VoIP versus ICMS

Sarah Martines Carraro

I – Introdução

O presente artigo busca demonstrar a adequação da tributação do ICMS sobre os serviços de comunicação, sendo vários os obstáculos enfrentados, tendo como tema eleito, por sua vez, um dos mais ricos e importantes em nosso sistema jurídico – a não incidência do ICMS sobre os serviços de VoIP (Voz sobre IP), com seus requisitos, hipóteses de aplicação e particularidades, apresenta-se como um auxílio à satisfação desse direito.

Dentre desse objetivo, buscaremos conduzir a reflexão, primeiramente, por dados históricos, referenciais lógicos da transposição, ou, da "passagem" da Voz para redes de IP e a seguir, pela identificação de marco regulatório para VoIP – Voice Over Internet Protocol, no Brasil, com a conferência, ao final, de detalhes técnicos da operação/aplicação do VoIP.

Desde os tempos de Alexander Graham Bell, uma empresa adquire serviços de telefonia da mesma forma como adquire eletricidade, serviços de limpeza e água para o bebedouro, como pacotes definidos por um provedor externo. O fim de monopólios fez com que diversas empresas adotassem uma postura limitadora, pelos sistemas telefônicos que dependiam e embora a vasta maioria das pessoas e empresas ainda utilize a rede convencional de telefonia, um total estimado de 10% (dez por cento) do tráfego telefônico internacional, hoje, está na internet, usando o protocolo VoIP.

Desde o surgimento de estudos acerca dos serviços da indústria de telecomunicações, do início do Século XX, do matemático dinamarquês A.K.Earlang, voltados para o gerenciamento do tráfego e para a comutação da voz por centrais telefônicas, a idéia conceptiva, de Alexander Graham Bell, de conectar, por cabos elétricos, pontos fixos, entre os quais se implementaria a transmissão de sinais codificados da voz humana, consagrou-se como a estrutura topológica da telefonia mundial.

Com a instalação do novo fenômeno da internet, ancorada na idéia da conexão universal, não hierárquica e não-gerenciada, de redes "de pacotes", atuando estas por uniões físicas e por "linguagem" lógica universal de transmissão, proporcionada pelo uso de um novo protocolo/software, o protocolo IP (ou o software TCP/IP-Transmission Control Protocol), surge distinto segmento da engenharia do tráfego de redes: a congregação da IETF – International Engineering Task Force, a qual passou a debater a possibilidade de a voz, ou, sinais elétricos cofidicados da voz humana, romper limites convencionais daquele outro cenário da telefonia convencional e passar a se transmitir, como um dado multimídia, pelos pacotes da internet.

E, a partir daí, surge então o embrião final do fenômeno da Telefonia IP, hoje sintetizada na sigla Voip, ou, "Voz sobre redes IP".

II – Da análise jurídico regulatória do VoIP

Em 31 de julho de 2009, a ANATEL estabeleceu que o uso da tecnologia de VoIP devia ser analisado sob três aspectos principais, quais sejam:

a) a comunicação de voz efetuada entre dois computadores pessoais, utilizando programa específico e recursos de áudio do próprio computador – com acesso limitado a usuários que possuam tal programa – não constitui serviço de telecomunicações, mas Serviço de Valor Adicionado, conforme entendimento internacional;

b) a comunicação de voz no âmbito restrito de uma rede corporativa ou na rede de uma prestadora de serviços de telecomunicações, de forma transparente para o assinante, efetuada entre equipamento que podem incluir o aparelho telefônico, é caracterizada como serviço de telecomunicações. Neste caso, é exigida a autorização para exploração de serviço de telecomunicação para uso próprio ou para prestação de terceiros; e

c) a comunicação de voz de forma irrestrita com acesso a usuários de outros serviços de telecomunicações e numeração específica (objeto e controle pela ANATEL) é caracterizada como serviço de telecomunicações de interesse coletivo. É imprescindível autorização da Agência e a prestação do serviço deve estar em conformidade com a regulamentação.

