STF julga se marketplace responde por ICMS de vendedor

Por Luiza Calegari — De São Paulo O Supremo Tribunal Federal (STF) vai definir se os marketplaces podem ser responsabilizados pelo ICMS devido por vendedores que não emitem notas fiscais. Por unanimidade, os ministros deram repercussão geral ao tema, o que significa que o entendimento valerá para as instâncias inferiores do Judiciário. O caso levado ao Supremo questiona a Lei Estadual nº 8.795, editada em 2020 pelo Rio de Janeiro, que considera os marketplaces responsáveis passivos pelo ICMS em casos de não emissão de nota fiscal ou cumprimento de obrigações tributárias acessórias – declarações do imposto devido. No Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), a lei foi considerada constitucional nesse trecho. O que o Supremo terá que analisar agora é se um Estado pode estabelecer cenários de responsabilização tributária por conta própria, sem que haja uma lei complementar federal estabelecendo parâmetros uniformes para todo o país. Essa “reserva da lei complementar” está estabelecida nos artigos 146 e 155 da Constituição Federal, que determinam que cabe à lei complementar estabelecer normas gerais tributárias, apontando quem são os contribuintes de cada imposto. Para o Estado do Rio de Janeiro, a lei estadual está em harmonia com as leis complementares que disciplinam a cobrança do ICMS: o Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172, de 1966) e a Lei Kandir (Lei Complementar nº 87, de 1996). Em nota enviada ao Valor, a Procuradoria-Geral do Estado (PGE-RJ) diz que a lei estadual não prevê responsabilização “ampla e irrestrita” das plataformas, “mas sim específica e direcionada àquelas plataformas de intermediação que voluntariamente optem pela omissão e, consequentemente, contribuam para a disseminação de práticas fiscais ilegais nos ambientes por elas controlados”. “A responsabilidade somente ocorrerá nas hipóteses em que esses ambientes virtuais tomem conhecimento de práticas infracionais ou descumpram obrigações tributárias próprias e, ainda assim, permaneçam inertes, contribuindo para a criação de um ambiente de sonegação fiscal virtual”, afirma a PGE-RJ. Por outro lado, segundo a defesa do contribuinte no processo, a cargo dos advogados Felipe Renault e Gustavo da Gama, sócios do Renault Advogados, o Estado não poderia ter criado essa obrigação. Além de alegar violação à reserva da lei complementar, a defesa sustenta que a atividade praticada pelos marketplaces é a de intermediação, e que as empresas sequer precisam ter cadastro estadual se não tiverem estoque próprio. “O marketplace é contribuinte apenas de ISS nas vendas que intermediar e vai dever ICMS quando vender na sua plataforma produtos do seu estoque. Mas a hipótese de intermediação não tem como atrair ICMS de forma alguma”, afirma Felipe Renault. Gustavo da Gama acrescenta que a decisão do Supremo pode ter impacto em outros Estados que instituíram leis semelhantes São os casos do Ceará (Lei nº 16.904, de 2019), da Bahia (Lei nº 14.183, de 2019), do Mato Grosso (Lei nº 11.081, de 2020), da Paraíba (Lei nº 11.615, de 2019) e de São Paulo (Lei nº 13.918, de 2009), por exemplo. Segundo especialistas, essa será a primeira vez que o Supremo vai analisar a questão específica dos marketplaces. Mas, em outros processos análogos, a jurisprudência vem sendo favorável aos contribuintes. Maurício Barros, sócio da área tributária do Cescon Barrieu, destaca o Tema 1093, em que o STF decidiu que a instituição da cobrança do diferencial de alíquotas (Difal) do ICMS exigia a edição de lei complementar. O tema também foi discutido no Tema 13 da repercussão geral, em 2011, quando o Supremo considerou inconstitucional lei estadual que estabeleceu a responsabilidade solidária dos sócios de empresas por dívidas junto à Seguridade Social. Para Barros, a decisão do STF pode ter impacto no sistema de compliance dos marketplaces, que hoje operam de forma a evitar essa responsabilização. “As plataformas costumam ter muito controle sobre a emissão da nota fiscal dos vendedores, para não ter problemas”, diz. Por outro lado, segundo Gabriel Baccarini, sócio tributarista do Cascione Advogados, uma chancela da lei pelo Supremo terá o efeito benéfico de ampliar o controle que essas plataformas têm sobre os vendedores. “Não se discute aumento nem redução de tributo, mas estratégias para evitar a sonegação. Trata-se de exigir do vendedor, que atua em parceria com a plataforma, que tenha o controle da emissão da nota fiscal. Com essa obrigação cumprida, o marketplace não será responsabilizado”, afirma. Em 2024, as dez maiores plataformas de marketplace do país movimentaram cerca de R$ 321,9 bilhões, segundo o levantamento Top 300 do varejo brasileiro, do Instituto Retail Think Tank (IRTT). O ranking é encabeçado pelo Mercado Livre (R$ 138,9 bilhões movimentados), seguido por Magazine Luiza (R$ 46,1 bilhões) e Shopee (R$ 40 bilhões). Se a receita viesse de uma única empresa, e não dos milhares de vendedores que usam a plataforma, o Mercado Livre seria o maior varejista brasileiro, segundo o instituto.

Por Valor Econômico

10/09/2025 00:00:00

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