2º – Dívida Ativa Tributária é o crédito da Fazenda Pública dessa natureza, proveniente de obrigação legal relativa a tributos e respectivos adicionais e multas…"), vale lembrar que tributo é uma prestação pecuniária compulsória que não constitui sanção de ato ilícito – CTN, artigo 3º.

49. Nessa senda, o Auto de Infração é um instrumento bifronte, destinando-se a acusações fiscais de prática de infração a leis tributárias, com imposição de penalidade, e a lançamento de ofício de crédito tributário. Por vezes, um e outro acontecem no mesmo instante, ao tempo da protocolização do Auto de Infração. Antes desta protocolização, o que se tem é apenas um instrumento administrativo (Auto de Infração) apto ao lançamento, à constituição do crédito tributário.

50. A ótica pela qual o lançamento se completa com sua notificação ao sujeito passivo:

– parte do pressuposto de sua realização pelo sujeito ativo, ente tributante, tomando-se o conceito de ato administrativo em sentido amplo, o que inviabiliza o discernimento do tema;

– confunde a eficácia do ato administrativo de lançamento com sua existência e validade; e

– desatende à norma do artigo 37, § 1º, da Constituição Federal de 1988 – "A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.".

51. A ausência de força executiva do Auto de Infração protocolizado (do lançamento), ou seja, a incapacidade deste de provocar, imediatamente, a emissão de uma certidão de dívida ativa executável – artigos 1º e 2º, §5º, VI, da Lei nº. 6.830 de 22/09/80, c/c o artigo 585, VII, do CPC/73, reside no âmbito da eficácia, e não da existência e validade.

52. O lançamento derivado de protocolização regular de Auto de Infração, antes de notificado (intimado) ao sujeito passivo, tem eficácia imediata "intramuros", isto é, para a Fazenda Pública; ficando, a partir de então, sujeito ao controle de legalidade que lhe é correlato, tal como acontece com toda atividade da Administração Pública.

53. No caminhar para eventual certidão de dívida ativa (artigo 585, VII, do CPC/73), ganha em eficácia, gradativamente, o Auto de Infração protocolizado (o lançamento). Neste avançar, visualizado no procedimento processual administrativo, surge a notificação (intimação) ao sujeito passivo, que, realizada segundo a lei, entre outros efeitos:

– integra o sujeito passivo à relação processual administrativa (artigo 5º, LIV e LV, da CF/88);

– informa ao autuado quanto à imputação que lhe é feita (artigos 5º, XXXIII, e 37, caput, e § 1º, da CF/88), fazendo extrapolar os muros da Administração Pública a eficácia do lançamento;

– e, a princípio – porque o início do respectivo curso pode ser obstado, suspende o prazo prescricional, até que sejam decididas as reclamações e os recursos (aqui entendidos os termos em sentido amplo: defesa, pedido de reconsideração ou outro do gênero) administrativos, como querem o CTN, artigo 151, III, e a Súmula 153 do extinto Tribunal Federal de Recursos – TFR, antecessor do Superior Tribunal de Justiça – STJ.

54. Notificado (intimado) o sujeito passivo do lançamento imediatamente após a protocolização do auto de infração, e na mesma data desta, impedido, obstaculizado, está o iniciar do curso do prazo prescricional; primeiro, enquanto não estiver vencido o prazo para impugnação ou pagamento (artigo 199, II, do CC/02), depois, e sem descontinuidade, se de qualquer modo for tempestivamente afrontado o lançamento, até que sejam decididas as reclamações e os recursos administrativos – sentido lato, como se entende na Súmula TFR153 (artigo 199, I, do CC/02).

55. Dada a notificação (intimação) regular do lançamento após a data da protocolização do Auto de Infração, visualiza-se a hipótese de suspensão do prazo prescricional.

