STJ julga disputa tributária bilionária entre Kia e União
Por Beatriz Olivon — De São Paulo
Quase uma década depois, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou a disputa envolvendo a Kia Motors e a União, caso que é considerado pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) “um dos maiores calotes que o erário já sofreu”. Porém, a 2ª Turma decidiu remeter o caso novamente à primeira instância, adiando ainda mais a longa discussão.
O processo discute o redirecionamento de uma dívida tributária da Asia Motors do Brasil para a Kia Motors – que seria sócia majoritária na época dos fatos. O valor da cobrança é de aproximadamente R$ 2 bilhões.
É referente a benefícios fiscais obtidos pela Asia Motors nos anos 90. Por dois anos, a companhia pagou menos IPI na importação de carros. A contrapartida seria a construção de uma fábrica em Camaçari (BA), que acabou não saindo do papel.
Ontem, a 2ª Turma derrubou decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) que impedia o redirecionamento. Por três votos a dois, os ministros aceitaram pedido da União, mas remeteram o caso à primeira instância, o que dá à Kia Motors a chance de apresentar novo recurso contra a medida, que havia sido concedida anteriormente.
Era ônus da Fazenda a demonstração de que havia responsabilidade da Kia Motors”
— Frederico Ferreira
A decisão do STJ, apesar de não finalizar o caso, é benéfica à Fazenda Nacional. Os ministros não analisaram no julgamento se a Kia é ou não corresponsável pela dívida, mas acabaram mantendo a companhia no polo passivo da execução fiscal até nova análise pelas instâncias inferiores.
A execução fiscal foi ajuizada em 2007 e a Kia Motors foi incluída em 2010. O crédito em cobrança é referente a uma multa por descumprimento de contrapartida de benefício fiscal.
Houve a dissolução da Asia Motors e a Fazenda Nacional entendeu que poderia haver o redirecionamento da cobrança à Kia. O TRF-1, porém, afastou a medida, que havia sido concedida em primeira instância.
O julgamento estava suspenso no STJ para desempate pelo ministro Benedito Gonçalves (REsp 1428953). O ponto central da discussão era uma questão processual. A Fazenda Nacional alegou que a Kia teria pulado uma etapa na primeira instância, levando o caso diretamente ao TRF-1.
Para a Fazenda Nacional, ocorreu supressão de instância, segundo afirmou, em sustentação oral, o procurador Sandro Soares. Para ele, é “excepcionalíssimo” o recurso a outro tribunal sem exaurir a instância original. “A parte não poderia socorrer-se automaticamente ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região”, disse.
Ele afirmou ainda que, da mesma forma que a dissolução irregular é incontroversa, a condição da Kia Motors de sócia também é. E acrescentou que teria ocorrido omissão na gestão pela montadora.
Já o advogado da empresa, Frederico José Ferreira, sócio do escritório Sérgio Bermudes, defendeu que “era ônus da Fazenda a demonstração de que havia responsabilidade da Kia Motors”. De acordo com ele, não seria possível transformar um acionista não controlador ou não gerente em responsável. “O que busca a Fazenda é inovar na sua tese, com o argumento de que a Kia seria acionista majoritária.”
O único ponto de divergência no caso, em decorrência dos quatro votos apresentados, disse, envolve o artigo 16 da Lei nº 6.830, de 1980. O dispositivo determina que, no prazo dos embargos, o executado deverá alegar toda matéria útil à defesa, requerer provas e juntar aos autos os documentos e rol de testemunhas.
Segundo afirmou o advogado, a Fazenda alegou não ser possível, em grau de recurso, discutir questões que não foram submetidas no primeiro grau, por se tratar de supressão de instância.
Em seu voto, o relator, ministro Og Fernandes, destacou que a fundamentação dessa parte do recurso é deficiente, porque a Fazenda não aponta os fatos e argumentos que teriam sido apreciados em segunda instância e não em primeira. Por isso, não conheceu o recurso nesse trecho. Foi acompanhado pelo ministro Mauro Campbell Marques.
Os ministros Herman Benjamin e Assusete Magalhães divergiram. Pelos votos divergentes, o caso voltaria à primeira instância. Foi esse bloco de votos que o ministro Benedito Gonçalves seguiu, no desempate.
No voto, Gonçalves destacou que a Kia Motors apresentou recurso (agravo de instrumento) ao TRF-1 para discutir o redirecionamento da execução fiscal e que o pedido da Fazenda quanto a esse ponto (violação do artigo 16) deve ser conhecido.
Assim como os ministros Herman Benjamin e Assussete Guimarães, Gonçalves reconheceu a ocorrência de supressão de instância por entender que as questões foram diretas ao TRF-1 por meio de agravo de instrumento. O recurso impediu a produção de provas por parte da Fazenda, segundo o ministro.
Agora, com o julgamento, é possível apresentar recurso de embargos de declaração para pedir esclarecimentos ou apontar omissões. Sobre o mérito, cabe recurso à 1ª Seção, desde que seja apresentado caso sobre o mesmo assunto julgado de forma diferente pela 1ª Turma. De acordo com o advogado da Kia, a jurisprudência é favorável à empresa na questão processual. Portanto, deverá recorrer à seção.