TJMT manda Fazenda aceitar seguro-garantia da Bunge
Por Isabela do Carmo e Laura Ignacio — De São Paulo
O Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) autorizou a Bunge Alimentos a apresentar uma apólice de seguro-garantia para obter certidão positiva com efeitos de negativa – o que possibilita, entre outros, a participação em licitações e obtenção de empréstimos. A companhia do setor do agronegócio discute com a Fazenda mato-grossense um suposto débito de ICMS superior a R$ 76 milhões.
Ao reformar a decisão de primeira instância, a relatora do caso na 1ª Câmara de Direito Público e Coletivo do TJMT, desembargadora Maria Erotides Kneip, reconheceu que, embora o seguro-garantia não suspenda a exigibilidade do crédito tributário, ele é suficiente para fins de garantia do juízo e para evitar restrições que poderiam comprometer as atividades da companhia.
Andrey Biagini, sócio da área tributária do Lobo de Rizzo Advogados, explica que o seguro-garantia ganhou grande apelo no mercado por ser uma alternativa menos onerosa do que o depósito judicial. Segundo ele, porém, ainda existe uma questão jurídica sensível, que aguarda definição pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
“Há uma dúvida que o STJ ainda não enfrentou: se o seguro tem o poder de afastar protesto e inclusão no Cadin [Cadastro de Inadimplentes], que na prática é a lista de maus pagadores do Estado”, diz. Em complemento, afirma: “A Receita Federal, os Estados e muitos municípios interpretam que o seguro libera a certidão positiva com efeitos de negativa, mas não entendem que o seguro suspende o crédito tributário.”
Biagini lembra que o seguro-garantia não está previsto no artigo 151 do Código Tributário Nacional (CTN), que trata das causas de suspensão da exigibilidade do crédito. “Quando o crédito está suspenso, o Fisco fica impedido de executar. No depósito judicial, por exemplo, o Fisco tem garantia absoluta de que, se ganhar a ação, o valor entra em renda. O seguro não oferece essa mesma lógica na visão das autoridades fiscais”, afirma.
Por isso, ele explica que hoje há uma divisão clara: “O seguro garante a certidão [fiscal], mas não consegue afastar protesto e Cadin. É isso que o STJ vai precisar definir: se o seguro tem ou não o poder de impedir essas restrições. É uma discussão que ainda não foi julgada, e o mercado está de olho, porque, sem isso, o seguro perde muita atratividade.”
Para o advogado, o uso crescente do Cadin pelos Fiscos torna o debate ainda mais urgente, “já que a restrição pode comprometer vendas, crédito e a própria operação de muitas empresas”. A 1ª Seção do STJ afetou os Recursos Especiais 2.098.943 e 2.098.945, de relatoria do ministro Afrânio Vilela, para julgamento do tema pelo rito dos recursos repetitivos (Tema 1.263).
Biagini avalia que o julgamento do TJMT está alinhado à tendência de ampliação da garantia com o uso do seguro. Mas ressalta que a decisão ainda pode ser contestada por meio de agravo interno ou recurso ao próprio STJ.
O advogado Filipe Richter, sócio da área tributária do Veirano Advogados, destaca que a decisão reforça que o seguro-garantia pode ter prazo de vigência determinado. “As Fazendas costumam recusar a garantia com validade por entenderem que, assim, acabam ficando com uma dívida a descoberto”, diz.
O advogado explica que o STJ tem entendimento consolidado de que o seguro-garantia com prazo determinado é válido para suspender a exigibilidade de créditos não tributários. “A Fazenda usa essa jurisprudência para dizer que se a apólice tem prazo de validade não serve para garantir o crédito tributário”, afirma (Tema 1203).
Mas ele destaca uma terceira decisão da Corte que separaria o joio do trigo (REsp 1.838.837). “O STJ já decidiu que a renovação automática da apólice de seguro-garantia judicial só não ocorrerá se não houver mais risco a ser coberto”, diz. “E se a apólice contiver cláusula que assegure a renovação automática ou sinistro, em caso de não renovação, até o trânsito em julgado da execução fiscal, pode sim ter prazo determinado”, acrescenta.
Richter aponta que a legislação permite o uso do seguro-garantia, mas algumas Fazendas começaram a regulamentar criando restrições. “Se o seguro-garantia tiver prazo determinado, porém, com cláusulas que garantam o pagamento, as grandes praças aceitam a apólice”, afirma. “Temos casos semelhantes ao da Bunge no escritório, mas fica sempre no âmbito da primeira instância porque as seguradoras ajustam a cláusula sobre a renovação e a Fazenda aceita.”
Segundo o tributarista, a decisão do TJMT é importante porque entre grandes empresas o mais usado é o seguro-garantia. “O custo dele, no mercado, hoje, fica entre 0,2% e 3,5% ao ano, enquanto a da carta fiança costuma variar de 2% a 5% do valor do débito em discussão ao ano e o impacto do depósito é grande no caixa”, diz.
Quando a Lei nº 13.043, de 2014, alterou Lei de Execuções Fiscais para incluir o seguro na legislação, acrescenta, “vimos uma crescente oferta dessa opção, o que fez o preço desabar”. “Além disso, a liquidez é muito boa, o juiz manda e a seguradora paga”, afirma Richter.
Por meio de nota, a Procuradoria Geral do Estado de Mato Grosso (PGE-MT) afirma que, ao ser intimada da decisão, analisará a possibilidade de interpor recurso. “O Estado tem exigido que a garantia seja prestada em dinheiro, por meio do depósito integral do débito, e não por seguro-fiança. Embora existam precedentes que permitem ao devedor oferecer o seguro, o Estado tem reiterado a necessidade do depósito integral”, diz a nota.
Procurada pelo Valor, a Bunge não deu retorno até o fechamento da edição.
*Isabela do Carmo é participante do Curso Valor de Jornalismo Econômico, sob supervisão do editor Arthur Rosa