Vejamos, portanto, que a situação descrita na letra a é a que mais se aplica no dia a dia e que trouxe a expressão de Serviço de Valor Adicionado, o qual, segundo enunciado do artigo 61 da Lei Geral de Telecomunicações – LGT, nº 9.472, de 16 de julho de 1997, corresponde à:

"(…) a atividade que acrescenta a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte, e com o qual não se confunde novas utilidades relacionadas ao acesso, ao armazenamento, à apresentação, à movimentação o à recuperação de informações. O Serviço de Valor Adicionado – SVA não constituiu serviço de telecomunicação, classificando-se seu provedor como usuário do serviço de telecomunicação que lhe dá suporte. É assegurado aos interessados o uso das redes de serviços de telecomunicações para prestação de serviços de valor adicionado."

Assim sendo, superada a análise jurídico regulatória da tecnologia VoIP, exporemos a seguir uma visão tributária para a sua aplicação e abordaremos a questão no que se refere à incidência ou não do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços de Transporte Estadual e Interestadual e de comunicação sobre o VoIP. Assim vejamos a seguir:

III – O ICMS comunicação: Origem e atual tratamento constitucional e infraconstitucional

Sobre este aspecto, cumpre ressaltar que sob a égide da Constituição Federal de 1967, o imposto sobre serviços de transporte e comunicações competia à União Federal, a teor do disposto em seu artigo 22, inciso VII menciona:

"Art. 22. Compete à União decretar impostos sobre: (…)
VII – serviços de transporte e comunicações, salvo os de natureza estritamente municipal; (…)"

O Código Tributário Nacional, de 11 de janeiro de 1973, estabelece as normas gerais que devem ser observadas pelo legislador ordinário nos artigos 68 a 70, determinando no primeiro deles o seguinte:

"Art. 68. O imposto, de competência da União, sobre serviços de transportes e comunicações tem como fato gerador:
II – a prestação do serviço de comunicações, assim se entendendo a transmissão e o recebimento, por qualquer processo, de mensagens escritas, faladas ou visuais, salvo quando os pontos de transmissão e de recebimento se situem no território de um mesmo Município e a mensagem em curso não possa ser captada fora desse território."(…)

"Art. 70. O contribuinte do imposto é o prestador de serviço."

Em 1988, os serviços de transporte e comunicações passaram a integrar a base de cálculo do ICMS, transferindo-se assim a competência para instituição do tributo da União para os Estados, nos termos do artigo 155, inciso II da atual Constituição Federal (redação atribuída pela Emenda Constitucional nº 03/93, promulgada em 17 de março de 1993, in verbis:

"Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; (…)"

Em 13 de setembro de 1996, foi promulgada a Lei Complementar nº 87, que estabeleceu em seus artigos 2º, inciso III e 12, inciso VII, o seguinte:

"Art. 2º. O imposto incide sobre:
(…)III – prestações onerosas de serviços de comunicação, por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza.
(…)Art. 12. Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento:
(…)VII – das prestações onerosas de serviços de comunicação, feita por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza." (Destacamos).

Logo após, foi publicada a Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997, que dispôs sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a criação e funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais, nos termos da Emenda Constitucional nº 8, de 1995.

No Capítulo I, "Das Definições", do Título I, "Disposições Gerais", do Livro III, "Da Organização dos Serviços de Telecomunicações", da referida Lei nº 9.472/97, o artigo 60 definiu, em seu caput, serviço de telecomunicação lato sensu e, no seu § 1º, telecomunicação em sentido estrito. Por sua vez, o artigo 61 conceituou serviço de valor adicionado, esclarecendo, em seu § 1º, que este não constitui serviço de telecomunicação:

"Art. 60. Serviço de telecomunicação é o conjunto de atividades que possibilita a oferta de telecomunicação.
§ 1º Telecomunicação é a transmissão, emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza.
(…)
Art. 61. Serviço de valor adicionado é a atividade que acrescenta, a um serviço de telecomunicação que lhe dá suporte e com o qual não se confunde, novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações.
§ 1º Serviço de valor adicionado não constitui serviço de telecomunicação, classificando-se seu provedor como usuário do serviço de telecomunicação que lhe dá suporte, com os direitos e deveres inerentes a essa condição."

