Sessões do Carf são afetadas por paralisação de auditores
Por Luiza Calegari — São Paulo
Processos tributários deixaram de ser julgados neste mês, no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), em razão da adesão de conselheiros representantes da Fazenda à greve nacional dos auditores da Receita Federal. O Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco Nacional) estima que o movimento afetou casos que somam R$ 51 bilhões.
Os conselheiros, de acordo com fontes ouvidas pelo Valor, estariam retirando de pauta processos das sessões virtuais marcadas para este mês. Mas estão votando normalmente nos casos relatados por representantes dos contribuintes.
Segundo o presidente do Sindifisco Nacional, Dão Real Pereira dos Santos, a intenção dos auditores fiscais é resolver a questão o mais rapidamente possível, o que evitaria que o movimento venha a afetar também as sessões do Carf marcadas para o mês de fevereiro, que serão presenciais.
“Queremos que o governo rapidamente cumpra o que foi combinado e instale uma mesa de negociação para que se possa resolver rapidamente essa pendência [pedido de reajuste de salários]. Conseguimos avançar em vários aspectos. A Receita já está muito sensibilizada. A solução do problema está nas mãos do Ministério da Gestão e da Inovação”, diz. “Sabemos que uma greve causa grandes incômodos para a sociedade e afeta até a arrecadação”, acrescenta.
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A paralisação foi necessária, afirma o presidente da entidade , diante da “falta de compromisso” do Ministério da Gestão e da Inovação com as negociações de reajuste salarial da categoria, que está sem reposição da inflação desde 2016.
A adesão dos conselheiros representantes da Fazenda, segundo a entidade, “é de quase 100%”. Também estariam suspensos “o trabalho de desenvolvimento e homologação do sistema de Inteligência Artificial (IARA) e da triagem de processos no montante de mais de R$ 1 trilhão”. Procurado pelo Valor, o Carf informou que não iria se manifestar sobre o assunto.
O movimento, segundo tributaristas, pode afetar a arrecadação de receitas oriundas do Carf, que já está abaixo das expectativas da Receita Federal. Ontem, o chefe do Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros, Claudemir Malaquias, informou que a previsão de R$ 28,6 bilhões para este ano será revisada para baixo.
Em 2024, segundo a Receita Federal, a arrecadação com julgamentos do Carf totalizou somente R$ 307 milhões, valor que representa 0,5% do projetado pelo Ministério da Fazenda. O órgão previa arrecadar até R$ 55,6 bilhões com o restabelecimento do voto de qualidade — desempate pelo presidente da turma julgadora, que é representante da Fazenda.
Caio Quintella, ex-conselheiro da Câmara Superior do Carf e sócio do Nader Quintella Advogados, lembra que desde 2017 o funcionamento do Carf é afetado por paralisações dos auditores fiscais. “Neste ano não houve ainda, propriamente, uma suspensão institucional das atividades do Carf. Mas há a retirada de processos da pauta de julgamento por conselheiros que são auditores fiscais, cujo efeito prático acaba sendo de redução da monta de processos julgados.”
Júlio César Soares, sócio da Advocacia Dias de Souza, ressalva que a reivindicação dos conselheiros é legítima, mas que é necessário cautela para que as concessões feitas aos representantes da Fazenda não aumentem ainda mais a disparidade entre eles e os conselheiros dos contribuintes.
“O Carf não é um órgão composto exclusivamente por conselheiros oriundos da Receita. Em razão da própria forma de ingresso dos conselheiros que representam os contribuintes, estes não têm meios de reivindicar melhores condições, e há um risco de a discrepância ficar ainda maior”, afirma o advogado.
A paralisação dos auditores fiscais começou no dia 26 de novembro e, até dezembro, segundo entidades ligadas ao comércio exterior, tinha travado a liberação de mais de 50 mil encomendas e documentos só nos aeroportos de Guarulhos e Viracopos, ambos do Estado de São Paulo. Os conselheiros do Carf teriam começado a aderir à greve este mês.