Repristinação de norma não pode burlar limites ao poder de tributar, decide juiz
Apesar de a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lindb) admitir a repristinação — isto é, a reentrada em vigor de norma anteriormente revogada —, tal instituto não pode ser usado para suprimir as limitações ao poder de tributar consagradas pela Constituição.
Com base nesse entendimento, o juiz Everson Guimarães Silva, da 2ª Vara Federal de Pelotas (RS), garantiu a uma indústria do ramo de calçados o direito de recolher com alíquotas reduzidas o PIS e a Cofins sobre as receitas financeiras, na forma do Decreto 11.322, de 2022.
A decisão foi provocada por mandado de segurança no qual a empresa pleiteou que fosse afastada a majoração das alíquotas de PIS e Cofins estabelecida pelo Decreto 11.374/2023.
No pedido, a indústria relatou que estava sujeita ao pagamento das contribuições pelas alíquotas de 0,65% e de 4%, fixadas pelo Decreto 8.426/2015. Ocorre que, no dia 30 de dezembro do ano passado, foi publicado o Decreto 11.322, que alterou o decreto de 2015 para reduzir os percentuais das contribuições para 0,33% e 2%, respectivamente.
A empresa acrescentou que, pelo decreto de 2022, a redução entraria em vigor na data de sua publicação, produzindo efeitos a partir de 1º de janeiro deste ano. Nessa data, porém, a nova gestão federal editou o Decreto 11.374, o qual revogou o decreto do ano passado para restabelecer as alíquotas do PIS e da Cofins sobre as receitas financeiras nos percentuais de 0,65% e 4%, respectivamente, repristinando o Decreto 8.426/2015.
Diante disso, a empresa impetrou o mandado contra a União pedindo que a Justiça mantivesse as alíquotas reduzidas, em observação ao princípio da anterioridade nonagesimal — segundo o qual um ente não pode cobrar tributos antes de decorridos 90 dias da data da publicação da norma.
Notificada, a Fazenda Nacional sustentou, em sua defesa, que em maio deste ano o Plenário do Supremo Tribunal Federal referendou a tese de que o decreto de dezembro de 2022 não chegou a produzir efeitos, uma vez que não houve dia útil que possibilitasse a arrecadação de receita financeira.
Assim, citando o entendimento do STF, a Fazenda Nacional argumentou que, como não ocorreu o fato gerador, o contribuinte não adquiriu o direito de se submeter a uma redução de alíquotas que jamais entrou em vigência. Já quanto à noventena invocada pela empresa, a autoridade sustentou que, pela excepcionalidade do caso dos autos, tal princípio não teria aplicação.
Ao analisar o mandado, o juiz Everson Guimarães Silva explicou inicialmente que o ordenamento brasileiro admite a repristinação de uma norma, conforme previsão do artigo 2º, §3º, da Lindb. Contudo, prosseguiu o julgador, tal sistemática não pode ser adotada para “burlar limitações ao poder de tributar expressamente consagradas pela Carta Política”. E um desses limites é o princípio da anterioridade tributária.
Em seguida, o juiz explicou que, em sua visão, o decreto que reduziu a alíquota tributária chegou a entrar em vigor e produzir efeitos, ainda que por curto espaço de tempo. Com isso, completou o juiz, “eventual
restabelecimento da alíquota, em momento posterior, deve observar o princípio da anterioridade, observada a natureza do tributo envolvido (anual, nonagesimal ou ambas)”.
“Ante o exposto, julgo procedentes os pedidos para reconhecer o direito de a impetrante apurar e recolher as contribuições ao PIS e Cofins, no período compreendido entre 02.01.2023 a 02.04.2023, na forma do Decreto nº 11.322/2022, com a aplicação das alíquotas de 0,33% e 2% sobre as receitas financeiras auferidas”, concluiu Guimarães Silva.
O advogado Luciano Lopes de Almeida Moraes representou a empresa.
MS 5009636-66.2023.4.04.7107