União aposta em acordos para tentar resolver disputas bilionárias de PIS/Cofins
Por Beatriz Olivon — De Brasília
Previstos para serem extintos pela reforma tributária, o PIS e a Cofins são objeto hoje de pelo menos 300 discussões tributárias acompanhadas de perto pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), com impacto gigantesco para a União. Em apenas 13 delas, a previsão se aproxima de R$ 1 trilhão, segundo o órgão.
É consenso no meio público e privado que a legislação das contribuições sociais, que já tem 20 anos, não funciona bem. O foco da PGFN agora e durante a transição para o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) será tentar resolver essas pendências, investindo principalmente em acordos com os contribuintes – as chamadas transações tributárias.
A procuradoria prevê a abertura de editais sobre uma das principais discussões: a que trata sobre o conceito de insumo para créditos de PIS e Cofins. Nem depois de o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidir a questão ficou claro quem tem direito a créditos, em quais situações, e os litígios prosseguiram.
Ainda existem 5.240 processos sobre o tema em tramitação no Judiciário. Empresas e Receita Federal discutem sobre a possibilidade de gastos com produtos de limpeza e publicidade, por exemplo, gerarem créditos.
A transação é considerada uma alternativa, segundo Lana Borges, procuradora-geral adjunta de Representação Judicial, tendo em vista que, pelo texto da reforma tributária, durante um tempo será necessário lidar com duas correntes de discussão judicial – os tributos antigos e os novos.
O texto da lei complementar para regulamentar a reforma tributária, enviado pelo governo ao Congresso Nacional, prevê que os créditos de PIS e Cofins ainda poderão ser usados durante um período de transição. “São muitos processos e poucos procuradores. Para nós, quanto mais resolvermos e reduzirmos a litigiosidade, melhor”, afirma.
A procuradora lembra que não há previsão de quando todas essas disputas tributárias serão julgadas. A de maior valor para a União no anexo de riscos fiscais do projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2025 está no Supremo Tribunal Federal (STF). Trata da exigência de lei complementar para a cobrança de PIS e Cofins sobre importação. O impacto é estimado em R$ 325 bilhões.
Também estão na lista a inclusão do PIS e da Cofins nas suas próprias bases de cálculo, que tem impacto estimado em R$ 65,7 bilhões, e a inclusão do ISS na base de cálculo do PIS e da Cofins, com impacto estimado em R$ 35,4 bilhões.
Discussões sobre PIS e Cofins são candidatas a serem objeto de transações do contencioso pela forte litigiosidade e porque nem sempre as decisões do Judiciário foram terminativas – como no caso dos insumos. “Hoje temos foco na transação com relação a essas discussões”, afirma a procuradora, acrescentando que a reforma tributária acaba sendo mais um estímulo, já que esses tributos serão substituídos pela CBS.
A procuradora lembra, contudo, que a transação precisa ter vantagem dupla – para a Fazenda e para o contribuinte. Por isso, afirma, não seriam incluídas teses em que a Fazenda saiu vitoriosa, apenas as que ainda estão em aberto.
Hoje, os principais pontos em discussão sobre PIS e Cofins são a não cumulatividade e a base de cálculo, segundo Larissa Longo, pesquisadora do Núcleo de Tributação do Insper. Para ela, o projeto de reforma tributária do consumo resolve essas questões. Então, diz, a tendência é haver, efetivamente, uma redução do contencioso.
O impacto do contencioso para empresas é o estoque de capital improdutivo, de acordo com a pesquisadora. “Elas pegam recursos que podiam empregar na geração de capital produtivo e direcionam para contratar assessoria jurídica, contábil”, afirma. Para a União, por sua vez, acrescenta, o risco é não saber quanto vai conseguir arrecadar, já que nem todos os contribuintes pagarão os tributos como previsto. “É imprevisibilidade para todo mundo.”
Os problemas com o PIS e a Cofins começaram cedo”
— Alessandro Cardoso
Ainda segundo a pesquisadora, as disputas sobre PIS e Cofins são um terço das listadas no anexo de riscos fiscais. Os tributos ocupam o segundo lugar entre os discutidos no Judiciário, de acordo com pesquisas do Núcleo de Tributação do Insper. Ficam atrás apenas da contribuição previdenciária – que tem muitas discussões de casos concretos.
“O PIS e a Cofins começaram errado”, afirma ela, destacando que o regime de não cumulatividade foi sendo desenvolvido junto com a jurisprudência. “Então, o PIS a Cofins se tornaram uma espécie de puxadinho.”
Em 2019, diz Larissa Longo, o estoque do contencioso da Cofins correspondia a 314,3% da arrecadação do tributo daquele ano. O dado consta no relatório Diagnóstico do Contencioso Judicial Tributário Brasileiro, elaborado pelo Insper em parceria com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Ainda segundo dados do relatório, a Cofins foi o tributo federal que mais demandou consultas fiscais – o que mostra muitas dúvidas dos contribuintes para interpretação da legislação.
Alessandro Mendes Cardoso, do escritório Rolim Advogados, lembra que os problemas com os PIS e a Cofins começaram cedo e tiveram como pontos altos as discussões sobre não cumulatividade e a composição da base de cálculo – já se discutiu e ainda se discute se outros tributos e as próprias contribuições sociais entram no cálculo do PIS e da Cofins.
Em tese, afirma o advogado, a base de cálculo mais ampla da CBS deve evitar vários questionamentos sobre o conceito de insumo e, além disso, existe a previsão expressa de que a base de cálculo não incluirá outros tributos. “Com o creditamento amplo e a base de cálculo, dois problemas serão minimizados [em relação ao PIS e à Cofins]”, diz.
Para Felipe Salto, economista-chefe e sócio da Warren Investimentos, o PIS e a Cofins vão sumir com a reforma, mas o passivo seguirá vivo e o contencioso pode aumentar ainda mais com os novos tributos. Ainda segundo ele, para as empresas poderá ser necessário contratar mais advogados tributaristas, aumentando mais custos de compliance e de provisão para lidar com os potenciais passivos.