São Paulo quer negociar R$ 15 bi em dívidas com contribuintes
Por Marcela Villar — De São Paulo
A Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo (PGE-SP) abriu prazo para pessoas físicas e empresas negociarem dívidas de ICMS, IPVA e, pela primeira vez, de ITCMD e multas do Procon por meio de novo edital de transação tributária. A medida, publicada ontem, no Diário Oficial do Estado, é a quarta fase do Acordo Paulista. A ideia é regularizar, ao menos, R$ 15 bilhões de créditos inscritos na dívida ativa. A adesão pode ser feita até 27 de fevereiro de 2026.
Nessa fase, houve uma mudança na classificação dos débitos da dívida ativa, através da Resolução PGE nº 53/2025, também publicada ontem. Na prática, amplia a base de contribuintes que podem obter descontos. O órgão passa agora a considerar o grau de recuperabilidade da dívida, nos moldes do que faz a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN). Segundo advogados, é o edital mais abrangente já aberto pela PGE-SP.
Segundo o órgão, até às 19h de ontem, já foram negociados R$ 677,3 milhões da dívida ativa pelo edital, sendo R$ 470,2 milhões com benefícios. Destes, R$ 449,7 milhões são créditos de difícil recuperação. Para o órgão, isso “demonstra o acerto no ajuste do grau de recuperabilidade das dívidas implementado”. O total da dívida ativa do Estado é da ordem de R$ 400 bilhões.
Os descontos vão até 75% sobre os juros e multa de créditos irrecuperáveis – menos que o terceiro edital, que permitia redução de até 100%, mas era voltado só para empresas em recuperação judicial. Os créditos de difícil recuperação podem ter 60% de abatimento, além de dispensa de garantia. Para os recuperáveis, não há desconto, e a dispensa de garantia só vale para quem parcelar em até 84 vezes.
A redução máxima é de 65% do total passivo, não podendo ser atingido o valor do principal (tributo devido e multa isolada). As dívidas podem ser parceladas em até 120 vezes – da última vez, era até 145 meses. O valor mínimo de cada parcela é de R$ 500 para créditos de ICMS, de R$ 185,10 para dívidas do Procon e ITCMD e de R$ 74,04 para os de IPVA.
Os contribuintes também podem usar precatórios e créditos acumulados de ICMS próprios ou adquiridos de terceiros para saldar a dívida com o Estado, limitados a 75% do total devido (principal, multa e juros), o que já era permitido. Também é possível oferecer depósitos judiciais para adiantar a quitação de parcelas, de forma regressiva.
Não estão contemplados pelo edital débitos do adicional do ICMS ao Fundo Estadual de Combate e Erradicação da Pobreza (Fecoep) e os garantidos por depósito, seguro garantia ou fiança bancária em processos com decisão de mérito definitiva a favor do Estado de São Paulo. Também estão de fora contribuintes que tiveram transação rescindida nos últimos dois anos.
A nova forma de classificação da PGE-SP continua considerando as garantias, histórico de pagamento e a idade do débito, além de dívidas parceladas. Mas agora divide os contribuintes por notas de zero a três – antes era apenas zero e um. Os “melhores devedores” são aqueles que têm mais da metade da dívida com garantia ou parcelada e que tenha sido constituída nos últimos cinco anos, por exemplo.
Na avaliação da advogada Amanda Gazzaniga, do escritório ButtiniMoraes, a PGE-SP traz mais transparência na classificação. “Ficava uma dúvida entre o que era de difícil recuperação e o que era recuperável, porque a procuradoria considerava todas as dívidas, não só aquela que você queria transacionar”, diz. “Isso deixava os créditos muito categorizados e entrava no nível de recuperabilidade que não havia desconto, só parcelamento. Então afugentava contribuintes”, diz.
Agora, com a atribuição de notas, deve haver mais adesão, estima a advogada. Amanda também reforça que esse é o edital mais abrangente até agora, com prazo para adesão maior que os anteriores, o que é positivo. Segundo ela, regularizar multas do Procon beneficia principalmente o varejo e, no geral, favorece empresas em recuperação judicial que queiram regularizar todo o passivo.
Para Leandro Lucon, do Finocchio & Ustra Advogados, o novo edital é uma mudança estrutural em relação ao modelo anterior. “No Acordo Paulista de 2024, previa-se desconto independentemente da natureza do crédito ou do perfil do devedor. Não havia diferenciação entre créditos com maior ou menor chance de recuperação, todos eram tratados de forma uniforme”, diz.
Segundo ele, essa sistemática se assemelha ao modelo federal, que aplica descontos de forma seletiva. “Em São Paulo, o parâmetro é a qualidade do crédito em si, medida pela sua chance de recuperação”, diz Lucon.
A mudança, acrescenta, “marca a transação tributária como uma política pública moderna, baseada em análise de risco e seletividade, em contraste com os programas de anistia indiscriminada do passado”. “A procuradoria demonstra, com esse edital, uma clara preocupação em alinhar a transação tributária à racionalidade econômica e à sustentabilidade das contas públicas.”
A adesão é feita pelo site dividaativa.pge.sp.gov.br/transacao. Nas três primeiras etapas do Acordo Paulista foram R$ 57,6 bilhões recuperados. O primeiro edital tratou de dívidas de ICMS. O segundo, de IPVA. E o terceiro envolveu empresas em recuperação.