STF julga validade de benefícios fiscais a agrotóxicos
Por Marcela Villar, Valor — São Paulo
Após seis votos proferidos, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu julgamento que discute a validade de benefícios fiscais a agrotóxicos. O processo estava no Plenário Virtual desde 15 de dezembro e a análise deveria ser finalizada ontem, mas o ministro Alexandre de Moraes pediu vista. A Corte discute se é constitucional a redução de 60% de ICMS e isenção de IPI dada a esses produtos.
Se os incentivos forem revogados, como defendem em seus votos o relator, o ministro Edson Fachin, e a ministra Cármen Lúcia, poderá haver um aumento bilionário no custo da produção de alimentos no Brasil, segundo estudos técnicos. As estimativas divergem um pouco, mas indicam impacto de até R$ 16,5 bilhões para o setor produtivo, de acordo com uma pesquisa feita pelo BMJ Consultores Associados a pedido do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg), uma das 14 partes interessadas da ação (amicus curiae).
O placar está em 3 a 2, com maioria dos votos pela validade dos incentivos tributários. Há ainda um sexto voto, do ministro André Mendonça, divergente das duas linhas adotadas. Para ele, a União e os Estados precisam analisar “a conveniência da manutenção, extinção ou modificação de um modelo isentivo vigente há mais de meio século, ao custo estimado de bilhões de reais por ano na atualidade”, além da “ponderação de variáveis ambientais”. A análise deve retornar ao Supremo no prazo de 90 dias.
Histórico
A ação foi movida pelo Psol, em 2016, contra dois trechos do Convênio nº 100/1997, do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que reduziu o ICMS, e contra a isenção de IPI, dada pelo Decreto 8.950, de 2016. O decreto foi revogado por outra norma editada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), mas o benefício foi mantido, motivo pelo qual os ministros não deixaram de analisar o pedido.
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O Psol acredita que os dispositivos ofendem princípios constitucionais como o do meio ambiente equilibrado, do direito à saúde e da seletividade tributária. Segundo disse o partido ao STF, a desoneração fiscal facilita o acesso aos produtos químicos que “eliminam insetos necessários ao equilíbrio das plantas, contaminam a terra, o ar e os recursos hídricos”, trazendo poluição e “danos incalculáveis ao meio ambiente” (ADI 5553).
Votação
Para o ministro Gilmar Mendes, cujo voto foi acompanhado pelos ministros Cristiano Zanin e Dias Toffoli, “não há a mínima dúvida que a declaração de inconstitucionalidade ora pleiteada implicaria aumento de preços nos alimentos”. Ele até concorda com o partido de que não há motivo para conceder a desoneração, visto que o agro e “grandes produtores rurais”, baseado no princípio da capacidade contributiva, poderiam bancar o pagamento integral dos tributos.
“No entanto, penso ser ingenuidade acreditar que a revogação de tais benefícios iria ser assumida pelos próprios agentes econômicos”, afirma em seu voto. Segundo ele, a revogação traria um efeito negativo aos pequenos e médios agricultores, os quais “poderiam recorrer a produtos não licenciados, os quais não oferecem quaisquer garantias de saúde e segurança”.
O relator, ministro Edson Fachin, entende não haver prova de que a política fiscal seja efetiva. Para ele, “o uso indiscriminado [de agrotóxicos] pode acarretar diversos males ao meio ambiente, o que faz com que o ser humano possa inspirar e ingerir ar e água poluídos”. A presença das substâncias químicas em alimentos, acrescenta, vai de encontro ao direito à alimentação saudável, podendo ser considerado problema de saúde pública.
Análise
Na visão da advogada Maria Andréia dos Santos, sócia do Machado Associados, não há violação ao meio ambiente. “Há uma norma que visa proteger e garantir alimentação nas famílias das pessoas com menor ônus tributário”, diz. Segundo ela, o impacto de se julgar inválidas as normas não seria só no preço dos alimentos, uma vez que o milho e a cana-de açúcar, por exemplo, são usados para produção de combustíveis. “Inúmeras atividades podem ser impactadas pelo aumento tributário.”
Segundo o advogado Anderson Belloli, diretor jurídico da Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz), acabar com os incentivos acarretaria um aumento de 15% a 25% no custo dos produtores do Estado, responsáveis hoje por cerca de 75% da produção nacional de arroz.
“Os produtores gastam milhões na produção e, quanto menos usarem os agroquímicos, melhor. Porém, tem anos que chove mais, ou chove menos, ou somos mais afetados pelo El Niño, e se usa os químicos como remédio vegetal para preservar as plantas, produzir alimento para o país”, afirma.
Ao STF, a Presidência da República disse que a Constituição não veda benefícios fiscais a agrotóxicos e que o incentivo “não favorecerá que o produtor de alimentos coloque o defensivo agrícola em nível excessivo ou desaconselhável”. A Advocacia-Geral da União (AGU) se posicionou no mesmo sentido. Já a Procuradoria Geral da República (PGR) é contra o convênio e o decreto.
Penso ser ingenuidade acreditar que a revogação de tais benefícios iria ser assumida pelos próprios agentes econômicos
— Ministro Gilmar Mendes
“Ao fomentar a intensificação do uso de agrotóxicos, o Estado descumpre importante tarefa de extração constitucional, referente à preservação do meio ambiente e afronta diretamente a melhor compreensão do princípio constitucional do poluidor pagador”, disse a PGR. Aos ministros, o Ministério da Fazenda afirmou que, na ata de reunião do Confaz, não há justificativa para aprovação do benefício, apenas uma “motivação individual” dos Estados para adotar a renúncia fiscal.
Por meio de nota, o Psol disse que os incentivos fiscais sob discussão beneficiam majoritariamente grandes latifundiários e ferem o princípio da seletividade, ao estimular o uso de produtos nocivos à saúde na produção agrícola do Brasil. “A suspensão das isenções, estimadas em mais de R$ 10 bilhões, também colabora para o aumento da arrecadação”, diz a nota. Procurado pelo Valor, o Confaz não deu retorno até o fechamento da edição.