56. No processo administrativo tributário iniciado por auto de infração regular, verificada a revelia, segundo a lei de regência, ou transitada em julgado a decisão administrativa pela procedência do lançamento (auto de infração protocolizado), tem-se como dado o último passo necessário à consolidação da eficácia sobredita, bastante a viabilizar o título executivo extrajudicial antes referido – certidão de dívida ativa.

57. As referências ao Código Civil, regente de relações particulares, são acompanhadas da cautela que se deve ter ao se lançar mão de institutos de Direito Privado para enfrentar questões de Direito Tributário. Referida cautela, ao contrário de inviabilizar o alcance de disposições do Código Civil, norteia a integração do Direito prevista nos artigos 107 e seg. do CTN/66.

58. O Direito é uno, e seus ramos denotam sua multiplicidade.

59. Os artigos 123 do CTN/66 e 2.035, p.único, do CC/02 deixam clara a integração sobredita quando, no primeiro, é dito que salvo disposições de lei em contrário, as convenções particulares, relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos, não podem ser opostas à Fazenda Pública, para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes, e, no segundo, que nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos.

60. Ademais, a Constituição Federal torna saliente uma tônica que permeia todos os ramos do Direito, qual seja que estes trazem consigo uma função social – v.g.: artigos 1º, III, 3º, I, IV, 5º, XXIII, 173, § 1º, I, 182, caput, e §§ 2º e 4º, e 186, todos da CF/88.

61. Sem querer a exaustão, note-se que a Lei Maior mostra no seu artigo 182, § 4º, II, de maneira expressa, a integração dos ramos Civil e Tributário do Direito.

62. Leia-se – CF/88, artigo 182, § 4º, II:

" Art. 182…….".

§ 4º. É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:

I – …………

II – imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;

………

63. Não parece merecer prosperar a tese segundo a qual o lançamento de oficio de crédito tributário, incluso o decorrente de protocolização de auto de infração, somente se dá quando regularmente notificado o sujeito passivo porquanto a informação, a publicidade, dos atos administrativos diz respeito à eficácia destes e à moralidade administrativa.

64. A afirmação encontra abrigo na doutrina e no próprio direito posto, a exemplo dos extratos a seguir indicados:

– "A publicidade, contudo, não é um requisito de forma do ato administrativo,"não é elemento formativo do ato; é requisito de eficácia e moralidade…." [09]

…….

Em alguns casos, a forma de publicidade exigida é a notificação pessoal ao interessado no ato ou a quem o ato beneficia ou prejudica.

Lei nº. 8.666, de 21 de junho de 1993, artigos 26 e 61, p. único:

"Art. 26. As dispensas previstas nos §§ 2º e 4º do art. 17 e no inciso III e seguintes do art. 24, as situações de inexigibilidade referidas no art. 25, necessariamente justificadas, e o retardamento previsto no final do parágrafo único do art. 8º desta Lei deverão ser comunicados, dentro de 3 (três) dias, à autoridade superior, para ratificação e publicação na imprensa oficial, no prazo de 5 (cinco) dias, como condição para a eficácia dos atos. (Redação dada pela Lei nº 11.107, de 2005).(Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)." (grifei).

……..

Art. 61…….

Parágrafo único.  A publicação resumida do instrumento de contrato ou de seus aditamentos na imprensa oficial, que é condição indispensável para sua eficácia, será providenciada pela Administração até o quinto dia útil do mês seguinte ao de sua assinatura, para ocorrer no prazo de vinte dias daquela data, qualquer que seja o seu valor, ainda que sem ônus, ressalvado o disposto no art. 26 desta Lei.

65. Com o máximo respeito, outra afirmação insustentável é que o crédito tributário, e, em corolário, o respectivo ato de lançamento, submetido a processo administrativo, somente se mostra definitivamente constituído quando da conclusão deste (processo).

