Nova lei pode levar varejo a discutir na Justiça uso de créditos de ICMS
Por Arthur Rosa — São Paulo
Uma lei complementar publicada ontem não resolveu uma importante questão que envolve o varejo: o uso de créditos de ICMS gerados na transferência interestadual de mercadorias entre estabelecimentos de um mesmo contribuinte. A norma, de nº 204, não deixa expressamente claro se o contribuinte é obrigado ou não a transferir parte desses créditos ao Estado de destino dos produtos.
A lei inclui na legislação decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) contra o pagamento do imposto estadual nessas operações. Aborda a questão dos créditos e apenas abre margem, segundo especialistas, para que se interprete não ser obrigatória a transferência total da parte que cabe ao Estado de destino das mercadorias.
Sem uma definição precisa em lei, o tema pode ser levado ao Judiciário, já que em recente convênio, de nº 178, o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) torna “obrigatória” essa transferência, o que, para advogados, restringiria a decisão do Supremo.
Os contribuintes defendem que os ministros só garantiram o “direito” à transferência. Eles definiram, no mês de abril, que a partir de 2024 não poderá mais ser cobrado ICMS nesses deslocamentos de mercadorias e deram prazo aos Estados — até o fim deste ano — para a edição de uma norma para tratar do uso dos créditos.
“A lei complementar não trata expressamente da obrigatoriedade ou não da transferência. Mas limita essa transferência à aplicação da alíquota interestadual sobre o valor atribuído à transferência, o que pode dar margem a entendimentos de que, na verdade, se trata de uma opção do contribuinte. Nessa linha, o contribuinte poderia, em tese, transferir menos”, diz o advogado Maurício Barros, sócio do Cescon Barrieu, acrescentando que a questão pode ser judicializada pelos contribuintes.
Douglas Campanini, sócio da Athros Consultoria, destaca que a falta de clareza da lei complementar pode prejudicar principalmente empresas com direito a benefício fiscal no Estado de destino das mercadorias, que não poderão aproveitar esses créditos integralmente na origem — já que terá que transferir parte para o destino. Normalmente, explica, esses incentivos proíbem o contribuinte de usar esses créditos que devem ser transferidos.
“A lei deve trazer judicialização. Poderia tratar como facultativa a transferência”, afirma Campanini, acrescentando que a norma também falha na questão da base de cálculo do ICMS — sobre a qual são calculados os créditos.
A norma não detalha o assunto, depois de revogados dispositivos da Lei Kandir (Lei Complementar nº 87, de 1996) sobre o assunto, ao contrário do convênio editado pelo Confaz. “O problema é que base de cálculo não é matéria de convênio. O texto [da lei] foi um pouco infeliz nessa parte, pois poderia ter regulado o tema”, diz Maurício Barros.