Verifica-se que a simples comparação entre o artigo 60, da Lei nº 9.472/97, os dispositivos do Código Tributário Nacional (artigo 68, II, cujo conceito de prestação do serviço de comunicação foi incorporado à Constituição Federal de 1988) e os artigos da 2º, III e 12, VII, da Lei Complementar nº 87/96, promulgada em 13 de setembro de 1996, já demonstra que a única definição do citado artigo 60 que tem o mesmo sentido da utilizada no artigo 155, II, da Constituição Federal e nas mencionadas leis complementares é aquela que consta de seu § 1º, eis que a do caput tem sentido muito mais amplo.

IV – "Comunicação" e a "prestação de serviços de comunicação": Realidades distintas

O termo "comunicação" é utilizado em diferentes acepções, de modo que o conceito pelo qual devemos levar em consideração é aquele estabelecido pela disciplina da Semiótica, a qual cuida da associação que se estabelece entre o transmissor, emissor e destinatário.

Cumpre destacar que "comunicação" e "prestação de serviços de comunicação" representam realidades totalmente distintas, pois este último consiste na atividade de colocar à disposição do usuário os meios e modos necessários à transmissão e recepção de mensagens, diferindo, nessa medida, da singela realização do fato comunicacional.

Na visão do José Eduardo Soares de Melo, a prestação de serviços de comunicação pressupõe a existência de um negócio jurídico, que por sua vez diferencia da comunicação propriamente dita, na medida em que esta é o cerne do serviço a ser prestado:

"(…) prestação de serviços de comunicação constitui o cerne da materialidade da hipótese de incidência tributária, compreendendo um negócio (jurídico) pertinente a uma obrigação ‘de fazer’, de conformidade com os postulados do direito privado. Esse imposto incide sobre a prestação de serviços de comunicação em regime de direito privado (por particulares, empresas privadas, empresas públicas ou sociedades de economia mista) (…). O significado jurídico de ‘comunicação’ para fins e efeitos tributários, mantém prévia implicação com a realização do serviço, que só tem condição de ser configurado mediante a existência de duas (ou mais) pessoas (físicas ou jurídicas), nas qualidades de prestador e tomador (usuário) do serviço, constituindo heresia jurídica pensar-se em serviço consigo mesmo. (…)Naturalmente, na comunicação torna-se necessária a participação de elementos específicos (emissor, mensagem, canal e receptor), podendo ocorrer (ou não) a compreensão pelo destinatário. (…)
Apesar de ter sido asseverado que ‘comunicação é diálogo entre pessoas, de modo a colocá-las uma perante a outra, embora se encontrem distanciadas no tempo) e no espaço (lugares), de modo perspicaz ponderou-se que a relação comunicativa se dá independentemente do emissor e o receptor manterem diálogo, porque, se esta situação ocorrer, estar-se-á diante de uma nova relação. A materialidade (fato gerador) do imposto não ocorre pelo simples ato que torna possível a comunicação (disponibilização de informações), sendo necessária a prestação de serviços de comunicação, em que os sujeitos desta relação negocial (prestador e tomador, – devidamente determinados) tenham uma efetiva participação."
(MELO, José Eduardo Soares de. ICMS: teoria e prática. 11. ed. São Paulo: Dialética, 2009, p. 138-140).

Ocorre que, para clarificar a diferença entre "comunicação" propriamente dita e "prestação de serviços de comunicação", convém analisar o conceito desta última e desde logo, vale transcrever a definição assim entendida pelo Aires Fernandino Barreto:

"(…) prestação de serviço, é o esforço de pessoas desenvolvido em favor de outrem, com conteúdo econômico, sob regime de direito privado, em caráter negocial, tendente a produzir uma utilidade material ou imaterial".
(BARRETO, Aires Fernandino. Imposto sobre Serviço de Qualquer Natureza. Revista de Direito Tributário, São Paulo, v. 29, 1984, p. 188).