66. O desacerto da assertiva reside em considerar surtindo efeitos, eficaz, um ato administrativo inacabado, portanto inexistente. Se o crédito tributário, segundo tal entendimento, apenas se constitui definitivamente com o trânsito em julgado de decisão emitida em processo administrativo de controle de legalidade do ato de lançamento correlato, implica dizer que, na hipótese, o lançamento é ato complexo, ou seja, resulta "da conjugação de vontade de órgãos diferentes" [10].

67. Realmente, não tem esse perfil o lançamento, que é ato administrativo da categoria dos simples [11], sendo bastante a manifestação de um único Servidor Fiscal para sua consumação.

68. A possibilidade do crédito tributário, e, em decorrência, do respectivo ato de lançamento, sofrer alteração por decisão administrativa, não significa sua incompletude; ao invés, indica sua pré-existência.

69. Não tem lugar o apelidado lançamento provisório. Ou há lançamento, e crédito tributário, ou não há.

70. Pela própria letra do seu art. 151, III, pelo qual as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo, suspendem a exigibilidade do crédito tributário, o CTN/66 deixa claro que, quando de tais reclamações ou recursos, que, relativamente a Auto de Infração, acontecem no curso do processo administrativo fiscal, o citado crédito tributário já se encontra constituído.

71. O aludido art. 151, III, ao dispor sobre a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, não só o admite como existente e válido, mas também o presume líquido, certo e exigível.

72. E não cabe entender diferente. Como poderia o CTN, art. 151, III, dizer da exigibilidade do crédito tributário se não o considerasse, além de existente e válido, líquido e certo? Um crédito ilíquido ou incerto não pode ser exigível, senão depois de liquidado e acertado.

73. Essa presunção de liquidez e certeza do crédito tributário – dívida tributária ainda não inscrita (Lei nº. 6.830/80, art. 2º), extraída do art. 151, III, CTN, obviamente relativa, é depreendida a partir do art. 204 do CTN e da presunção de legitimidade que caracteriza os atos administrativos.

74. O lançamento não notificado ao sujeito passivo, malgrado assente eficácia imediata para o sujeito ativo, influencia reflexamente no patrimônio daquele (sujeito passivo).

75. É que, consumado o lançamento, livra-se a Fazenda Pública dos efeitos da decadência, passando a sofrer os da prescrição tributária; mesmo longe dos olhos do sujeito passivo.

76. Muita vez a comparação leva à concisão.

77. O ordenamento jurídico estipula situações nas quais uma pessoa tem seu patrimônio modificado, ou influenciado, por atitudes alheias ao seu conhecimento, tomadas unilateralmente por outrem.

78. Um exemplo bastante comum é a perda da propriedade pelo usucapião [12].

79. O Código Civil, em seu artigo 1.238, estatui sobre o denominado usucapião extraordinário [13], em virtude do qual o posseiro, ainda que invasor clandestino de um imóvel, adquire-lhe a propriedade.

80. No exemplo dado, o ato unilateral do posseiro invasor, mesmo realizado às escondidas, desconhecido pelo verdadeiro dono do imóvel, tem eficácia suficiente para modificar o patrimônio do titular do bem apossado.

81. O lançamento é ato praticado unilateralmente por Servidor Fiscal, agente do sujeito ativo tributário.

82. Identificado – e não notificado – o sujeito passivo quando da feitura do lançamento, na forma do artigo 142 do CTN [14], e seu patrimônio recebe a influência fiscal respectiva.

IV – Atributos do lançamento esclarecedores da prescrição tributária

83. Exposto o ato administrativo de lançamento, é de bom alvitre aludir a quatro atributos que lhe são elucidativos: imperatividade, presunção de legalidade ou legitimidade, exigibilidade e executoriedade ou exeqüibilidade.

