Receita garante isenção sobre dividendos em caso de apuração parcial dos resultados
Por Jéssica Sant’Ana e Beatriz Olivon — De Brasília
A Receita Federal lançou nesta semana um manual sobre como será aplicada a retenção em 10% dos lucros e dividendos acima de R$ 50 mil distribuídos pelas empresas a uma mesma pessoa física residente no Brasil e sobre qualquer valor remetido à pessoa física ou jurídica no exterior. Essa tributação, criada junto com a lei que aumentou a isenção do Imposto de Renda (IR) para quem recebe até R$ 5 mil por mês, vem suscitando dúvidas de tributaristas e de empresas, que buscam formas de remunerar seus acionistas sem precisar reter o IR a partir de janeiro de 2026.
No documento, a Receita confirma que para ter direito à isenção do IR é necessário que os resultados apurados até este ano tenham a distribuição aprovada até o dia 31 deste mês. Uma vez aprovada a distribuição ainda neste ano, o pagamento pode ser feito até 2028. Contudo, a empresa poderá elaborar um balanço intermediário ou balancete de verificação referente ao período de janeiro a novembro de 2025 e levar esse balanço parcial para aprovação sobre a distribuição dos lucros e dividendos.
“Caso o balanço definitivo levantado em 31 de dezembro de 2025 apresente um resultado inferior ao valor anteriormente aprovado para distribuição, a isenção poderá ser mantida. Nessa hipótese, contudo, a distribuição isenta deverá ficar limitada ao montante do resultado efetivamente apurado no ano-calendário de 2025”, esclarece o Fisco, sobre um dos pontos de dúvidas que vinham sendo levantados pelas empresas.
No documento, a Receita também fecha a porta para um modelo de distribuição de dividendos “híbrido”, que vinha sendo considerado por muitas companhias, segundo o tributarista Luca Salvoni, sócio do Cascione Advogados. O órgão informa que, se a empresa anunciar que fará até 2028 a distribuição de dividendos referentes ao seu estoque até 2025 e não distribuir todo o valor, por precisar de caixa, esse excedente será tributado em 10%.
A Receita não respondeu a questão expressamente, mas essa é a interpretação quando afirma que, no caso específico de lucros apurados até 31 de dezembro de 2025 e destinados ao aumento do capital social da pessoa jurídica, a não tributação ocorre “desde que a deliberação e a aprovação do respectivo evento societário ocorram até essa mesma data”, segundo o advogado. Salvoni afirma que vinha sendo questionado por diversas empresas que queriam fazer a distribuição dessa forma.
Ele destaca ainda que aumentos de capital após 2026 com lucros serão um gatilho para cobrança de 10% de IR na fonte. “É um problema, porque a capitalização da empresa deveria ser bem-vinda”, diz ele, indicando que, pela tributação, distribuir o lucro ou capitalizar a empresa terão o mesmo efeito tributário.
O advogado afirma também que o documento, intitulado de “Perguntas e Respostas”, traz um modelo para o cálculo de resultado de 2025 por estimativa. “É uma proposta lúcida e tem uma mecânica viável e aceitável dentro de uma falha conceitual da lei”, diz ele. Ao mesmo tempo, acrescenta, o rito formal tem que ser completo, não basta uma ata da diretoria sobre a distribuição de dividendos, mas uma deliberação formal pela Assembleia com reflexo na contabilidade. “Não precisaria disso tudo. Se o objetivo da norma é resguardar o lucro de 2025 e travar um valor, evitando que as empresas fiquem reprocessando 2025 e achando um lucro velho, bastaria qualquer documento registrado público”, diz o tributarista.
Já o advogado Fabio Calcini, sócio do Brasil Salomão e Matthes Advocacia, destaca que a Receita prevê o ajuste se o valor de dividendos estimado ao fim de 2025 for menor do que o lucro estipulado. Por outro lado, não esclarece o que acontece quando o lucro em dezembro for maior do que o deliberado em ata “provisória”. Por não haver essa resposta, segundo Calcini, a impressão é que não será possível afastar a tributação desse valor excedente. “O que seria uma inconstitucionalidade porque o lucro é de 2025”, afirma.
Em outro ponto controverso, a Receita também esclarece que a retenção de IR atinge os pagamentos de lucros e dividendos efetuados por empresas do Simples Nacional a seus sócios. “Com a Lei nº 15.270/25, a isenção prevista no artigo 14 da Lei Complementar nº 123/06 deixou de ser aplicada de modo que os lucros e dividendos pagos passarão a estar sujeitos a retenção na fonte do IRRF”, diz o órgão.
Tributaristas, contudo, afirmam que os lucros e dividendos das empresas do Simples precisam ficar isentos, por força da Lei Complementar nº 123, de 2006, que deveria se sobrepor à lei ordinária aprovada recentemente. Esse ponto tende a ser judicializado pelas empresas, dizem, caso o Fisco mantenha o seu entendimento sobre a retenção.
Para Fabio Calcini, a tributação dos sócios no Simples é um “gritante equívoco” da Receita Federal. Além de a Constituição estabelecer que alterações no Simples dependem de lei complementar, a Lei nº 15.270/25 não revoga nem traz novas alterações ao artigo 14 da Lei nº 123, de 2006, que prevê a isenção para o Simples, explica. “Houve um equívoco no processo legislativo que não fez a revogação ou alterações na Lei do Simples”, diz ele, acrescentando que foi um “silêncio proposital” do legislador não alterar a lei.
“Isso vai acabar nas mãos dos tribunais”, afirma Luca Salvoni, que prevê judicialização do tema, mas considera que essa interpretação da lei por parte da Receita já era esperada.
Para Ana Lucia Marra, sócia do escritório Sanmahe Advogados, é provável que a questão seja judicializada, mas não é possível saber quantas empresas do Simples vão cair no rendimento a partir do qual há tributação.
A especialista avalia também que uma série de questões não foram endereçadas pela Receita no Pergunte e Respostas divulgado na terça-feira. “Ficou faltando esclarecer adequadamente a situação de grande controvérsia de que para cumprir o requisito até 31 de dezembro não dá para distribuir os lucros do ano inteiro”, afirma ela, indicando que o lucro de dezembro fica de fora porque, normalmente, a distribuição de lucros vem depois do fechamento de balanço e auditoria.
Em nota ao Valor, a Receita Federal informa que o documento tem como objetivo prestar esclarecimentos gerais sobre questões suscitadas pelos contribuintes: “O documento poderá ser atualizado posteriormente, de modo a incluir outras questões relevantes, bem como esclarecimentos relativos a dispositivos da lei cuja aplicação não seja imediata.”