Diante do conceito transcrito acima, verifica-se que para definir a prestação de serviço de comunicação, torna-se necessária a coexistência dos três elementos: o prestador, o tomador e o preço do serviço. Além disso, a atividade exercida pelo prestador deve realizar a comunicação entre o tomador do serviço e terceira pessoa, mediante pagamento de um valor.

Com efeito, foi a Carta Magna que, ao outorgar aos Estados a competência para instituir o tributo em exame, determinou que ele apenas incidisse sobre as prestações onerosas de serviços de comunicação.

E, neste ponto, corrobora Roque Antonio Carrazza, no seguinte sentido:

"Realmente, a Constituição não autorizou os Estados-membros a tributarem, por meio de ICMS, simplesmente a comunicação ou, mesmo, os serviços de comunicação, mas sim, as "prestações de serviços de comunicação". Portanto, a lei que veicular a hipótese de incidência deste tributo somente será válida se descrever uma prestação de serviço de comunicação.
(…) Vai daí que o tributo em questão pressupõe, para nascer in concreto, a realização de negócio jurídico que tenha por objeto a prestação de um serviço de comunicação".
(CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 186).

Assim sendo, o ICMS só pode surgir através de uma obrigação de fazer (nunca de dar), isto é, do fato de uma pessoa, física ou jurídica, prestar, a título oneroso, serviços a terceiros. Dessa forma, só há que se falar em tributação do ICMS quando a relação ali instaurada contenha um caráter negocial.

Aliás, enquanto não se efetivar, no mundo real (mundo fenomênico), a prestação do serviço de comunicação, não se verificará o fato imponível (fato gerador "in concreto") do tributo. O ICMS nasce de um estado de fato, qual seja, a prestação efetiva, nunca a potencial, dos serviços de comunicação, ou seja, digamos que a prestação do serviço de comunicação é inidônea a ensejar o nascimento do dever de recolher ICMS. O tributo nasce do fato "prestar serviços de comunicação". Somente o serviço efetivamente prestado abre espaço à tributação de que ora estamos cogitando. Em síntese, para fins de ICMS comunicação o fazer há de ser concreto e efetivo, não, meramente potencial.

Desta feita, o tributo é indevido quando o usuário não se vale dos aparelhos que lhe são disponibilizados, para que frua do serviço de comunicação; ainda que dele venha cobrada uma taxa mínima (taxa ou preço de assinatura), que lhe garanta, a qualquer tempo, o acesso ao serviço telefônico desejado.

Partindo da premissa de que o fato "comunicação" é irrelevante para determinar a incidência do ICMS, pois a comunicação somente determinará tal incidência se for o objeto do contrato oneroso firmado entre as partes interessadas, torna-se de grande importância saber quando ocorre a prestação onerosa do serviço de comunicação previsto no artigo 155, inciso II da Constituição Federal.

Para o surgimento da prestação onerosa do serviço de comunicação há um emissor da mensagem, um receptor da mensagem e, é claro, uma mensagem, que ambos compreendam isto é, que tenha um código comum. Além disto, imprescindível a presença da determinação do emissor e do receptor da mensagem, a bilateralidade da relação entre ambos e a onerosidade diretamente vinculada a esta relação. Caso ocorra do receptor da mensagem não ser determinado e não estiver em condições de entendê-la e responder a ela pelo mesmo canal comunicativo, não há espaço jurídico para a exigência do ICMS.

Logo, a hipótese de incidência do ICMS consistiria, para esse caso, no ato de intermediar a emissão e recepção de mensagens entre duas ou mais pessoas, podendo dar-se a percussão do imposto apenas na contingência de verificar-se uma atividade em que, por força de remuneração, um indivíduo (A) forneça condições materiais a outro indivíduo (B) a fim de que este se comunique com uma terceira pessoa (C), funcionando como transmissor da mensagem na relação comunicacional.