84. Por oportuno, essas qualidades muito iluminam a visão acerca da prescrição tributária.

85. Vejam-se os seguintes conceitos propostos pelo professor Celso Antônio Bandeira de Melo [15]:

I – imperatividade: "é a qualidade pela qual os atos administrativos se impõem a terceiros, independentemente de sua concordância. Decorre do que Renato Alessi chama de "poder extroverso", que permite ao Poder Público editar provimentos que vão além da esfera jurídica do sujeito emitente, ou seja, que interferem na esfera jurídica de outras pessoas, constituindo-as unilateralmente em obrigações.";

II – presunção de legalidade ou legitimidade: "é a qualidade, que reveste tais atos, de se presumirem verdadeiros e conformes ao Direito, até prova em contrário.

III – exigibilidade: "é o atributo do ato pelo qual se impele à obediência, ao atendimento da obrigação já imposta, sem necessidade de recorrer ao Poder Judiciário para induzir o administrado a observá-la.";

IV – executoriedade ou exeqüibilidade: "é a qualidade pela qual o Poder Público pode compelir materialmente o administrado, sem precisão de buscar previamente as vias judiciais, ao cumprimento da obrigação que impôs e exigiu.".

86. A partir de competência constitucionalmente estabelecida, a União, os Estados Federados, o Distrito Federal e os Municípios, por lei, impõem aos administrados os tributos de sua alçada, sobrepondo o Poder Público ao particular.

87. Nessa trilha, o ente tributante recebe a aptidão para adquirir e exercer direitos e contrair obrigações, isto é, capacidade tributária.

88. Como dito acima, baseando-se nessa capacidade, o sujeito ativo, por seus servidores fiscais, constitui o crédito tributário pelo lançamento, independentemente da concordância do administrado – imperatividade.

89. Com o lançamento, ato administrativo que, como os demais, goza de presunção de legitimidade, passa o sujeito ativo a dispor de um direito exigível, mas inexeqüível, o crédito tributário.

90. A exigibilidade do ato administrativo de lançamento, originada da aludida presunção de legitimidade, e, em conseqüência, a exigibilidade do crédito tributário que constitui seu objeto, autoriza o sujeito ativo a expedir a notificação, intimação, respectiva, para induzir, instigar, o sujeito passivo a cumprir a obrigação tributária determinada.

91. Aqui uma observação que ajuda a deduzir que a notificação, intimação, não integra o ato de lançamento.

92. É comum no cotidiano da administração fazendária que a intimação do auto de infração protocolizado (do lançamento), para que o sujeito passivo pague o crédito tributário ou ofereça impugnação, seja assinada, emitida, por funcionário público alheio ao cargo de Fiscal de Tributos, Auditor Fiscal, etc., sem qualquer mácula ao ato de lançamento.

93. Defender que a notificação, intimação, integra o lançamento, sabendo-se que este compete a servidor fiscal, é concluir que somente servidor fiscal poderia assinar, exarar, a referida notificação, sob pena de nulidade do ato de lançamento por vício de competência.

94. Tal conclusão não se compadece com o Direito, e, aos processos administrativos tributários derivados de auto de infração, confere a sobredita e inaceitável nulidade.

95. Se pela indução, provocada pela notificação, intimação, do lançamento, o sujeito passivo não paga o débito, não cumpre a obrigação, nem oferece impugnação, transcorrendo, in albis, o prazo legal para tanto, reserva-se à Fazenda Pública, por sua Procuradoria Fazendária, o dever-poder de inscrever o débito como Dívida Ativa e, em seguida, emitir a Certidão de Dívida Ativa correlata – Lei Federal nº. 6.830/80, artigo 2º.

96. Emitida a Certidão de Dívida Ativa, que supõe a falada inscrição, ato de controle administrativo de legalidade – Lei Federal nº. 6.830/80, artigo 2º, § 3º, passa o sujeito ativo a dispor de um direito público subjetivo exigível e exeqüível.

97. A Lei Federal nº. 4.320/64, que estatui normas gerais de Direito Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, em seu artigo 39, caput, e § 1º, preconiza:

"Art. 39. Os créditos da Fazenda Pública, de natureza tributária ou não tributária, serão escriturados como receita do exercício em que forem arrecadados, nas respectivas rubricas orçamentárias.

