Sistema de pagamento previsto na reforma dificultará a sonegação
Por Guilherme Pimenta, Lu Aiko Otta e Jéssica Sant’Ana — De Brasília
O Brasil será pioneiro no mundo na implementação de um sistema que promete dificultar a vida do sonegador no recolhimento de tributos sobre o consumo: o “split payment”, a base operacional da reforma tributária. “A ideia surgiu da capacidade já comprovada do Brasil de ter um excelente sistema informatizado de arrecadação e um excelente sistema eletrônico de pagamento, e juntar as duas coisas, integrar as duas coisas”, disse ao Valor o diretor de programa da Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária, Daniel Loria.
O split payment permite que o imposto seja recolhido de forma simultânea ao pagamento. Nas transações entre empresas, o split fará com que o sistema de débitos e créditos tributários fique parecido com uma conta bancária. Ao final do mês, o estabelecimento terá uma lista do que tem a pagar e do que recebeu de crédito, e recolherá a diferença quando houver.
“Em vez de a empresa ter 250 pessoas fazendo apuração fiscal, terá uma ou duas”, afirmou o diretor. A intenção do governo é entregar aos estabelecimentos uma declaração pré-preenchida, da mesma forma como ocorre hoje no Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF). Assim como créditos e débitos tributários serão apurados de forma eletrônica, a divisão das receitas do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) também será automática.
Criado na reforma, esse novo tributo traz duas grandes novidades: será de competência conjunta de Estados e municípios e será devido no local em que o bem ou o serviço for consumido – diferentemente do que ocorre hoje, quando a receita de tributação sobre o consumo fica nos locais onde estão as sedes das empresas fornecedoras.
Um Comitê Gestor vai supervisionar o funcionamento do sistema de partilha que, segundo técnicos, será um algoritmo. Nos próximos dias, o governo enviará ao Congresso Nacional um projeto de lei complementar que regulará o funcionamento desse colegiado.
Por ainda não existir, o split payment tem despertado dúvidas. O presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Isaac Sydney, por exemplo, tem questionado quem pagará pelo desenvolvimento da tecnologia e adaptação das instituições financeiras ao novo sistema. Há críticas também quanto ao impacto do sistema no fluxo de caixa das empresas.
Loria reconheceu que, em alguns casos, o estabelecimento vendedor não poderá mais contar com o prazo que existe entre a venda e a quitação dos tributos devidos. “Se ele vendeu dia 1º de janeiro para pagamento à vista, ele pagou esse imposto dia 1º de janeiro, não vai mais poder esperar até 10 de fevereiro”, exemplificou. “Então, esse é o impacto do fluxo de caixa real que existe.” Ele, porém, acredita que o problema poderá ser resolvido.
A proposta de regulamentação da reforma tributária enviada no mês passado ao Congresso Nacional tem sido criticada por condicionar o uso do crédito tributário ao efetivo recolhimento dos impostos na etapa anterior. Na prática, dizem os críticos, o projeto coloca às empresas compradoras a responsabilidade de fiscalizar o recolhimento tributário de seus fornecedores. No entanto, mesmo os críticos reconhecem que esse problema não existirá se o split payment funcionar como o esperado.
A questão é que os textos da reforma colocam o sistema como algo opcional, o que tem despertado preocupação. A redação precisa ser melhorada, disse Loria. “Queremos que seja obrigatório.”
Do ponto de vista do governo, o novo sistema ajuda a combater a sonegação. Por exemplo, as empresas dedicadas a emitir notas fiscais falsas. “Como hoje o crédito do tributo é baseado no destaque em nota, então essa empresa noteira é uma fábrica de geração de créditos”, explicou o diretor. Essas são adquiridas por outras empresas, que as utilizam para reivindicar créditos tributários. Quando, eventualmente, a fiscalização vai verificar a origem da nota, encontra uma empresa fechada ou um laranja. É difícil aos Fiscos glosar o uso dos créditos.
O novo sistema será todo digital e baseado na emissão de notas fiscais eletrônicas. Assim, os créditos tributários corresponderão a operações efetivas de compra e venda de produtos e serviços.
Outro problema do sistema atual é a inadimplência, explicou Loria. Empresas postergam o pagamento de impostos devidos, muitas vezes para financiar despesas próprias, como o pagamento de salários. Impostos em atraso são corrigidos pela taxa Selic, o que representa um custo menor do que qualquer empréstimo bancário. No novo sistema, o recolhimento do tributo ocorrerá no ato do pagamento.
O terceiro problema a ser desestimulado é a venda de mercadorias sem emissão de nota fiscal. Empresas adquirentes tendem a exigir a emissão da nota, para ter acesso ao crédito tributário. Dessa forma, a expectativa do governo é que se reduza o chamado “hiato de conformidade”, que reflete a sonegação, a elisão, a inadimplência e os litígios nos recolhimentos tributários.
A alíquota estimada em 26,5% para os novos tributos sobre o consumo considera uma melhora na conformidade que corresponde a dois pontos percentuais da alíquota. Ou seja: sem o split payment, a alíquota seria de 28,5%.
“A cobrança eletrônica é o coração do IVA”, afirmou o deputado Luiz Carlos Hauly (PODE-PR), que há décadas trabalha pela reforma tributária do consumo. O IVA a que ele se refere é o Imposto sobre Valor Agregado, que no caso do Brasil será formado pelo IBS e pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS).