Reforma tributária aumentará a carga de impostos do setor de saneamento básico
Por Beatriz Olivon, Rafael Bitencourt e Lu Aiko Otta — De Brasília básico
Os serviços de saneamento básico estarão submetidos ao Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), conforme o texto conhecido da reforma tributária aprovada pela Câmara e atualmente em análise no Senado. Hoje, o setor praticamente só paga os tributos federais, segundo especialistas. Com o aumento de carga, representantes do segmento estimam que pode haver repasse nos preços.
O IBS, criado pela reforma, vai fundir e substituir o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), de competência dos Estados, e o Imposto sobre Serviços (ISS), dos municípios.
A lei que indica quais serviços pagam ISS (Lei Complementar nº 116, de 2003) não inclui os de saneamento. Logo após a aprovação do texto pelo Congresso Nacional, o então presidente da República, Luiz Lula Inácio da Silva, vetou os dispositivos que instituíam a cobrança do tributo. Na época, alegou não ser de interesse público a taxação dos serviços de saneamento ambiental e purificação de água.
Em 2019 chegou a ser apresentado um projeto de lei complementar (n° 155) que determinava a cobrança, mas o texto nunca foi deliberado. Agora, a versão mais recente da reforma tributária, a ser analisada pelo Senado, não prevê tratamento mais benéfico para o setor.
A Associação Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon) está contratando uma consultoria independente para estimar o impacto. O diretor-executivo da entidade, Percy Soares Neto, acredita que o aumento da tributação, se confirmado, resultará em uma “chuva” de pedidos de reequilíbrio contratual e consequente aumento de custo dos serviços de água e esgoto.
Soares avalia que a previsão de aumento poderá ser revertida na fase de discussão do texto no Senado. “A gente já abriu um diálogo muito bom com alguns parlamentares e com o próprio governo. Acho que o ‘jogo’ da reforma tributária ainda não acabou”, afirmou ao Valor. No governo, as conversas são mantidas com a Secretaria Nacional de Saneamento, do Ministério das Cidades.
Previsão de aumento da carga tributária poderá ser revertida no Senado”
— Percy Soares Neto
O executivo da Abcon informou que pretende propor uma saída para evitar o aumento da tributação para os setores de infraestrutura, como um regime diferenciado. No caso específico do saneamento, é considerado até a alternativa de equiparação com a área de saúde.
“Vamos mostrar aos senadores o impacto do fim da isenção tanto nas tarifas quanto no ritmo dos investimentos”, diz Soares. “Precisamos chegar a uma proposta razoável tanto ao espírito reformista quanto à necessidade de levar saneamento para quem não tem”, acrescenta.
Se a discussão surgir durante os debates no Senado, o governo a avaliará, disse uma fonte do próprio governo. Ela comentou que a questão não chegou a ser levantada durante as discussões sobre a reforma tributária na Câmara dos Deputados.
De forma geral, o governo quer evitar novos tratamentos tributários especiais, para que não haja oneração do conjunto da economia. A alíquota básica do IBS e da Contribuição de Bens e Serviços (CBS) deverá ser fixada de forma a manter o atual nível de arrecadação. Quanto mais exceções na reforma tributária, maior terá de ser essa alíquota.
O técnico ressalta que não se deve levar em conta só a tributação ao consumidor final de produtos e serviços, mas a carga incidente em toda a cadeia, incluindo investimentos. Há ganhos de eficiência que impactarão toda economia e reduzirão custos das empresas, argumenta-se no governo.
“O setor sai do zero e vai para a alíquota máxima”, afirma André Carvalho, sócio da consultoria tributária do Veirano Advogados.
Além da isenção do ISS, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu em 2013 que não incide ICMS sobre o fornecimento de água tratada por concessionária de serviço público (RE 607056). Alguns Estados têm regime de isenção, alíquota zero ou créditos do imposto, o que faz com que as concessionárias, em geral, também não paguem a alíquota cheia, segundo o advogado.
“Sai de zero [ISS e ICMS hoje] para uma alíquota que pode ser de 25% ou 30%. E a princípio não há alíquota reduzida para o setor”, afirma Carvalho. “Vemos um impacto grande no IBS e talvez na CBS também”, aponta. O advogado explica que algumas empresas, ao conseguirem no Judiciário o reconhecimento da imunidade recíproca (um ente público não pode cobrar tributo de outro) conseguem pagar PIS e Cofins no regime cumulativo, com a alíquota reduzida de 3,65%. Não há direito a créditos, porém, diz ele, ainda seria mais vantajoso.
Além dos tributos, pode haver impacto pelo fim de benefícios fiscais. Hoje o setor se beneficia do Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura (Reidi), que permite a aquisição da estrutura que será usada no saneamento com desoneração de PIS e Cofins.
Carvalho lembra que a ideia da reforma é ter um regime sem tantas exceções como hoje, mas pondera que alguns setores já conseguiram diferenciações, a exemplo da construção civil e do setor financeiro.
“Talvez a única boa notícia seja tomarem créditos sobre tudo”, afirma Leonardo Battilana, sócio da área tributária do mesmo escritório. “Mas não sabemos se no fim do dia vai manter a carga tributária do saneamento. Acho que vai onerar mais”, acrescenta. O advogado lembra que na PEC nº 110 havia previsão de incentivos para serviços de saneamento. Por isso, diz ele, a expectativa é que o setor recupere essa previsão no texto no Senado.
Segundo Renata Emery, sócia da área tributária do escritório TozziniFreire Advogados, o setor pode tentar repassar o aumento de tributação no custo final, apesar de sofrer com inadimplência. Para Emery, a tributação do setor, assim como de infraestrutura no geral (leia abaixo), aumenta a arrecadação porque são serviços consumidos por todos. “São os candidatos preferenciais para arrecadação”, afirma.
Segundo Claudio Frischtak, economista e presidente da Inter B Consultoria Internacional de Negócios, o setor consegue repassar eventual aumento de tributação ao preço e ainda manter um benefício para quem precisa, por meio de ‘tarifa social’. “Tem que se evitar a todo custo as exceções”, afirma. “Quanto maior o número de exceções, aumenta a taxa básica e você começa a distorcer, mesmo que distorções muito menores do que temos hoje”, acrescenta.
O economista ainda destaca que uma reforma tributária que traz simplificação melhora a situação de todos os setores.
Atualmente, o Brasil conta com déficit de 50% no serviço de coleta de esgoto. O setor estima que entre 13 milhões e 15 milhões de brasileiros não têm acesso à água tratada na torneira de casa. Desde a aprovação do marco do saneamento (Lei 14.026/2020), os governos têm tentado atrair mais investimento privado, que atualmente administra o atendimento de 26% da população.