§ 1º – Os créditos de que trata este artigo, exigíveis pelo transcurso do prazo para pagamento, serão inscritos, na forma da legislação própria, como Dívida Ativa, em registro próprio, após apurada a sua liquidez e certeza, e a respectiva receita será escriturada a esse título."(Grifei).

98. A norma do §1º logo acima transcrito, pela qual os créditos tributários são "exigíveis pelo transcurso do prazo para pagamento", não deve ser interpretada literalmente. Aliás, anterior ao Código Tributário Nacional (CTN) – Lei Federal nº. 5.172/66, não chegou a conviver com este, que a revogou.

99. Senão, leia-se o artigo 151, III, do CTN:

"Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário:"

III – as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo;

100. Como anteriormente esclarecido, os termos "reclamações e recursos" do inciso III do artigo 151 do CTN devem ser vistos no sentido amplo.

101. Faz parte do dia-a-dia da Administração Fazendária que o sujeito passivo, intimado de um Auto de Infração protocolizado, de um lançamento, inicial de um processo administrativo tributário contencioso, acusatório, apresente, em tempo hábil, uma impugnação ao lançamento; suspendendo, nos termos do artigo 151, III, CTN ("reclamações"), a exigibilidade do crédito tributário até o trânsito em julgado da decisão administrativa conclusiva da relação processual. Somente com a aludida decisão administrativa transitada em julgado é que se enxerga transcorrido o prazo de pagamento do crédito tributário exposto no contencioso.

102. Ora, se "as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo", suspendem a exigibilidade do crédito tributário, como este se pode mostrar exigível apenas depois de ultrapassado seu prazo de pagamento?

103. Repise-se: aperfeiçoado o lançamento, constituído, assim, o crédito tributário, este já se faz acompanhar de exigibilidade. Todavia, malgrado exigível logo que constituído, o crédito tributário é inexeqüível. É que o lançamento é ato administrativo que não goza do atributo da exeqüibilidade ou executoriedade, sendo necessária a via judicial para compelir materialmente o administrado ao cumprimento da obrigação.

104. Para tanto, prevê o Direito positivo que a execução de dívida tributária, regulamente inscrita, é judicial e regida pela Lei Federal nº. 6.830/80 e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil.

105. Diga-se, de passagem, que, de regra, o processo concernente à cobrança de crédito tributário, se cautelar ou executivo, fiscal, reside na quadra do Poder Judiciário – Leis Federais nºs. 8.397/92 e 6.830/80, e, se cognitivo, surge no âmbito da Administração Fazendária, sendo regulado por lei própria.

106. A exeqüibilidade do crédito tributário (obrigação tributária líquida, certa e exigível – CPC, artigo 586), a possibilidade de sua execução forçada, nasce quando cumpridas pelo sujeito ativo as condições a que a lei lhe submete, que culminam com a edição de uma Certidão de Dívida Ativa.

107. Como exposto acima, e sem embargo do chamado lançamento por homologação – CTN, artigo 150, a constituição do crédito tributário se dá por declaração do sujeito passivo ou pelo lançamento de competência da autoridade prevista no artigo 142, CTN.

108. Sobre a primeira hipótese, aduz o Superior Tribunal de Justiça – STJ [16] que:

"A constituição do crédito tributário, na hipótese de tributos sujeitos a lançamento por homologação, ocorre quando da entrega da Declaração de Contribuições e Tributos Federais (DCTF) ou de Guia de Informação e Apuração do ICMS (GIA), ou de outro documento equivalente, determinada por lei, o que elide a necessidade de qualquer outro tipo de procedimento a ser executado pelo Fisco, não havendo, portanto, que se falar em decadência. A partir desse momento, em que constituído definitivamente o crédito, inicia-se o prazo prescricional de cinco anos para a cobrança da exação, consoante o disposto no art. 174 do CTN."

