STJ nega restituição de ICMS-ST a distribuidora
Por Luiza Calegari — De São Paulo
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou a uma distribuidora de combustíveis o direito de pedir restituição de ICMS-ST (substituição tributária). A 2ª Turma entendeu que, nesse regime, apenas a refinaria – responsável pelo recolhimento por toda a cadeia produtiva – poderia requerer a devolução do imposto.
A decisão preocupa, segundo especialistas, por aplicar à cadeia de combustíveis um precedente do STJ, em recurso repetitivo, que envolve comercialização de bebidas e um outro imposto, o IPI. Em 2010, a 1ª Seção definiu que “o ‘contribuinte de fato’ (distribuidora de bebida) não detém legitimidade ativa ad causam para pleitear a restituição do indébito relativo ao IPI incidente sobre os descontos incondicionais, recolhido pelo ‘contribuinte de direito’ (fabricante), por não integrar a relação jurídica tributária pertinente” (REsp 903394).
Na Justiça, a distribuidora de combustíveis questionou um adicional de 2% sobre o imposto instituído pelo Estado de Goiás direcionado para o Fundo de Combate à Pobreza. Em primeira instância, obteve sentença favorável, mas o entendimento foi revertido pelo Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO), que aplicou o precedente de 2010 do STJ.
Para a advogada Gabriela Uchôa de Moraes, que defende a distribuidora, o precedente não deveria ter sido aplicado ao caso, pois todas as circunstâncias são diferentes. A empresa, ao comercializar a gasolina, pratica o fato gerador do ICMS e, nessa relação, a refinaria “é tão somente responsável, um terceiro que é chamado a integrar a relação jurídico tributária tão somente em benefício da praticabilidade tributária, para facilitar a fiscalização e a arrecadação”.
Na 2ª Turma, porém, o relator do caso, ministro Francisco Falcão, votou para manter o acórdão do TJGO. Segundo ele, o substituído (no caso a distribuidora) não tem “legitimidade para discutir a cobrança do adicional, ainda mais que se considera que a legitimidade estaria empecilhada pela comprovação do não repasse do ônus financeiro”.
A mesma lógica do precedente de 2010 também foi aplicada em entendimento da Corte deste ano em relação ao ICMS-ST. Em repetitivo, a 1ª Seção definiu que, na substituição tributária para a frente, em que o contribuinte revende a mercadoria por preço menor do que a base de cálculo presumida, não se aplica a previsão do artigo 166 do Código Tributário Nacional (CTN). O dispositivo determina que a restituição de tributos pode ser feita por quem arcou com seu pagamento ou por terceiro expressamente autorizado.
Segundo o STJ, o montante pago na substituição tributária é devido no momento da cobrança e o direito do contribuinte que pagou imposto a mais só se consolida no momento da venda para o consumidor. Assim, não fica caracterizada a repetição de indébito, de que trata o dispositivo do CTN (Tema 1.191, REsp 2034975, REsp 2034977 e REsp 2035550).
Leonardo Roesler, sócio do escritório RMS Advogados, diz que esse entendimento do STJ, na prática, limita as estratégias tributárias e financeiras dos distribuidores. “Isso pode afetar diretamente o preço final dos produtos, uma vez que o distribuidor tende a repassar esse custo adicional ao consumidor, provocando um efeito inflacionário em cadeias de produção e distribuição complexas, como a de combustíveis”, afirma.
As empresas, para manterem a viabilidade financeira, acrescenta Roesler, tendem a repassar custos adicionais nos preços. “A impossibilidade de questionamento pode levar, em último caso, acrescenta, a um aumento do preço final ao consumidor”, diz ele, destacando que a decisão poderá, ainda, provocar pressões para futuras revisões legislativas ou regulamentares que permitam uma repartição mais justa e acessível do direito de restituição ao longo da cadeia produtiva.
Leonardo Varella Giannetti, tributarista do Rolim Goulart Cardoso Advogados, explica que a questão está pacificada no STJ desde o precedente de 2010, mas que desde então os especialistas vêm criticando essa construção de jurisprudência pela Corte. De acordo com ele, o regime de substituição tributária foi criado para facilitar a arrecadação por ser mais fácil tributar poucos produtores do que muitos revendedores em mercados concentrados, como os de combustíveis, indústria farmacêutica, de bebidas e automóveis.
Mesmo assim, diz ele, quem acaba suportando o pagamento do imposto é quem vende o produto ao consumidor final. “A criação de um regime tributário para facilitar a fiscalização não pode prejudicar o contribuinte que tenta recuperar o que foi pago a mais.”
Para Gabriela Uchôa, que defendeu a empresa, a decisão leva a um cenário em que nenhum integrante da cadeia poderia discutir judicialmente qualquer aspecto da relação jurídico tributária. “Permite a perpetuação de cobranças ilegais ou inconstitucionais. Inclusive porque a ação em questão, para além do reconhecimento do direito à repetição do indébito, tem também o intuito obter provimento declaratório quanto à impossibilidade da incidência do adicional de ICMS”, diz.
Já a Procuradoria-Geral do Estado de Goiás defende que o posicionamento “está alinhado com a sistemática da substituição tributária, em que a relação jurídico-tributária envolve exclusivamente o substituto e o Fisco, excluindo o substituído. O entendimento também está em conformidade com a jurisprudência do STJ, já manifestada em casos semelhantes, como no Tema nº 160”.