V – Da análise tributária sobre o serviço de Voz sobre o IP

Chega-se, enfim, ao ponto mais importante do presente trabalho: a definição tributária de VoIP e sua sujeitação, ou não, à exação estadual pelo ICMS.

Após o esgotamento da pesquisa dos delimitadores do fato, pois, identificado, resta a questão simples de sua adequação à específica hipótese de incidência, porquanto os demais elementos do tributo não oferecem complexidade.

O provedor de VoIP encontra-se, hoje, na exata posição fática técnica do provimento de acesso à internet – PSCI, pelo que a atividade daquele se integra na deste, circunscrita a inovação, que sobrepõe uma à outra, à inserção, no computador servidor do último, de novos programas computacionais destinados ao gerenciamento do tráfego do dado multimídia (da voz).

Quando cuidamos no Item IV do conceito de comunicação tributável asseveramos que ele deve preencher os seguintes critérios, tais como o fato de que a prestação de serviços de comunicação que deve ser considerada e não a comunicação, e ainda, deve conter o atributo da onerosidade e decorrer de um negócio jurídico.

Ademais, além dos critérios acima elencados, deve compor a Regra Matriz de Incidência Tributária, a qual é construção científica, também denominada de norma jurídica em sentido estrito, a qual visa a indicar os critérios mínimos que devem ser preenchidos para que as normas jurídicas tributárias sejam compreendidas conformando assim a denominada unidade mínima irredutível do deôntico e, portanto, seu objetivo, que é a modificação das condutas, seja alcançado.

Ademais, sua estrutura é composta de antecedente e consequente, de forma que, ocorrida a descrição da hipótese, as relações jurídicas que estão no consequente se estabelecem. E isso se dá por decorrência lógica e não cronológica e somente no instante em que for convertida na linguagem exigida pelo direito. Em outras palavras, o antecedente caracteriza-se por conter a descrição de uma situação abstrata, sendo essencialmente seletor, pois é por meio dele que os fatos sociais são trazidos para o mundo do direito. E o único veículo de que pode fazer uso o legislador para a regulação das condutas, posto que não é possível fazê-lo de modo individualizado para todos os casos. E como anteriormente dito, com objetivos tributários, a escolha deve se dar em torno de fatos sociais que denotem riqueza, atendendo desde já o princípio da capacidade contributiva, que quando forem relatados em linguagem competente, ou seja, na linguagem do direito, concomitantemente farão surgir os efeitos presentes na outra parte da Regra Matriz de Incidência Tributária – RMIT, que é o descritor, comportando as relações jurídicas e suas consequentes obrigações ou deveres instrumentais em torno do tributo regulando as condutas previstas na hipótese e modalizando-as, necessariamente, em obrigatória, proibida ou permitida.

Assim sendo, considerando a estrutura da regra matriz de incidência apresentada, poderíamos dizer que "prestar serviços" é o componente do critério material do ICMS, sendo: prestar, o verbo, e serviço de comunicação o complemento.

O critério material ou a materialidade do ICMS é, portanto, prestar serviço de comunicação. Assim sendo: Dado que os fatos sociais eleitos pelos constituintes para comporem a hipótese de incidência dos tributos são os econômicos, apenas aqueles serviços que forem prestados a título oneroso é que serão passíveis de sofrer a exação, e isso, para quaisquer serviços, independentemente do ente político competente para instituir o tributo.

Ademais, no caso do ICMS Comunicação, repisa-se, como prestação deve ter conteúdo econômico, ou seja, onerosidade, e isto só está presente quando o esforço do prestador estiver endereçado a terceiros, certos e perfeitamente identificados: o emissor e o receptor.