109. Nota-se que, declarada e não paga a dívida pelo sujeito passivo, na forma explicada pelo "Tribunal da Cidadania", fica dispensado o processo administrativo cognitivo para formação do título executivo extrajudicial, a Certidão de Dívida Ativa.

110. No caso, as condições legais a cargo da Fazenda Pública para levar exeqüibilidade ao crédito são resumidas à (1) inscrição da dívida no registro próprio e (2) emissão da Certidão de Dívida Ativa correspondente.

111. Vale ressaltar que, quando o crédito tributário é constituído por declaração do sujeito passivo, não há lançamento, ou auto-lançamento, e sim, uma confissão de dívida, mesmo na hipótese dos tributos sujeitos a lançamento por homologação, em que o administrado antecipa o pagamento.

112. É que o lançamento tributário esculpido no artigo 142, CTN, é ato tipicamente administrativo, efetuado por agente público especializado, o Servidor Fiscal.

113. Ainda no tocante ao lançamento de ofício de crédito tributário, este pode carecer ou não de processo administrativo de conhecimento, acusatório, a depender de estar ou não acompanhado de uma acusação fiscal de prática de infração à lei tributária.

114. Desde que não haja uma concomitante acusação administrativa fiscal, a requerer um Auto de Infração, a exemplo das anuais prolações de autos de lançamento de IPVA, IPTU, etc, somente acontece processo administrativo de conhecimento se, eventualmente, o sujeito passivo, reclamando uma prestação jurisdicional administrativa, ofertar impugnação ao lançamento.

115. Todavia, como antes defendido, acompanhada a constituição do crédito tributário por uma acusação administrativa fiscal de cometimento de ilícito tributário, o processo cognitivo sobredito é indispensável, por se traduzir em garantia constitucional do contribuinte.

116. Exclusive o fato processual da protocolização do Auto de infração, nas situações em que o processo é imprescindível à existência do ato administrativo de lançamento, de resto, o que se tem no procedimento, no rito, processual administrativo, são as citadas condições de exeqüibilidade do crédito tributário. Concluído o processo, somam-se as condições de exeqüibilidade da alçada da Procuradoria Fazendária, quais sejam, a inscrição da dívida e, em seguida, a exaração da Certidão de Dívida Ativa.

117. As bastas vezes referidas condições de exeqüibilidade do crédito tributário, a que se subordina a Fazenda Pública, alcançam: a notificação, intimação, do lançamento – dependa este ou não de processo para sua formação, os atos do processo administrativo tributário, impugnativo de lançamento ou originado de Auto de Infração, excetuado o fato da sobredita protocolização deste; a inscrição da dívida no registro próprio e a lavratura da certidão de dívida ativa.

118. São condições meramente formais que não influenciam no curso do prazo prescricional, salvo se a lei o disser, com sói acontecer com os dispositivos a seguir reproduzidos:

– CTN, artigo 151, III:

"Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário:"

III – as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo;

– Lei Federal nº. 6.830/80, artigo 2º, § 3º:

"Art. 2º …"

3º – A inscrição, que se constitui no ato de controle administrativo da legalidade, será feita pelo órgão competente para apurar a liquidez e certeza do crédito e suspenderá a prescrição, para todos os efeitos de direito, por 180 dias, ou até a distribuição da execução fiscal, se esta ocorrer antes de findo aquele prazo.

119. Neste ponto, poder-se-ia elaborar uma pergunta: se somente com a certidão de dívida ativa pode a Fazenda Pública intentar a ação executiva fiscal, como enxergar o curso do prazo prescricional tributário antes da emissão desse título?

120. Para a resposta, é conveniente tanto reproduzir trecho do (1) Enunciado 14, aprovado na Jornada de Direito Civil, de setembro de 2002, realizada pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, citado pela Professora Maria Helena Diniz [17], como do (2) Parecer nº. 877/2003 – PGFN/CDA, DOU de 02.09.2003, da lavra do ilustre Procurador da Fazenda Nacional, Dr. Christiano Mendes Wolney Valente.

