STJ nega tributação sobre crédito presumido de ICMS
Por Marcela Villar — De São Paulo
Empresas conseguiram afastar, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), a tributação de crédito presumido de ICMS, tipo de benefício fiscal dado pelos Estados. Em duas decisões, os ministros Gurgel de Faria e Teodoro Silva Santos entenderam que esses valores devem ser excluídos do cálculo do Imposto de Renda (IRPJ) e da CSLL, mesmo após a entrada em vigor da nova Lei de Subvenções, a nº 14.789, de 2023. A Fazenda Nacional vai recorrer.
Essas são as primeiras manifestações do STJ sobre a nova legislação. A partir dela, o governo passou a tributar, desde 2024, todas as categorias de benefícios fiscais e permitiu que os contribuintes apurassem crédito fiscal ao invés de excluir da base de cálculo.
O tema é relevante para a União. Ao propor a Medida Provisória (MP) nº 1.185/2023, que antecedeu a lei, o governo previu aumento de R$ 35,4 bilhões na receita anual – depois reduziu para R$ 26,3 bilhões. O assunto ainda motivou a publicação de instruções normativas pela Receita e três soluções de consulta que, na visão de advogados, trouxeram novas limitações. As normas dizem expressamente que a jurisprudência do STJ não se aplica para o crédito presumido.
As primeiras decisões da Corte, porém, dizem o contrário. Para dois ministros, da 1ª e 2ª Turmas, os precedentes do STJ prevalecem sobre a nova legislação. Isso porque as decisões que afastam a tributação sobre o crédito presumido se baseiam na violação do pacto federativo, um fundamento constitucional que uma lei não pode alterar.
Eles citam julgamento de 2017 em que a 1ª Seção afastou a tributação desse benefício por entender que a União não poderia se apropriar de valores cedidos pelos Estados (EREsp 1517492). Esse entendimento não foi estendido aos demais incentivos fiscais – redução de base de cálculo, alíquota ou isenção. Para os outros tipos, devem ser cumpridos os requisitos do artigo 30 da Lei nº 12.973, de 2014, para afastar a cobrança (Tema 1182).
O ministro Gurgel de Faria lembrou de outra decisão da 1ª Seção, de 2021, que analisou a superveniência da Lei Complementar nº 160/2017. Ela alterou a lei de 2014 e tratou os incentivos estaduais como subvenção para investimento. Nesse julgado, os ministros definiram que o acórdão de 2021 “não tem o condão de alterar o entendimento desta Corte de que a tributação federal do crédito presumido de ICMS representa violação do princípio federativo” (EREsp 1528697).
“Fica nítido, pois, que o fundamento jurídico sustentado pelo Superior Tribunal de Justiça, para não incidência de IRPJ e CSLL sobre o crédito presumido de ICMS, consiste na proteção do pacto federativo e não no disposto no artigo 30 da Lei nº 12.973/2014, de modo que a sua revogação por meio da Lei nº 14.789/2023 não tem o condão de alterar a conclusão a que chegou esta Corte”, diz Faria (REsp 2202266).
Ele acolheu o recurso da empresa Andreetta, de concreto e mineração. Ela havia recorrido de decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), que havia limitado a exclusão do crédito presumido à 31 de dezembro de 2023. Mas o ministro relator no STJ afastou essa restrição, seguindo parecer do Ministério Público Federal (MPF).
A tributarista Thaize Tamaio, sócia do Maran, Gehlen & Advogados, que atuou no caso, diz que a Lei nº 14.789 não altera o entendimento do STJ. “Não importa se vem uma nova lei ordinária ou até uma lei complementar, isso não interfere, porque a fundamentação do STJ consiste exatamente na proteção do pacto federativo”, diz.
A advogada afirma que as empresas com decisões definitivas sobre o tema, mesmo antes da lei, não precisariam entrar com novo processo, pois o fundamento legal não mudou. Mas como muitas têm receio da cobrança e o entendimento da Receita é contrário, ela tem adotado essa estratégia. “Por garantia, a gente pede que seja reconhecida a extensão do trânsito em julgado”, diz.
No outro caso julgado pelo STJ, a concessionária de veículos Santa Clara buscava afastar a tributação de todos os tipos de benefício fiscal, mas o ministro Teodoro da Silva Santos manteve decisão do TRF-4 que só acatou pedido para o crédito presumido. Na visão do relator, a nova Lei de Subvenções “não incide sobre o tratamento dos créditos presumidos de ICMS” (REsp 2975719).
“Permanece hígido o entendimento consolidado da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça de que ‘não é possível a inclusão de créditos presumidos de ICMS na base de cálculo do IRPJ e da CSLL’”, afirma ele, ao negar o recurso da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN).
Gleison Schütz, sócio do Machado Schütz Advogados Associados, que representou a empresa, diz que vai recorrer para que a decisão abarque todas as subvenções. “Consideramos a decisão absurda, porque não reconhece a exclusão para os outros incentivos”, diz o advogado, que moveu a ação em 2020 para discutir a exclusão no âmbito da LC nº 160/2017.
“O TRF entendeu que não foram cumpridos os requisitos da lei, mas a empresa constituiu reserva de lucros e a identificação dos requisitos ficaria a critério da administração pública fiscalizar ou não, não se daria em um mandado de segurança”, acrescenta. Sobre a nova Lei de Subvenções, a considera inconstitucional.
Em nota ao Valor, a PFGN diz que “o substrato legal vigente” da decisão de 2017 do STJ “já não subsiste, em razão das alterações legislativas que se seguiram”. “A violação ao pacto federativo é matéria constitucional a ser apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, razão pela qual recorrerá das decisões que contrariem esta premissa”, afirma.
Para a tributarista Maria Andréia dos Santos, sócia do Sanmahe Advogados, o entendimento dos ministros é correto. “Ambas as decisões consideraram que o mesmo fundamento legal que existia para se reconhecer que o crédito presumido não poderia ser tributado é constitucional”, diz. “Esse fundamento permanece válido e a nova lei não teria possibilidade de revogar o pacto federativo”, acrescenta.
Ela chama a atenção que os ministros afastam qualquer limitação temporal e as decisões se aplicam até para casos anteriores à vigência da nova lei. Mas o ideal, orienta, é ingressar com uma ação específica para discutir a nova lei. “Por cautela, a gente sempre recomenda que ajuíze uma nova ação para não dar margem para a União alegar que aquela ação tem eficácia limitada no tempo”, afirma.
A advogada cita outra decisão do STJ, do ministro Sérgio Kukina, que não conheceu recurso da Fazenda (REsp 2223297). Ela queria limitar decisão do TRF-4 para só permitir a exclusão do crédito presumido até dezembro de 2023. “Se fosse muito claro que está limitado o direito, a PGFN não precisaria ter recorrido para fazer isso constar claramente.”