Com base nos ensinamentos do Carrazza vejamos, in verbis:

"Convém remarcar, no entanto, que a mera disponibilização do acesso ou dos meios que possibilitarão o serviço de comunicação não abre espaço à tributação de que aqui se cogita. Noutras palavras, os simples atos preparatórios à prestação do serviço de comunicação ainda não implementaram o fato imponível do ICMS, que só ocorrerá quando duas pessoas trocarem, com apoio neles, mensagens, informações, sinais, etc.
(…) A manutenção e a disponibilização dos equipamentos que, quando utilizados, permitirão a prestação dos serviços de comunicação, preparam-na, mas com ela não se confundem e, portanto, isoladas, não rendem ensejo à tributação por meio de ICMS. E o quadro jurídico não se altera, ainda que estes episódios venham cobrados à parte dos tomadores dos serviços (v.g., por meio de uma tarifa ou preço de assinatura), já que tais valores não fazem parte do preço do serviço de comunicação".
(CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 204)

Como já vimos, a mera disponibilização do acesso ou dos meios que possibilitarão o serviço de comunicação não abre espaço à tributação de que aqui se cogita. Realmente, nem toda atividade que utiliza o instrumental físico necessário à prestação de serviços de comunicação realiza o fato gerador do ICMS. Noutros termos, para que ele ocorra é imprescindível que o tomador do serviço, ao contratá-lo, vise precipuamente a comunicar-se com alguém. Se o fim da atividade for outro, haverá, quando muito, prestações de serviços de natureza diversa e, via de consequência, intributáveis ao ICMS.

É pela justificativa acima que se pode afirmar que o ICMS também não alcança o serviço de voz com acesso remoto, baseado em tecnologia VOZ sobre IP (VoIP), a qual permite que clientes, indepentemente de onde se encontrarem, acessem o Sistema Telefônico Fixo Comutado (STFC) em cidades onde a prestadora de serviço esteja autorizada a operar.

Ainda assim, Carrazza corrobora que:

"(…) ao disponibilizar o serviço de voz com acesso remoto, a empresa prestadora simplesmente estará colocando à disposição do cliente o aparato necessário para que este, com maior comodidade e com custos menores, frua da prestação do serviço de comunicação a cargo da companhia telefônica. Logo, não se sujeitará, sequer em tese, à tributação por meio de ICMS." E continua: "Muito bem. Neste contexto, não devem ser tributadas por meio de ICMS as atividades que aperfeiçoam ou potencializam a prestação dos serviços de comunicação"
(CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 208)

Partindo do entendimento acima, verificar-se que se aplica perfeitamente aos Serviços de Voz sobre IP, razão pela qual não há que se falar em tributação do ICMS.

Não há na atualidade, norma legal que defina hipótese de incidência tributária, quanto ao ICMS, por prática, pelo PSCO, da conexão IP de dados multimídia (de voz). Viola, via de consequência, o princípio da legalidade tributária (artigo 146, II, alínea "a" da Constituição Federal), a instituição da exação não definida em lei, sendo, por isso, inaplicável a regra do Convênio ICMS 55/05, editada pelo CONFAZ e publicado em 05 de julho de 2005, quanto às atividades de VoIP por prestadores de acesso à internet:

"Cláusula primeira Relativamente às modalidades pré-pagas de prestações de serviços de telefonia fixa, telefonia móvel celular e de telefonia com base em voz sobre Protocolo Internet (VoIP), disponibilizados por fichas, cartões ou assemelhados, mesmo que por meios eletrônicos, será emitida Nota Fiscal de Serviços de Telecomunicação – Modelo 22 (NFST), com destaque do imposto devido, calculado com base no valor tarifário vigente, na hipótese de disponibilização:
I – para utilização exclusivamente em terminais de uso público em geral, por ocasião de seu fornecimento a usuário ou a terceiro intermediário para fornecimento a usuário, cabendo o imposto à unidade federada onde se der o fornecimento;
II – de créditos passíveis de utilização em terminal de uso particular, por ocasião da sua disponibilização, cabendo o imposto à unidade federada onde o terminal estiver habilitado.
§ 1º Para os fins do disposto no inciso II, a disponibilização dos créditos ocorre no momento de seu reconhecimento ou ativação pela empresa de telecomunicação, que possibilite o seu consumo no terminal.
§ 2º Aplica-se o disposto no inciso I quando se tratar de cartão, ficha ou assemelhado, de uso múltiplo, ou seja, que possa ser utilizado em terminais de uso público e particular.
Cláusula segunda Nas operações interestaduais entre estabelecimentos de empresas de telecomunicação com fichas, cartões ou assemelhados será emitida Nota Fiscal, modelo 1 ou 1-A, com destaque do valor do ICMS devido, calculado com base no valor de aquisição mais recente do meio físico.
Cláusula terceira Poderá a unidade federada exigir relatórios analíticos de receitas e sua respectiva documentação comprobatória, nas transações com créditos pré-pagos.
Cláusula quarta Fica revogada a cláusula sétima do Convênio ICMS 126/98, de 11 de dezembro de 1998.
Cláusula quinta As disposições contidas neste convênio não se aplicam ao Estado de Alagoas e ao Distrito Federal."
(Comunicado Anatel, de 9 de novembro de 2005. Anatel esclarece o uso de VoIP para oferta de serviço de voz. ANATEL.ANATEL: Brasília. 2005. Acesso em: 12.12.2011).