1) "14 – Art. 189: 1) o início do prazo prescricional ocorre com o surgimento da pretensão, que decorre da exigibilidade do direito subjetivo;";

2) "19…. exigibilidade difere de exeqüibilidade.

Exigibilidade é a qualidade de exigível. Exigível é a obrigação não mais submetida a qualquer condição, termo ou encargo e que pode ter seu cumprimento solicitado pelo credor ao devedor mediante colaboração de sua vontade.

Nesse tom, toda ação em sentido material para cumprimento de obrigação deve ser calcada em uma exigibilidade prévia.

20. Já a exeqüibilidade é a qualidade de exeqüível, isto é, aptidão para ensejar um rito processual de execução forçada. Trata-se de uma eficácia a mais àquilo que já era exigível… Observa-se que, enquanto exigibilidade é conceito de direito material, exeqüibilidade é conceito de direito processual."

21. …. a prescrição ataca a exigibilidade, retirando-a do direito invocado e, por conseqüência, afetando a ação e a exeqüibilidade.

121. Aproveitando a lição da doutrinadora [18], tem-se que pretensão é "o poder de fazer valer em juízo, por meio de uma ação (em sentido material), a prestação (positiva ou negativa) devida, o cumprimento da norma legal ou contratual infringida ou a reparação do mal causado, dentro de um prazo legal…".

122. No embalo das palavras do eminente Procurador da Fazenda Nacional, é saudável lembrar que a prescrição tributária não só se atreve à ação, à exigibilidade, mas, também, ao próprio direito, o crédito tributário, a par do disposto no artigo 156, V, CTN [19].

123. De mais a mais, no processo administrativo tributário de controle de legalidade do lançamento, iniciado por impugnação do sujeito passivo ou por meio de protocolização de auto de infração, é reconhecível a prescrição originária; inexistindo qualquer referência à intercorrente, que somente se dá no curso do processo executivo fiscal judicial (Lei Federal nº. 6.830/80, art. 40, § 4º).

124. Pois bem, se com o lançamento, passa o sujeito ativo à titularidade de um direito subjetivo público exigível, o crédito tributário, adquire, também, a pretensão, ou seja, o poder de reclamar em juízo a tutela de seu direito, não satisfeito voluntariamente pelo sujeito passivo; ficando, todavia, subordinado às condições formais de exeqüibilidade antes explicitadas.

125. Tendo em mãos o crédito tributário constituído, o lançamento, não é dado ao sujeito ativo o tempo que entender conveniente e oportuno para dele notificar o sujeito passivo, se lançado de ofício, ou para inscrevê-lo como dívida ativa, se oriundo de confissão.

126. Ao tempo em que o ordenamento jurídico concede à Fazenda Pública o dever/poder de, unilateralmente, constituir o crédito tributário pelo lançamento, favorecendo-se, destarte, de um direito exigível contra o sujeito passivo, impõem-lhe o cumprimento de condições formais para, judicialmente, constranger materialmente o administrado à satisfação de seu interesse.

V – Conclusões

127. De tudo, depreende-se que:

1 – o crédito tributário é constituído por declaração do sujeito passivo, segundo a lei de regência, ou pelo ato administrativo de lançamento, vinculado e obrigatório, a cargo da autoridade prevista no artigo 142, CTN – Servidor Fiscal;

2 – associado a uma acusação administrativa fiscal de prática de ilícito tributário, o lançamento depende, para seu aperfeiçoamento, de processo cognitivo, como garantia constitucional fundamental – CF/88, artigo 5º, LIV e LV;

3 – o ato administrativo de lançamento se completa com a entrega, em meio físico ou magnético, pelo Servidor Fiscal competente do instrumento público destinado à constituição de crédito tributário (Auto de Lançamento de IPVA, Auto de Infração, etc), regularmente lavrado, à repartição fazendária a que é afeto;

