O necessário debate sobre a cobrança da dívida ativa da União, Estados e municípios
Por Eduardo Salusse — São Paulo
A relevância do tema decorre da baixa efetividade na cobrança e recebimento dos créditos tributários inscritos em dívida ativa, especialmente por conta do elevado volume de execuções fiscais que acabam por sobrecarregar o Poder Judiciário e que raramente alcançam o seu fim. De cada 100 execuções fiscais, apenas 12 são finalizadas com êxito na recuperação do crédito executado. As execuções fiscais respondem por cerca de 30 milhões de processos de um total aproximado de 80 milhões de processos em tramitação no país.
A Constituição Federal de 1988 previu em seu artigo 37, introduzido pela a Emenda Constitucional nº 19/98, a positivação do princípio da eficiência administrativa. Este princípio, de gênese econômica e já tratado na pioneira obra “A Riqueza das Nações” de Adam Smith, foi cunhado progressivamente por diversos pensadores da ciência econômica até ser incorporado como princípio jurídico a partir de “John Rawls”, evoluindo até a concepção da análise econômica do direito de Richard Posner. Adota-se, em suma, o conceito de que o princípio exige uma relação custo-benefício positiva, por meio da qual deve-se sempre buscar fazer mais com menos ou com o mesmo. É um conceito fixado a partir de ideia de Pareto (ótimo de Pareto) e que tem clara conexão com a ideia de progredir, tal como consta no lema de nossa bandeira.
Quando falamos de mais valia no direito, a maximização dos ganhos e a minimização das perdas não remete necessariamente ao valor econômico sob a perspectiva financeira, vez que o direito maximiza outros valores nem sempre quantificáveis. A relação custo-benefício, neste diapasão, não repousa apenas na aferição positiva do resultado “dinheiro”, mas na maximização de valores constitucionais que custaram muito caro à nossa sociedade. É evidente que tais conceitos não são excludentes, mas servem de alerta para uma adequada análise econômica da questão posta em debate.
A despeito da positivação do princípio da eficiência de forma expressa somente na Constituição Federal de 1988, o fato é o princípio ou dever de eficiência está presente de forma clara em todas as Constituições Republicanas. É sempre referida com expressões que repudiam ineficiência ou comandam alguma atitude de melhoria (maximização) em face de uma determinada situação posta. Mas isso é tema para outro debate.
O fato é que, tratando do sistema tributário, a CF/88 atribuiu ao Senado Federal a competência para avaliar a funcionalidade (olha o controle de eficiência aqui!) do sistema tributário nacional e o desempenho das administrações tributárias. Há notícia que esta análise tenha sido feita, no passado mais recente, pelo Senado Federal, em 2017 (RQE 6/2017-CAE e 11/2017-CAE . Appy, 2017; Meirelles, 2016; Receita Federal do Brasil; Senado Federal)
Os problemas funcionais e, logo, de eficiência, foram corroborados por outros estudos como o do próprio Tribunal de Contas da União (TCU) na Lista da Alto Risco (LAR) da Administração Pública Federal, da ministra Ana Arraes, onde é relatado que “na área fiscal, os riscos envolvem a governança e gestão das renúncias de receitas tributárias. Foram identificadas fragilidades que impedem a plena fiscalização da administração tributária e deficiências nas cobranças dos contenciosos tributários – tributos questionados pelo contribuinte.”
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e diversas outras instituições e estudos denunciam a ineficiência do sistema atual, de modo que partimos, daqui, com a premissa de que há um consenso quanto a este ponto.
Fixado este ponto comum, nasce o dever constitucional de mudar. E, dentre as mudanças, a administrativização da cobrança é um dos pontos envolvidos e que justificam os debates a partir de iniciativas legislativas em andamento, em especial, para o presente caso, nos dispositivos do Projeto de Lei nº 2.488/2022, cujo teor será objeto de artigo próprio.
Pretende o projeto de lei admitir que as Fazendas Públicas, por suas procuradorias, tenham poderes para executar administrativamente o crédito tributário, ultrapassando medidas de cunho persuasivo (protestos, negativações e outros), outorgando-lhe competência para executar administrativamente créditos tributários de até 60 salários mínimos com o bloqueio e a alienação de bens do devedor. E tudo feito sem a intermediação do Poder Judiciário que, evidentemente, permanece à disposição para controlar eventuais abusos e ilegalidades.
O debate requer, a meu ver, uma análise crítica imparcial, delimitada pelos valores constitucionais da eficiência, da confiança e da legalidade, o que será tratado em artigos futuros nesta mesma coluna.