Com efeito, aplica-se à inovadora atividade (Provimento de VoIP), o precedente do STJ (Embargos de Divergência nº 456.650/PR, publicado no Diário da Justiça em 11 de maio de 2005), quanto à não ocorrência do fato gerador do ICMS (serviços comunicação). O ICMS será devido apenas por prestador de serviço típico formal de telefonia (titular do "backbone") a partir do momento em que acionada conexão telefônica através do gateway de interface da rede IP com a rede ATM, sendo o fato gerador do tributo, neste caso, a última conexão prestada (comutada "por circuito"), e sua base de cálculo, para o ICMS, o custo do serviço prestado apenas por esta operadora:

"Embargos de Divergência Recurso Especial. Tributário. Serviço Prestado pelos provedores de acesso à internet. Artigos 155, inciso II, da Constituição Federal e 2º, inciso II, da LC Nº 87/96. Serviço de Valor Adicionado. Artigo 61 da Lei n. 9.472/97 (Lei Geral de Telecomunicações). Norma n. 004/95 do Ministério das comunicações. Proposta de regulamento para o uso de Serviços e Redes de Telecomunicações no acesso a serviços internet, da Anatel, artigo 21, XI, da Constituição Federal. Não Incidência de ICMS."
(Superior Tribunal de Justiça. Embargos de Divergência em Recurso Especial n. 456.650/PR. Convenção de Informática do Estado do Paraná. Relator: Ministro José Delgado. DJ, 20 mar. 2006).

Assim como o VoIP, os provedores de acesso à internet também não são considerados meios suficientes e necessários à existência da comunicação propriamente dita.

Desta feita, identificado o mesmo entendimento sufragrado quando do julgamento da incidência ou não do ICMS sobre os provedores de acesso à internet ao serviço do VoIP e nesse sentido, cumpre destacar alguns posicionamentos de doutrinadores renomados, pelos quais aplicar-se-ão ao VoIP. Assim vejamos:

Carvalho difere a comunicação propriamente dita dos serviços de comunicação e entende que:

"(…) à luz do artigo 155, II, da Constituição Federal, a relação jurídica que constitui a hipótese normativa do ICMS somente tem lugar quando o laço comunicacional pré instalado mediante o fornecimento, pelo contratado, dos meios necessários à transmissão e à recepção, apresentando-se o contratado como transmissor de informações entre os dois pólos da relação comunicacional".
(CARVALHO, Paulo de Barros. Não-incidência do ICMS na atividade dos provedores de acesso à internet. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, nº 73, 2001, p. 97-104).

Contudo, há divergência na doutrina, cumprindo destacar o posicionamento de Marco Aurélio Greco, o qual considera que:

"(…) o serviço prestado pelos provedores de acesso à internet constitui serviço de comunicação, definido como o fornecimento de um meio para que alguém transmita mensagens."
(GRECO, Marco Aurélio. Internet e direito. São Paulo: Dialética, 2000, p. 133)

Assim, com base na definição acima, a atividade desempenhada pelos provedores constituiu serviço de comunicação, portanto ensejadora da incidência do ICMS.