4 – a exigibilidade do crédito tributário, derivada da presunção de legitimidade do lançamento, implica a pretensão executiva fiscal da Fazenda Pública e, em conseqüência, o curso da prescrição tributária;

5 – a exeqüibilidade do crédito tributário, isto é, sua "aptidão para ensejar um rito processual de execução forçada", é dependente de condições formais a que se subordina a Fazenda Pública – a notificação, intimação, do lançamento, dependa este ou não de processo para sua formação; os atos do processo administrativo tributário, impugnativo de lançamento ou originado de Auto de Infração, excetuado o fato da protocolização deste; a inscrição da dívida no registro próprio e a lavratura da certidão de dívida ativa;

6 – as condições de exeqüibilidade indicadas no item 5, retro, não influenciam no curso do prazo prescricional, salvo previsão legal em contrário, a exemplo dos artigos 151, III, CTN, e 2º, § 3º, Lei Federal nº. 6.830/80.


Notas

  1. Paulo de Barros Carvalho – CURSO DE DIREITO TRIBUTÁRIO, 19ª Ed. Saraiva, 2007, pág. 423;
  2. STJ, PRIMEIRA TURMA, 04/11/2008, REsp 742502/RJ, RECURSO ESPECIAL 2005/0061811-4, Relator Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI;
  3. Maria Sylvia Zanella Di Pietro – DIREITO ADMINISTRATIVO, 15ª Ed, Atlas, 2003, pág. 199;
  4. Celso Antônio Bandeira de Melo – Curso de Direito Administrativo, 19 ª Ed., Malheiros, 2005, pág. 367;
  5. Lei Alagoana nº. 6.555, de 30/12/2004, art. 12;
  6. obra citada, pág. 471;
  7. Constituição Federal de 1988, art. 1º, III: "A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

    III – a dignidade da pessoa humana;

  8. Alexandre de Morais – DIREITO CONSTITUCIONAL, 20ª Ed., Atlas, 2006, pág. 10;
  9. José Afonso da Silva – Curso de Direito Constitucional Positivo, 23ª Ed., Malheiros, 2004, página 651;
  10. Celso Antônio Bandeira de Melo – Curso de Direito Administrativo, 19 ª Ed., Malheiros, 2005, pág. 398;
  11. idem.
  12. Código Civil, art. 1.238: "Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis." (Grifei)
  13. César Fiúza – Direito Civil, Curso Completo, 6ª Ed. Del Rey, 2003, pág. 663: " Usucapião extraordinário – Tem como antecedente histórico a praescriptio longissimi temporis. Realmente, os únicos requisitos que se pressupõem para se adquirir por usucapião extraordinário são a posse ad usucapionem e o prazo de quinze anos. …

    Diferentemente do Direito Justinianeu, o Direito Brasileiro dispensa a boa-fé. Assim, até mesmo o posseiro, imbuído de má-fé desde o início, terá direito a requerer o usucapião extraordinário.

    "

  14. CTN, art. 142, caput: "Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível." (Grifei).
  15. obra citada, páginas 389/390;
  16. REsp 1090248/SP, RECURSO ESPECIAL 2008/0198248-7, Relator Ministro CASTRO MEIRA, Segunda Turma, DJe 18/12/2008;
  17. Maria Helena Diniz – Código Civil Anotado, 2005, Saraiva, páginas 224/5;
  18. Obra citada, página 225;
  19. CTN, "Art. 156. Extinguem o crédito tributário: V – a prescrição e a decadência;".

Manoel Omena Farias Júnior

fiscal de tributos do Estado de Alagoas, bacharel em Direito pelo Centro de Estudos Superiores de Maceió (CESMAC), julgador tributário da Coordenadoria de Julgamento da Secretaria Executiva de Fazenda do Estado de Alagoas

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