Supremo livra de IPTU concessionária que constrói linha de metrô
Por Bárbara Pombo — De Brasília
O Supremo Tribunal Federal (STF) abriu dois importantes precedentes para liberar a Concessionária Linha Universidade, responsável pela construção e operação da Linha 6-Laranja do Metrô de São Paulo, de recolher o IPTU sobre os imóveis desapropriados para a execução da obra.
Além de impactar positivamente o caso concreto, ao evitar aumento financeiro do custo da obra, especialistas afirmam que essa primeira orientação do STF pode vir a repercutir em modelagens de novos projetos de concessão em infraestrutura.
Os ministros da 1ª Turma do STF analisaram dois recursos da concessionária contra decisão individual (monocrática) do ministro Alexandre de Moraes, relator. Nela, ele reverteu decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) favorável à imunidade do IPTU sobre os imóveis desapropriados (RE 1411101 e RE 1411264).
A maioria dos ministros da Turma, no entanto, entendeu que o imposto municipal não deve ser recolhido. Isso porque os imóveis continuam afetados para o serviço público.
A oneração da população aconteceria de maneira indireta”
— Luiz Fux
O placar foi apertado: 3 votos a 2 a favor da empresa. Prevaleceram os votos dos ministros Luís Roberto Barroso, Cármen Lúcia e Luiz Fux. Moraes e o ministro Dias Toffoli ficaram vencidos.
A análise dos casos ocorre no Plenário Virtual do STF. Todos os cinco ministros que compõem a turma já votaram. Mas o julgamento só será encerrado hoje, o que deixa em aberto a possibilidade de novos pedidos de vista ou de destaque, assim como o deslocamento do julgamento para o plenário físico.
Na prática, as decisões extinguem cobranças fiscais (execuções) que correm na Justiça, segundo Evandro Azevedo Neto, sócio do escritório Viana e Azevedo Advogados, que representa a concessionária nos processos. “E vão orientar, como precedentes, outros processos similares em andamento”, explica.
Em nota ao Valor, a chamada LinhaUni informou que não comentaria os casos. A Prefeitura de São Paulo, também por nota, afirmou que os recursos extraordinários ainda estão em análise pelo STF.
A Concessionária Linha Universidade é formada pelas empresas Acciona, Société Générale, o fundo de investimento francês Stoa e a Linha Universidade Investimentos. Possui contrato de 24 anos com o Estado de São Paulo para construção e operação da Linha 6-Laranja do Metrô.
Trata-se do maior projeto de parceria público-privada de infraestrutura em andamento na América Latina. A linha vai conectar a região central com a zona norte da capital paulista, em 15,3 quilômetros de extensão e 15 estações. A previsão é de que pouco mais de 600 mil pessoas sejam transportadas por dia.
A discussão levada ao STF é se a concessionária, enquanto empresa privada que aufere lucro, teria direito à imunidade do IPTU dos imóveis desapropriados pelo Estado para a execução da obra.
Um dos argumentos da empresa é que ela não possui a propriedade ou a posse dos imóveis, logo não seria contribuinte do imposto. “A concessionária é mera ocupante enquanto constrói e executa o contrato. Além disso, os imóveis são usados para o serviço público”, defende Neto.
Para o relator, ministro Alexandre de Moraes, isso não seria suficiente para afastar a tributação. Ele destacou que o Código Tributário Nacional estabelece que o contribuinte do IPTU é o proprietário do imóvel, o titular do seu domínio útil, ou o seu possuidor a qualquer título.
Além disso, considerou que o STF, em julgamentos recentes, definiu que pessoas jurídicas de direito privado com o objetivo de auferir lucro não podem usufruir de vantagem advinda da utilização de bem público.
Ele se refere a decisões de repercussão geral que julgaram o alcance da imunidade tributária recíproca – regra prevista na Constituição que impede a União, os Estados e os municípios de exigirem impostos uns dos outros. Isso consta no artigo 150, inciso VI, alínea a.
O Supremo já estabeleceu alguns limites para a aplicação desse benefício. Definiu, por exemplo, que o IPTU pode ser exigido de imóvel de pessoa jurídica de direito público cedido a pessoa jurídica de direito privado, que é a devedora do tributo (Tema 437, RE 601720).
Em outro julgamento, a Corte bateu o martelo no sentido de que o IPTU pode ser cobrado de empresa estatal arrendatária de imóvel público, quando ela explorar atividade econômica com fins lucrativos (Tema 385).
Mas, para os ministros Luís Roberto Barroso, Cármen Lúcia e Luiz Fux, o caso dos imóveis da Linha Laranja é diferente. Naquelas situações, Barroso disse ao votar, a desvinculação do bem imóvel das finalidades públicas foi apontada como elemento central para a incidência do IPTU.
No caso dos autos, ele acrescenta, o imóvel permanece afetado ao serviço público, já que se trata de área destinada à construção de linha do metrô, mesmo após a transferência do uso de bem público para a concessionária privada. “Trata-se de elemento de distinção relevante, que conduz ao afastamento dos precedentes obrigatórios e à conclusão pela não incidência do imposto na hipótese”, afirmou.
Para a ministra Cármen Lúcia, conforme decidiu o TJSP, a posse dos imóveis desapropriados está com a empresa concessionária, mas sem o chamado “animus domini”, ou seja, sem intenção de ser dono do bem.
Em um voto de 42 páginas, o ministro Fux ainda levou em conta que a cobrança do IPTU sobre imóveis afetados à prestação de serviço público acarretaria, no fim, em aumento no preço das tarifas. “A oneração da população nesta hipótese acontece de maneira indireta, sem que os cidadãos atingidos pelo aumento do custo do serviço possam verificar, de antemão, que o ônus se deve ao valor do tributo municipal”, afirmou.
Para o advogado Hendrick Pinheiro, do escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados, a orientação é relevante diante de um cenário ainda nebuloso sobre a exigência de IPTU em contratos de concessão. “O que se pode extrair é que se o imóvel estiver diretamente afetado ao serviço público existe chance de afastar o IPTU”, explica.
Para o advogado, a lógica da decisão é relevante para estruturar novas concessões. Mas ele lembra que o julgamento teve placar apertado e foi realizado por uma turma do STF, composta por cinco ministros, e não pelo plenário completo da Corte.