Enquanto isto, Julio Maria Oliveira aponta que as relações lógicas existentes entre o serviço de provimento à internet e os serviços de comunicação que lhe dão substrato. De modo geral, conclui o autor que:

"(…) o serviço de provimento não pode ser considerado comunicação, pois não pode executar as atividades necessárias e suficientes à perfectibilização da relação comunicacional"
(OLIVEIRA, Julio Maria de. Internet e competência tributária. São Paulo: Dialética, 2001).

Nesse sentido, destaca o i. doutrinador José Eduardo Soares de Mello:

"(…) sem a prestação dos serviços de telecomunicações pelas concessionárias, parte deles contratados diretamente pelos clientes, os provedores de serviços de internet não conseguem possibilitar e realizar qualquer conexão à internet".
(MELO, José Eduardo Soares de. ICMS: teoria e prática. 11ª Ed., São Paulo: Dialética, 2009).

E, por fim, Aires Fernandino Barreto revisando a posição anterior, entende que "a atividade desenvolvida pelos provedores de acesso à internet constitui serviço de comunicação." E continua:

"O suporte físico fornecido pela empresa de telefonia não permite o acesso à internet sem o serviço de provimento, para o qual é indispensável o endereço lógico fornecido pelo provedor de internet. Assim, como não há acesso à rede sem atividade de conexão, fica evidenciado que os provedores estão sujeitos à incidência do ICMS, uma vez que realizam comunicação."
(BARRETO, Aires Fernandino. Internet, provedores, software, TV a cabo, fibra óptica. Revista de Direito Tributário, São Paulo, n. 81, São Paulo, 2001, p. 84-88).

Considerando que no futuro possa existir uma lei formal a disciplinar a inovação (VoIP), qualificando-a como serviço típico de telecomunicações, e não mais como mera aplicação, se terá de adequar a interpretação tributária à nova realidade.

Até que isso ocorra, o ICMS, quanto às aplicações e provimento de VoIP não poderá fugir que dispõe a lei, que, neste momento, não o autoriza.

VI – Conclusão

Quanto ao serviço de VoIP, enquanto resultado de mais um desenvolvimento tecnológico em telecomunicações, ele torna possível estabelecer conversações telefônicas em uma rede IP, bem como a internet, fazendo da transmissão de voz mais um dos serviços suportados pela rede de dados. E, além de dizer que o VoIP é uma tecnologia, quando discorre sobre seus aspectos ou formas de manifestação, em especial nas duas últimas possibilidades, afirma também que são serviço e serviço de telecomunicação. E assim, consideramos o VoIP enquanto serviço, mediante uso de tecnologia específica e avançada.

Dessa forma, a tributação do VoIP pelo ICMS dependerá, portanto, da análise da forma de prestação deste serviço, que deve se conformar no conceito de comunicação estabelecido, bem como, pelo preenchimento de todos os critérios da RMIT do ICMS comunicação.

Ademais, como já demonstrado acima, os provedores de acesso à internet não configuram o "canal" realizador da comunicação; não colocam à disposição do usuário os meios e modos necessários à transmissão e recepção de mensagens. Sua tarefa, por conseguinte, não é prestar serviço de comunicação, mas tornar mais eficiente o serviço comunicacional, mas sim facilitar e avançar tecnologicamente o serviço comunicacional prestado por outra pessoa. Concluímos desta forma, que se trata de um serviço de valor adicionado, ou seja, serviço agregado a outro serviço, este sim de comunicação.

Assim, ao traçarmos o critério material da hipótese de incidência do ICMS – comunicação e a natureza de VoIP, devidamente explicada e demonstrada, podemos concluir que o referido tributo não incide sob a prestação de serviços de Voz por IP, ou simplesmente VoIP.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Sarah Martines Carraro

Advogada e especialista em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

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